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Capitulo IV Sexualidade e saúde sexual na voz da pessoa idosa

2. Influências na gestão e vivências da sexualidade pela pessoa idosa

2.8. Gestão e vivência da sexualidade na relação com o/a parceiro/a

2.8.2. Dimensões das expressões da sexualidade com o/a parceiro/a: afetividade,

Para M1 a proximidade com a morte conduz a um aumento da disponibilidade para a experiência da sexualidade.

há menos tabus as pessoas entregam-se porque (…) não há tempo a perder eu acho que estamos ali estamos vivos estamos a amar estamos muito muito estamos muito disponíveis eu acho que essa disponibilidade que a idade traz e grande sabedoria eu acho (M1, 61 anos)

Nos discursos das pessoas idosas percebe-se que a atividade sexual marca presença, em algumas relações conjugais, no contexto das quais existiram idosas que revelaram desejo e prazer sexual.

[relação sexual] é a melhor maneira de a gente se entender já por isso vão quarenta e cinco anos com quatro de namoro (…) sou feliz à minha maneira (M4, 64 anos)

Uma vezinha por semana, não dou a vez a ninguém (M4, 64 anos)

Não deixa de não ser possível, que esta expressão de desejo sexual e de prazer possa estar relacionada com a proximidade à entrevistadora, contudo não deixa igualmente de se desmarcar de valores do estado novo, um contexto social que as idosas ainda têm interiorizado, mas que não aparece em si na totalidade, já que “(…) estado, igreja Católica, família, escola e media

convergiam na missão de aconselhar o sexo feminino (mulheres solteiras e casadas) para o escondimento do corpo, o apagamento da sensualidade, a proibição do erotismo e a diabolização do prazer” (Freire, 2013, p.58), valores estes que elas quebram nos seus discursos

aos reconhecerem, perante outros a sua sexualidade.

Porém, é também reconhecido, por uma das entrevistadas, M5, o sentido de “obrigação”, da atividade sexual, sendo que a disponibilidade do conjugue masculino para a relação sexual prevalece sobre a sua própria vontade.

[a atividade sexual] para mim tomara eu que me deixassem em paz e sossego, o meu marido nunca me procurasse porque eu acho que aquilo ali não faz falta. Eu conheço e reconheço que faz falta entre o casal (…) Não quer dizer que eu não sentisse prazer (…) porque o meu marido procurar-me para mim era um sinal que gostava de mim (…) Mas que dissesse assim “aí eu sinto falta” não! (M5, 77 anos)

Enquanto, H1, continua esta linha de pensamento em que assume um papel ativo sobre a relação sexual, cabendo-lhe a responsabilidade de um bom desempenho sexual, colocado em paralelo com um bom desempenho como sustento do lar.

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Na parte sexual eu hoje em dia ainda continuo a ter relações com a minha esposa (…) não é com a mesma assiduidade (…) Nunca tivemos problemas a mulher nunca se queixou, nunca lhe faltou nada, (…) nem na parte sexual nem na vida que levamos (…) (H1, 80 anos)

A visão de uma atividade sexual experienciada sobre a passividade e o domínio masculino, ainda vigora nos discursos das pessoas idosas entrevistadas, em particular nestas duas últimas vozes, talvez por serem mais velhas em relação às restantes; é possível associar a interiorização de um modelo biomédico: “não se encarava a sexualidade como autónoma e diferente da do

homem, apenas era modificada por contextos hormonais variados e variáveis, que justificavam diferenças de comportamento feminino e masculino. A dominância masculina seria explicada por uma maior agressividade que provinha dos androgénios. A centralização da sexualidade na atividade coital e no desempenho masculino, também fruto das hormonas, dava à mulher o papel passivo, submisso, e passou à margem daquilo que é na sexualidade e em particular na sexualidade feminina, um aspeto essencial: a partilha, o afeto, a comunicação emocional”

(Campos, 2007, 282).

A essencialidade da afetividade está presente nos discursos das mulheres, mesmo como fonte de prazer, apesar da relação sexual figurar e de existir desejo e prazer associado a esta, a dimensão afetiva é a que tem um maior relevo, suscetível de aumentar com o envelhecimento, mas que nos parece presente mesmo na juventude.

(…) dou muito mais valor não só na questão do ato sexual em sim dou muito mais valor quando oo marido chega a casa e vê se nós estamos bem-dispostas mal dispostas nos faz uma carícia, por exemplo o meu marido uma das coisas que tem é quando está a comer e a comida lhe está a saber bem passar-me o dedo na cara e fazer-me uma caricia isso para mim significa muito significa que está a dar valor aquilo que eu estou a fazer, é muito mais importante isso do que o ato sexual em si (…) (M3, 65 anos)

Porém, a afetividade não parece ser uma fonte de prazer exclusiva das mulheres, alguns dos homens idosos reconheceram que a importância da mesma, quer estejam ou não vinculados a uma só parceira: H1, apesar de não priorizar a afetividade atribui-lhe um papel relevante que condiciona o próprio ato sexual.

(…) hoje nós com esta idade precisamos mais do incentivo do carinho é isso que eu sinto (…) noutros tempos não, noutros tempos eu chegava a casa vinha da fábrica ela ainda estava a dormir e eu tinha que ter logo sexo (H1, 80 anos)

Este novo lugar que na sexualidade dos homens idosos é atribuído à afetividade e que antes na sua juventude era negligenciado, é para Sandberg (2011), resultados das alterações corporais do envelhecimento, como a dificuldade na ereção e a mobilidade corporal, que influenciam as

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práticas sexuais e implicam uma redescoberta do corpo em que é dado relevo ao toque e à intimidade, por exemplo o calor do corpo da parceira pode desencadear prazer e a vivência da intimidade pode traduzir-se na criação de um ambiente romântico com a troca de palavras agradáveis.

Talvez articulada com a experiência da afetividade, temos na experiência da sexualidade conjugal a prestação de cuidados ao parceiro, como o faz M5.

(…) eu ajudo-o [ao marido] muito (…) neste momento outra coisa que me faz medo da da cirurgia é porque ele depende um pouco de mim (…) ele vai tomar banho eu vou pôr-lhe loçãozinha no corpo (…) como diabético tem que ter muito cuidado nos pés (…) e eu é que lhe trato dos pés (…) por a roupinha para ele vestir (…) Portanto eu tenho muito receio que ele (…) não se aguente (…) e ficar muito deprimido (…) o meu marido é muito distraído (…) é capaz de vestir umas calças (…) beges com umas meias castanhas (…) e eu tenho todos os dias que lhe fazer isso. (M5, 77 anos)

2.8.3. Influências nas alterações da expressão e gestão da sexualidade ao longo do