• Nenhum resultado encontrado

Capitulo IV Sexualidade e saúde sexual na voz da pessoa idosa

3. Perspetivas das pessoas idosas sobre a saúde sexual e o seu lugar nos cuidados

3.1. Conceitos, perceções e preocupações de saúde sexual

A WHO sugere em 2006 que a saúde sexual compreenda o sentimento de “bem-estar físico,

emocional, mental e social” (p. 5), na experiência da sexualidade.

Assim, apresentamos nesta seção, as conceptualizações, elaboradas pelas pessoas idosas, sobre saúde sexual, bem como as preocupações que têm em relação ao seu estado de saúde sexual.

3.1.1. Abrangência da saúde sexual

Além da ligação que as mulheres idosas entrevistadas estabelecem entre saúde sexual e manter- se sexualmente ativos, para algumas, o bem-estar físico e mental na vivência da sexualidade, também se incluem, como o diz M6 e M3.

a saúde sexual para mim é um conjunto de várias coisas, não é? Incluindo o ato sexual, incluindo as caricias, as meiguices, sei lá o beijo pronto são um conjunto de situações que proporcionam um bem-estar a duas pessoas independentemente de ser casal (M3, 65 anos) (…) entende-se por saúde sexual (…) o exercer a sexualidade (…) de modo a dar um bem- estar físico e também espiritual (M6, 70 anos)

De acordo com um conceito holístico da saúde sexual a mulher reserva espaço e a interiorização nas suas preocupações de saúde sexual, para o homem, como M3.

É [a saúde sexual uma preocupação] porque neste momento, enquanto (…) o meu parceiro for vivo é porque não quero que ele se desiluda (M4, 64 anos)

123

Ao circunscrever a preocupação, em relação à sua saúde sexual, em torno do prazer do companheiro, mesmo que ela também possa sentir prazer na relação sexual, desfrutar de ser sexualmente ativa, como já havida sido descrito, alude à integração do contexto histórico em que cresceram, no qual, enquanto mulheres casadas, deviam zelar pelo bem-estar conjugal e deveria reprimir o desejo e a excitação sexual Freire (2013). Enquanto, os homens idosos, assumem, advindo de um conceito de sexualidade, centrado na atividade sexual – no estado novo, o homem deveria ser sexualmente experiente (Freire, 2013) -, uma definição de saúde sexual focada nas suas capacidades para o desempenho do ato sexual.

(…) quando o homem ainda se sente realizado, se sente com capacidade (…) ter um encontro com uma companheira entendo que é muito bom com a minha idade (H2, 78 anos)

Por consequência de uma conceptualização centrada no ato sexual, ao longo das entrevistas, na generalidade os idosos deixaram transparecer preocupações com a capacidade para terem relações sexuais.

A gente não vivendo a nossa vida sexual entramos em em trauma. (H3, 61 anos)

À semelhança, do estudo de Lee, Nazroo, O’Connor, Blake e Pendleton (2015), no qual os homens à medida que envelhecem tendem a reportar cada vez mais preocupações sobre a sua saúde sexual ao contrário das mulheres; também os homens idosos, aqui, entrevistados revelam maior preocupação para com a apetência para a relação sexual, fortemente associada ao desempenho sexual, imprimido pelos valores em que cresceram, cujo comprometimento, na perspetiva lhes reduz a masculinidade.

Talvez em consequência de um foco dirigido para a atividade sexual, é que associação IST’s e HIV-SIDA são mencionados apenas pelos homens idosos, enquanto suscetíveis de comprometerem a sua saúde sexual.

(…) a minha parte sexual é muito boa, não tenho nada de doenças, nunca tive, nunca me protegi e andei com mulheres fora de casa, nunca me protegi nunca usei nada para me proteger de doenças (…) (H1, 80 anos)

Porém, apesar de associarem as relações sexuais, com múltiplas parceiras, a um risco aumentado de contrair IST´s e HIV, tal como H1, nem todos os idosos, dizem utilizar ou terem utilizado preservativo, aquando relações extraconjugais, sendo que justificam o seu não uso a partir de conceções erradas sobre os sinais de VIH, como H1 que considera que de entre estes está o odor corporal.

(…) era novo e se chegasse a quarto com uma rapariga e me cheirasse mal eu vamos dizer que era vinte escudos, eu dava-lhe a nota e vinha-me embora e deixava-a ficar. Se calhar

124

(…) é que eu também nunca apanhei SIDA, porque eu não era capaz de me servir de uma mulher que me cheirasse mal (H1, 80 anos)

Assim, como as concetualizações em torno do preservativo também são suscetíveis de terem influência na adesão ao mesmo, como H5 que admite não utilizar preservativo, por o considerar antinatural.

(…) a ter relações preciso de estar prevenido, não é? Com preservativo, não é? Se vou a uma pessoa de confiança não preciso, que eu detesto preservativos, sinceramente gosto de tudo (…) ao natural. (…) Porque pode passar graves doenças, não é? E depois com a minha idade já não há hipótese, não é? (…) Tenho pessoas que conheço (…) não tive problemas, nenhuns, confio nessa pessoa, posso ter azar muitas vezes. (H5, 65 anos)

Outras condições são igualmente preponderantes na adesão a comportamento de risco, para em que como H5, a confiança segundo a qual diz descrever a relação que tem com as suas companheiras, não poderá ser direcionada por ser solteiro e morar sozinho? Independentemente de um sentimento de confiança, para Golub et al. (2010), citado por DeLamater e Koepsel (2015), a solidão sentida pelos idosos/as sozinhos, contribui para que estes adotem comportamentos de risco, como relações sexuais vaginais e anais desprotegidas, múltiplos/as parceiros/as, até desconhecidos.

Por seu lado, no contexto global português, de acordo com a Direção-Geral de Saúde, entre 1983 a 2013 os novos casos de VIH têm surgido em sujeitos cada vez mais velhos, acima dos 49 anos, (DGS, 2014) tendo-se verificado esta mesma tendência de 2014 a 31 de agosto de 2015 (DGS, 2015a). Já no relatório “Doenças de Declaração Obrigatória 2011-2014” (DGS, 2015b), baseado em notificações e em dados do SINAVE, foi concluído “[n]o ano de 2014, no

conjunto dos casos notificados, verificou-se (…) [a]umento substancial de casos de (…) [i]nfeções sexualmente transmissíveis, nomeadamente as Infeções Gonocócicas (Gonorreia) e a Sífilis, excluindo Sífilis congénita” (p. 11): houve um aumento do número de casos de

gonorreia na faixa etária 55-64 anos, nos homens, foram notificados 6 casos masculinos de gonorreia, mais do dobro em relação a 2013, porém parece a sífilis que têm maior expressão em idades mais tardias, com predominância nos homens: em 2014, entre os 65-74 anos, foram notificados 9 casos masculinos e 7 femininos, tendo sido em 2013 notificados 5 masculinos, já nos 75 ou mais anos, em 2014, foram notificados 3 casos masculinos e 2 femininos e em 2013 1 masculino e 1 feminino.

Além da demonstração de uma atividade sexual presente na pessoa idosa portuguesa, dos dias de hoje, é possível, que a apreensão de conceitos erróneos em torno do VIH-SIDA e das IST’s estejam na génese deste aumento da incidência de VIH-SIDA e IST’s, apresentado pela DGS.

125

Como nos dizem, DeLamater e Koepsel (2015) as atitudes que as pessoas idosas têm sobre si, enquanto seres sexuais, é um fator de impacto importante na sua vivência da sexualidade, ora muitos idosos/as não reconhecem em si o risco por infeção VIH a que estão expostos, tendo uma menor tendência para se protegerem: “[f]racasso de ambos os idosos e os profissionais de

saúde para discutirem um com o outro comportamentos de saúde sexual resulta num aumento da incidência da infeção VIH na comunidade envelhecida” (p. 48).

3.1.2. Síntese

As conceptualizações dos/as idosos/as de saúde sexual, não se afastam dos conceitos que atribuem à sexualidade, com as mulheres a definirem saúde sexual segundo o bem-estar físico e mental, com a inclusão do toque, além da atividade sexual, numa visão tendencialmente holística, tendo uma definição mais próxima da proposta pela WHO: “bem-estar físico,

emocional, mental e social relativo à sexualidade” 37(2006, p. 5) e com os homens a focarem-

se na atividade sexual, com os problemas sexuais a serem a maior preocupação de saúde sexual. Igualmente, os conceitos, atribuídos por homens e mulheres, convergem no acordo que ambos têm, em relação a uma conceptualização adequada aos contextos históricos vivenciados. Os homens idosos, imbuídos por uma perspetiva mais biológica, associam em consequência da atividade sexual, a saúde sexual às IST’s e VIH-SIDA, sobre as quais reconhecem a sua transmissão sexual, mas em simultâneo tem alguns conceitos erróneos, que legitimam o não uso de preservativo, atual ou passado, com múltiplas parceiras. Reside a dúvida sobre se esta decisão de não uso de preservativo é exclusiva dos homens idosos entrevistados, ou se a partilhada com as mulheres.