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7 BETÂNIA: “ISSO AQUI É DURO QUE SÓ A PESTE”

7.2 Acompanhamento de Betânia a pessoas em situação de violência sexual

O acompanhamento psicológico, na perspectiva de Betânia, não é uma psicoterapia, mas um apoio, na medida em que se propõe a “adotar um foco” e envolve um esforço significativo da pessoa para lidar com a situação de violência. Posteriormente, a paciente pode, se a interessar, buscar fora do serviço uma psicoterapia. Apesar disso, considerando a escassez de psicoterapia na rede pública de saúde, prefere mantê-la mais tempo sob acompanhamento psicológico no SAM-WL do que encaminhá-la a um serviço no qual ela não pode iniciar prontamente uma psicoterapia.

Betânia afirma clareza da dificuldade da maioria das pacientes retornar ao SAM-WL, devido ao trauma que a trouxe para o serviço. Quando começou a atendê-las, acreditava que devia manter contato telefônico, caso alguma paciente faltasse. No entanto, acha que hoje a insistência pode ser até invasiva. Supõe que muitas sequer dão contato telefônico próprio, seja porque não tem mesmo, seja porque por alguma razão não querem ser contactadas. Disse já ter encontrado prontuários cujo número telefônico era de um orelhão do próprio HAM.

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Betânia, tendo isso em mente, quando se trata de paciente que deseja realizar aborto legal decorrente de um estupro, em que há maior necessidade de realizar ligação telefônica, para marcar exames e retornos, inclusive, enfatiza a importância desse contato, esclarecendo que é só para comunicar estritamente o recado necessário, de modo a se preservar o sigilo do atendimento.

Avalia que a continuidade do acompanhamento psicológico no SAM-WL depende não só da motivação da paciente, mas de outros fatores, como por exemplo o dinheiro da passagem ou, quando de município de interior, disponibilidade de transporte pela prefeitura. Nesse sentido, ainda que não se mantenha sendo acompanhado com ela, acredita ser importante se adequar a sua realidade e avaliar junto a equipe a viabilidade de seu retorno, por exemplo, caso for necessário, desloca-la para voltar em plantões completos.

Adentrando nos casos das pacientes acompanhadas por ela, disse ter se sentido muito mal com o caso de uma adolescente com “retardo mental” gestante em decorrência de estupro de vulnerável, a qual chegou acompanhada pela mãe e pelo padrasto. A mãe, segundo Betânia, tinha um “discurso empobrecido”, sem muito entendimento, e lhe disse em atendimento: “E eu vou pegar menino pra eu criar, é? Ela não vai ter condições de criar. Eu quero mais não”. Não conseguia, disse Betânia, “sair disso”. O padrasto também afirmava optar pelo aborto.

Betânia, ao repensar esse caso, fez a crítica de que ela e a equipe não deram muita oportunidade para que a adolescente pudesse decidir. Seu acompanhamento no SAM-WL se encaminhou de uma forma que foi mais de acordo com a decisão do padrasto. A mãe, segundo ela, não tinha muita clareza, muito entendimento. E a menina, após o procedimento já iniciado, começou a chorar e dizer: “Eu não quero não, mãe! Eu não quero não!”

Isso a incomodou bastante, tendo debatido algumas vezes esse caso, refletido sobre de quem deveria ser o direito da escolha nessa condição. Acredita, no entanto, que a adolescente não tinha realmente compreensão sobre o que se passava, nem havia tempo hábil para a equipe trabalhar isso, o que causou em Betânia bastante mal-estar.

Lembrou-se de outra paciente também com “retardo mental” (sic), dessa vez uma adulta, que veio encaminhada pelo Hospital Miguel Arraes, sob suspeita de abuso por um cuidador. Estava há um mês sem defecar, não se despia em frente a ninguém do hospital, o que fez com que a equipe do hospital tivesse essa suspeita. Betânia identificou que no atendimento ela se portava de maneira “infantilizada”. A chamava de avó e a enfermeira de tia. Apesar disso, contou que ela mesma quem havia contratado esse cuidador pela Internet no celular e Betânia, durante a conversa, percebeu que ela tinha boa habilidade de usar aplicativos. Ao mesmo tempo, referia um maqueiro como “a coisa mais linda do mundo”, e chamava-o de “tio pão”.

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Ao contornar essa ingenuidade aparente, Betânia pôde desfazer a suspeita da equipe do hospital que a encaminhou, ao compreender que ela tinha dois “cuidadores”, um dos quais ela tinha uma relação afetiva, sem necessariamente ter relação sexual. Enquanto um passava o dia todo com ela, mas não cozinhava, o outro cozinhava suas refeições e almoçava com ela, que não gostava de comer sozinha e, então, ela pagava pela sua companhia. Antes dele, havia uma outra cuidadora, a quem ela chamava de “mãe”, a qual a paciente havia conhecido também através de redes sociais, a quem ela pagava pela companhia.

Betânia, no entanto, sentiu dificuldade em elaborar o relatório para devolver ao Hospital Miguel Arraes. “Pela forma que eles perguntam, parece que a gente vai ter bola de cristal aqui, né?”

Betânia contou ainda sobre uma professora que havia se aposentado e passado a sofrer com uma demência, a qual foi encontrada após três dias de desaparecimento e foi trazida por familiares ao SAM-WL com um “discurso bastante confuso”. Seu marido, ao sair para trabalhar, a deixava trancada em casa. Além disso, outros familiares moravam na mesma rua. Apesar disso, na ocasião do desaparecimento, havia conseguido sair sem ser percebida. Seus familiares chegaram bastante sobressaltados ao serviço.

Em atendimento, ela dizia estar grávida, citava o nome dos irmãos como filhos e outros elementos desconexos. Betânia apontou, no entanto, que ela falou muito claramente a respeito da importância de ser professora e do reconhecimento profissional, conversou sobre suas aulas e seus alunos. Betânia acreditava que o processo de demência dela não era à toa. Disse ainda que durante o exame médico, ao qual para Betânia foi significativo ela não apresentar nenhuma dificuldade ou resistência, não parecia haver sinais de violência sexual. Após isso, atendeu os familiares, abordando o isolamento da paciente em casa e a importância dela ter um/a cuidador/a.