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7 BETÂNIA: “ISSO AQUI É DURO QUE SÓ A PESTE”

7.1 Escuta inicial por Betânia a pessoas em situação de violência sexual

Para Betânia, no SAM-WL se trabalha efetivamente numa equipe multiprofissional, onde o psicólogo é colocado “muito de frente”. Acredita que a psicologia no SAM-WL é fundamental para que a pessoa tenha “um lugar de escuta” e também para oferecer uma “sustentação” ao restante da equipe. “É muita dor, é muito sofrimento”.

Em seu plantão, das terças noites e sábados dias, não havia assistente social logo que chegou. De modo que ela realizava a primeira escuta a paciente quando essa chegava ao serviço. Para ela, ao mesmo tempo que é um “impacto”, é também uma “valorização” da escuta psicológica, a partir da qual ela faz o repasse da história da paciente aos demais profissionais do plantão.

Betânia defendeu a relevância da escuta psicológica para traduzir a esses outros profissionais o relato da paciente, resguardando sua privacidade e sigilo, de modo a evitar que ela enfrente no próprio serviço algum tipo de reserva. O “repasse” é feito com “filtragens” e “encaminhamentos”, em alguma medida, “para garantir o direito da mulher”. Revelou se incomodar com a fala de alguns integrantes da equipe que por vezes corrobora com a banalização e naturalização da violência e a deslegitimação da fala da paciente.

Citou, como exemplo, uma situação hipotética de um estupro cometido por um noivo no qual a mulher tenha ficado em choque e não conseguido esboçar reação, o qual supõe que ao repassar a situação para o restante do plantão ela daria já uma melhor “caracterizada”, para

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evitar questionamentos do tipo: “oxente, não foi com o noivo dela?”. Betânia relatou que, nessa hipótese, além de delinear bem a violência, reforçaria a ausência de consentimento por parte da paciente e demarcaria o choque ou a paralisia como uma reação psicológica frente a um estresse agudo ou violência.

Ressaltou que a forma com que se conta para os demais profissionais ou se registra a história da paciente no protocolo é fundamental para garantir um bom acolhimento, que não resvale em nenhum tipo de suspeita ou discriminação, mesmos sutis, à paciente. Para isso, em sua compreensão, o caráter técnico da escuta psicológica é fundamental, na medida em que pode proteger a paciente, já que “ninguém vai poder questionar”.

Sentiu dificuldade de falar de maneira geral como se porta num primeiro atendimento, acreditando que depende da situação particular. Mas descreveu a escuta psicológica no SAM- WL a partir das funções de “acolhimento de demanda”, “avaliação psicológica” e “suporte”. Esforça-se tanto para “acolher o que vier”, “sem julgamento”, ocupar o “lugar de ajuda” conforme a necessidade da paciente e “explicar sobre o serviço”.

Afirmou sempre escutar primeiro a paciente, para depois os/as acompanhantes. No entanto, muitas vezes, a paciente não quer vir sozinha, daí, logicamente, a escuta acompanhada. A não ser nessas situações, acha relevante priorizar a escuta inicial sozinha com a paciente inclusive para entender que “entraves” ela pode trazer a respeito de seus familiares, ou parceiro/a, se eles de alguma forma a culpabiliza. Nesses casos, sendo de interesse para paciente, se oferece para conversar com os/as acompanhantes em seguida.

Identifica que, no caso de atendimento a parceiros/as e familiares, nem sempre os conflitos são necessariamente referentes a culpabilização da violência atual, mas de um histórico de violência doméstica pregresso, ou negligências e abusos durante a infância, que são retomados com intensidade a partir da situação de violência presente. Aliás, em relação a paciente, é recorrente a situação de violência atual remeter a uma anterior, de modo que durante o atendimento ela nem aborda muito a presente e se queixa mais da pregressa.

Em relação às adolescentes que atende, Betânia acredita que logo no primeiro atendimento é mais difícil que elas se expressem. Acredita que sofrem uma maior pressão “do lado de fora”. Por isso, ela reforça a importância do sigilo junto a elas e aposta que com o tempo os encontros fluam melhor. Nem todo mundo, segundo ela, tem “paciência para adolescente”, mas ela disse gostar bastante de atendê-las.

Na escuta inicial, acredita ser necessário colher informações para identificar que tipo de suporte a paciente pode obter no serviço. Acha relevante, nesse sentido, entender com quem mora, quem ela pode contar, qual a sua rede apoio, se tem trabalho e renda. Essas informações,

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em sua opinião, não são meramente burocráticas, mas essenciais para considerar quais as reais possibilidades de assistência que o serviço pode oferecer a paciente.

Especifica fazer uma avaliação do “grau de risco e vulnerabilidade” da pessoa atendida. Essa, em sua concepção busca abarcar a probabilidade dela não retornar ou não se vincular ao SAM-WL, a qual considera relevante principalmente quando a paciente relata chegar já grávida de um estupro, em razão dela poder vir a se sentir obrigada a levar adiante uma gestação indesejada.

Nesse sentido, compreender a quem relatou ou não antes a violência sexual e por que não buscou o serviço pode ser importante para entender seus receios e facilitar o suporte a ser oferecido. Isso pode ajudar a paciente no seu processo de escolha em relação o/a acompanhante, durante o procedimento do aborto, o qual, embora não seja uma exigência, é recomendável para que ela obtenha um maior apoio.

Em situações em que mulheres que desejam interromper a gestação já chegam bastante certas e resolvidas a respeito de sua decisão, acredita que não há muito o que “mastigar”. Conta que muitas já elaboraram o bastante e já pensaram tanto sobre o assunto que chega com o objetivo bem definido. Sente-se inclusive à vontade, nesses casos, para assinar documentação da equipe multiprofissional que autoriza o procedimento sem necessitar de mais atendimentos.