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3 DISCURSIVIDADES NA ESCUTA PSICOLÓGICA A PESSOAS EM

3.3 Dialogando com a literatura científica em psicologia

Do mesmo modo, como nos dados e estatísticas, a literatura científica em psicologia sobre pessoas em situação de violência sexual também joga sombras sobre determinadas regiões ao evidenciar outras. Se, tanto nas legislações, quando nas políticas referidas, é pacífica a necessidade de as vítimas serem atendidas e acompanhadas por profissionais de psicologia, menos consensual parece ser como, para que e para quem se propõe essa escuta. Assim, passamos agora a nos debruçar mais especificamente sobre essa literatura controversa.

No levantamento bibliográfico, adotamos como objetivo identificar produções científicas brasileiras que abordassem processos de escuta psicológica a adolescentes e adultos/as em situação de violência sexual. Foram deixadas de fora aquelas referentes exclusivamente a crianças, pois fugiam ao escopo da tese. No entanto, ainda assim, foram incluídas aquelas que tratavam de crianças quando estas apareciam juntamente com adolescentes e/ou adultos.

Foram excluídas também produções que, embora discorressem sobre violência sexual, não retratassem propriamente o processo da escuta psicológica, isto é, envolvessem apenas aspectos quantitativos, como epidemiologia, sintomatologia, perfil das vítimas, dos agressores ou da agressão, ou ainda aspectos qualitativos, como significados sobre a violência sexual ou sobre família para pessoas em situação de violência sexual etc.

Embora se compreenda que pesquisas qualitativas em psicologia com vítimas, familiares e/ou demais envolvidos necessariamente configuram um processo de escuta psicológica, em sentido amplo, buscou-se abordar apenas aquelas produções que tinham a

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última como objeto, não propriamente as pessoas. Apesar disso, quando assumida enquanto pesquisa-ação, ou em seu caráter interventivo, estas também foram incluídas.

O levantamento bibliográfico foi feito em três bibliotecas virtuais: 1) a Scientific Electronic Library Online (SciELO); 2) a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD); e 3) a Biblioteca Virtual de Saúde Psicologia Brasil (BVS-Psi).

A SciELO foi eleita por ser a principal referência de qualidade na disseminação do conhecimento científico no Brasil e América Latina. Enquanto no mundo apenas cerca de 25% dos periódicos tem acesso aberto e gratuito, a SciELO, criada em 1997, é responsável por esse percentual chegar a 80% no país. A BDTD, existente desde 2002, provê acesso aos textos completos das teses e dissertações defendidas em instituições brasileiras de ensino e pesquisa. A BVS-Psi reúne, organiza e divulga a literatura técnica e científica publicada na área de Psicologia. É uma iniciativa do Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e da Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia. A BVS-Psi possui quatro indexadores, que abarcam periódicos, dissertações/teses, livros e textos de divulgação científica; para fins deste levantamento, tendo em vista serem objetos de avaliação por pares, foram considerados apenas os artigos, dissertações e teses.

Em todas as três bibliotecas, foi possível utilizar o mesmo procedimento para levantamento bibliográfico, que consistiu na inserção de termos de busca na ferramenta de pesquisa dos sites de cada uma. Após breve testagem de expressões nas ferramentas de pesquisa, elegeu-se como termo de busca “violência sexual”, o qual obtinha um maior retorno de resultados e, se acreditou, abranger formas mais específicas (importunação sexual, abuso sexual, exploração sexual, estupro etc.). Apesar disso, a fim de abarcar produções que pudessem não estar contidas nessa pressuposição, se utilizou também uma nomeação mais específica: “estupro”. Não foi escolhido usar abuso ou exploração sexual tanto pela limitação temporal, mas também como forma de procurar abarcar um maior quantitativo de produções que versassem sobre pessoas adultas, tendo em vista que aquelas nomeações são referidas costumeiramente a crianças e adolescentes.

As pesquisas foram realizadas entre 11 e 18 de fevereiro de 2019, obtendo o seguinte resultado:

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TABELA 1 – Quantidade de produções de acordo com termos de busca utilizados nas

bibliotecas digitas pesquisadas

Scielo BVS/PSI BDTD

Estupro 90 39 180

Violência Sexual 534 477 1430

Fonte: O Autor, 2020

Após seleção das produções que satisfizeram os critérios para inclusão no levantamento e eliminação das repetições de um mesmo texto encontrado em mais de uma das bibliotecas, obteve-se o quantitativo final de 17 artigos, 04 dissertações e 03 teses. Os artigos foram publicados entre 2001 e 2017, sem que houvesse qualquer concentração em um período específico. Do mesmo modo, as teses e dissertações foram defendidas entre 2009 e 2015.

No que diz respeito a distribuição geográfica, avaliou-se os artigos de acordo com a filiação institucional dos/as autores/as declarada nos artigos ou a pós-graduação referida nas dissertações e teses. Há um artigo de Portugal, apesar de ter sido publicado em revista brasileira (Carla RIO; Silvia FREITAS; Maria CABRAL, 2017). Os demais podem ser referenciados como relativas à: a) região norte, com um artigo; b) região nordeste, com um artigo e uma dissertação; c) região centro-oeste, com três artigos, uma dissertação e 01 tese ; d) região sul com quatro artigos, uma dissertação e uma tese; e) região sudeste com sete artigos, uma dissertação e uma tese. Com base nos estados, a distribuição está de acordo com o gráfico a seguir:

Fonte: O autor, 2020

Apesar da dispersão das produções, é possível perceber uma maior concentração nas regiões sul e sudeste. Em São Paulo, dois artigos possuem autores em comum (Eliane

0 2 4 6 8 SP RS DF RJ MG GO PE PB PA SC

Distribuição de produções bibliográficas

por estado

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LUCÂNIA; Maria Cristina MIYAZAKI; Neide DOMINGOS, 2008 e 2009), enquanto no Rio Grande do Sul há claramente um grupo de autores produzindo sobre atendimento psicológico a pessoas em situação de violência sexual com base na terapia cognitivo-comportamental (Luísa HABIGZANG; Roberta HATZENBERGER; Fabiana CORTE; Fernanda STROHER; Sílvia KOLLER, 2006; Luísa HABIGZANG, 2010; Jean von HOHENDORFF; Roberta SALVADOR-SILVA; Rosiane ANDRADE; Luísa HABIGZANG; Sílvia KOLLER, 2014; Jean von HOHENDORFF; Silvia KOLLER; Luísa HABIGZANG, 2015).

Após a consideração da dispersão dos textos, realizamos sua leitura e fichamento, buscando responder os seguintes questionamentos: 1) Qual o referencial teórico adotado?; 2) A que contexto de atuação profissional se situa?; 3) Qual o principal argumento do/a autor/a?; 4) Qual a definição de violência sexual empregada?; 5) O que diz sobre escuta psicológica? Estas duas últimas perguntas serviram para abordar o foco da análise da literatura realizada.