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ACTIVISTAS REVOLUCIONÁRIOS E SERES HUMANOS

O Partido tem obrigatoriamente de conhecer e acompanhar a vida partidária dos militantes e ajudá-los na sua actividade. Tem também de ter na atenção devida a vida pessoal dos mili- tantes e as justas exigências que ela comporta.

A conciliação entre uma coisa e outra oferece em geral gran- des dificuldades. Trata-se de um sério problema que tem de ser visto sob ângulos diversos.

O primeiro respeita ao interesse imediato da actividade

partidária e ao critério que, em conformidade, deve orientar as exigências feitas aos militantes.

Uma intensa actividade provoca sempre limitações e difi- culdades na vida pessoal. Em situações extremas (e esse foi o

caso da vida clandestina para muitos militantes) pode mesmo tomar-se inevitável uma decisão radical em termos de opção e alternativa entre a actividade revolucionária e aspectos funda- mentais da vida pessoal.

Qual pois o critério?

Pode dizer-se que há um critério fundamental: a luta pode exigir muito, pode exigir mesmo a vida, mas o Partido deve pro- curar sempre com o maior empenho reduzir ao mínimo pos- sível as dificuldades e problemas pessoais que a actividade partidária crie ao militante. É justo exigir sacrifícios. Jamais sa- crifícios inúteis ou desnecessários.

Conclusões precipitadas por uma suposta incompatibilida- de e consequente opção radical conduzem sempre a erradas decisões. É igualmente defeituoso concluir sem reflexão bastante que o quadro tem de sacrificar a sua vida pessoal à tarefa, ou que não está em condições de realizar a tarefa por razões da sua vida pessoal.

Nas condições criadas pela Revolução de Abril, continuam a ser muitas vezes inevitáveis dificuldades na vida pessoal re- sultante de uma intensa actividade partidária. Mas infinitamen- te menores e muitas vezes resolúveis. Se há a preocupação e o esforço para encontrar soluções que permitam ultrapassar a contradição, podem evitar-se os termos de uma alternativa e assegurar no essencial que a tarefa seja cumprida e que a vida pessoal dos camaradas não sofra em consequência limitações demasiado graves.

O segundo ângulo respeita à formação correcta do mili-

tante e à consideração da importância da vida pessoal do militante para a sua própria formação.

A experiência mostra que a formação global do militante sofre sérias limitações se ele se absorve de tal forma na sua actividade política que esquece aspectos fundamentais da sua vida pessoal.

Além das consequências por vezes dramáticas para outros seres, o carácter e a sensibilidade de um quadro, como militan- te e como ser humano, inevitavelmente sofre deformações, se

falta a satisfação de necessidades humanas elementares, se o quadro vive afastado e desconhece aspectos da vida quotidia- na que são para grande parte da população o essencial da vida e os factores determinantes das opiniões, das preocupações, dos sentimentos e das atitudes.

É um erro basilar e uma grave limitação da experiência, do entendimento e da sensibilidade tomar como virtude o que foi a grave limitação da vida pessoal resultante da aceitação vo- luntária de duras condições de luta. Ter determinação e força para aceitar tais limitações é virtude revolucionária. As gra- ves limitações de vida pessoal não constituem virtudes mas am- putações.

A aceitação revolucionária de tais limitações conduz ao fortalecimento da vontade e da determinação. As limitações con- duzem a deformações, e por vezes sérias deformações, da sen- sibilidade, da afectividade e da atenção pelos outros e pelos seus problemas.

Um terceiro aspecto respeita à compreensão do que é a

dedicação e do que é o sacrifício.

Dedicação e sacrifício são noções diferentes e não ne- cessariamente interligadas. A dedicação, mesmo muito grande dedicação, pode conduzir a sacrifícios, mas não os implica ne- cessariamente.

Militantes dedicados que pagaram a sua luta com duros sa- crifícios, quando sabem aprender com a vida, têm razões para ser particularmente compreensivos para com os problemas dos outros camaradas, dos outros seres, e, porque dão o valor ao sacrifício, querem que os outros sejam poupados ao que eles próprios sofreram.

Mas há também casos em que camaradas marcados por pe- sados sacrifícios se tornam fechados e incompreensivos para com os problemas pessoais dos outros camaradas, cuja invoca- ção interpretam muitas vezes como sinal de fraqueza. Como na luta não puderam ser atendidos os seus problemas pessoais, não mostram grande atenção pelos problemas dos outros camara- das ao definirem as suas tarefas. Ao ouvi-los falar de dedicação,

dir-se-ia pensarem que, mesmo desnecessariamente, todos deve- riam repetir na vida aquilo que foi a sua própria.

É de certa forma a definição do «comunista ideal» tomando como modelo o próprio que o define. Mas se alguém se conside- ra habilitado a definir o «comunista ideal» segundo a sua própria maneira de ser, não será legítimo duvidar de que essa maneira de ser se possa considerar como «ideal» para um comunista?

Seria um erro profundo dividir o Partido em comunistas ideais e comunistas que o não são, considerar como «verdadei- ros comunistas» aqueles que sacrificam toda a sua vida pessoal e comunistas de segunda classe aqueles que, além da sua vida militante, têm condições para ter uma vida pessoal regular.

Em todas as situações sociais e políticas, mais fáceis ou mais difíceis, o militante pode dar provas de que é um revolucioná- rio. No PCP consideram-se tão revolucionários e dedicados aqueles que souberam, na clandestinidade, defrontar as mais duras provas como aqueles que depois do 25 de Abril lutaram heroicamente na construção e na defesa do novo Portugal de- mocrático e das suas conquistas.

Consideram-se tão revolucionários e dedicados aqueles que à luta sacrificaram grande parte da sua vida pessoal como aque- les que, lutando tal como os primeiros, tiveram a sorte de po- der ter uma vida pessoal realizada e feliz.

Que ninguém tenha vergonha de ser feliz. Além do mais porque a felicidade do ser humano é um dos objectivos da luta dos comunistas.