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Os Estatutos do Partido (artigo 9.o e seguintes) são muito

pormenorizados na indicação dos deveres e direitos dos mem- bros do Partido.

Assim, o artigo 14.o indica como deveres: trabalhar pela

aplicação da linha política do Partido e para o reforço da sua organização e influência; prestar contas da sua actividade; de- fender a unidade do Partido; reforçar a sua ligação com as mas- sas; defender abnegadamente as aspirações e reivindicações dos trabalhadores e do povo, procurando saber ouvir e compreender as suas opiniões e transmiti-las ao Partido; comparecer regular- mente às reuniões do seu organismo e tomar parte activa nos seus trabalhos; recrutar para o Partido os operários e operárias de vanguarda e os melhores filhos e filhas do povo; elevar o seu nível político e ideológico através do estudo vivo do marxismo- -leninismo e da linha política e da experiência do Partido; ser cumpridor escrupuloso da disciplina do Partido; exercer e es- timular a prática da crítica e da autocrítica; ser vigilante na luta contra as provocações, o liberalismo e a inconfidência; nunca fazer declarações que prejudiquem o Partido em quaisquer cir- cunstâncias em que se encontre; ser sincero, honesto e leal para com o Partido e para com todos os camaradas; ter uma eleva- da conduta moral, ser modesto e não permitir que a verdade seja escondida ou deturpada; informar a organização a que per- tence no caso de mudar de local de trabalho ou de residência. O artigo 15.o indica como direitos dos membros do Parti-

do: expressar livremente a sua opinião nos debates realizados no organismo a que pertence e nas reuniões a que for chama- do a participar; contribuir para a elaboração da linha política do Partido; criticar no organismo a que pertence o trabalho dos organismos superiores ou de qualquer outro membro do Par- tido, independentemente do cargo que este ocupa; eleger os organismos do Partido e ser eleito para eles; tratar normalmente por intermédio do seu organismo, com os organismos superio-

res do Partido, todas as questões que considere de interesse para o Partido; participar nas reuniões do organismo a que perten- ce em que se tomem resoluções sobre a sua actuação ou con- duta, salvo os casos especiais em que isso não seja aconselhável, e apelar, no caso de não concordar com resoluções disciplina- res que lhe digam respeito, para os organismos superiores do Partido.

Deste exaustivo enunciado dois factos saltam à vista. O primeiro: que os deveres dos membros do Partido indi- cados nestes artigos dos Estatutos são incomparavelmente mais

numerosos do que os deveres indicados no artigo 9.o como

constituindo as condições para pertencer ao Partido: aceitar o Programa e os Estatutos, militar numa das suas organizações e pagar a quotização.

Isto significa que é legítimo o Partido exigir de todos os militantes o cumprimento de todos os deveres (assim como o exercício dos direitos) indicados nos Estatutos. Mas que o não cumprimento (por omissão) de algum ou alguns dos deveres e o não exercício de alguns desses direitos poderão dar lugar a uma opinião mais ou menos favorável ou desfavorável, poderão mesmo eventualmente dar lugar a uma crítica ou a uma sanção, mas não pôr em causa a qualidade de membro do Partido.

A experiência mostra a extrema e natural irregularidade da militância dos membros do Partido no que respeita a muitos desses direitos e deveres.

Seria absurdo que o Partido exigisse de um mesmo mili- tante o cumprimento de todos os deveres e o exercício de to- dos os direitos indicados nos Estatutos.

Daqui se conclui que a definição exaustiva dos deveres e di- reitos dos membros do Partido constitui, por um lado, um ín- dice de obrigações e de possibilidades de intervenção na vida par- tidária, que cobrem situações e actividades muito diversas dos membros do Partido, e, por outro lado, como que um código da educação e formação política, cívica e moral dos militantes.

O segundo facto que salta à vista do exaustivo enunciado é a dificuldade de discernir se alguns dos deveres não estariam

mais bem classificados como direitos e alguns dos direitos não estariam mais bem classificados como deveres.

Assim, por exemplo, serão direitos ou serão deveres votar na eleição dos organismos de direcção, participar nas reuniões, recrutar novos membros para o Partido, exercer a crítica e a autocrítica, ser vigilante, intervir nos debates, etc.?

Não oferece dúvidas de que são simultaneamente direitos e deveres. Além do mais é uma realidade que o militante assu- me muitas vezes como direito o que é seu dever e assume como dever o que é seu direito.

Esta dupla face dos direitos e deveres dos militantes acusa a riqueza do fundamento revolucionário e ético do posicio- namento dos comunistas em relação ao seu Partido.

O artigo 13.o dos Estatutos estabelece ainda um princípio

fundamental: «Os deveres e os direitos são iguais para todos

os membros do Partido.»

Já assim era na clandestinidade. Após o 25 de Abril, este princípio concretiza-se numa orientação relativa à nova situa- ção: não estabelecer fronteiras, nem diferenças de qualidade, nem de direitos e deveres, entre camaradas vindos da clandes- tinidade e camaradas filiados no Partido após o 25 de Abril, ape- sar de que a filiação, ainda que acompanhada de informações, não é antecedida de nenhum período de candidatura.

Estabelece-se assim que os direitos e deveres dos comunis- tas são os mesmos, estejam apenas há alguns dias no Partido ou militem há meio século ou mais nas suas fileiras.

Esta igualdade de direitos e deveres não significa que se considere que todos os membros do Partido são iguais como militantes, que todos têm o mesmo valor, que na atribuição de qualquer tarefa não se tenham em conta a diferença de ex- periências e de preparação dos militantes, a maior ou menor aptidão para o desempenho de tais ou tais tarefas, as provas de capacidade, dedicação, coragem e consciência revolucioná- ria.

O tempo de filiação no Partido e as provas dadas (desig- nadamente na clandestinidade) intervêm como elementos de

avaliação do quadro, da sua preparação, experiência e possibi- lidades.

Mas a institucionalização do princípio de que os deveres e direitos são iguais para todos os membros do Partido estabe- lece uma mesma linha de conduta, um «código de conduta

partidária», para todos os comunistas, e identifica todos os

membros do Partido com a qualidade de homem e mulher comunista, dando a todos e cada um a noção da responsabili- dade assumida.

A experiência da revolução portuguesa comprovou que, num período relativamente curto de filiação no Partido (sobre- tudo numa época de fluxo revolucionário), um militante pode adquirir experiências, desenvolver a sua preparação, mostrar aptidão para o desempenho de tais ou tais tarefas, dar valiosas e concludentes provas de dedicação, coragem e consciência revolucionárias.

Esta orientação veio a ter profundas e positivas reper- cussões no desenvolvimento ulterior, na unidade do Partido e na formação e preparação dos quadros.