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O papel da personalidade na história, assim como na vi- da dos partidos, oferece características e graus extremamente diferenciados, segundo as condições concretas em que se insere.

Há partidos comunistas cuja formação e cuja história es- tão estreitamente vinculadas à capacidade, ao talento, à inicia- tiva de um destacado dirigente, ou de um número reduzido de dirigentes. Nesses partidos é inevitável e justo valorizar o pa- pel determinante desse dirigente ou dirigentes em determina- da fase da vida do partido.

No caso de Portugal, por uma série de circunstâncias, na história da criação e desenvolvimento do Partido Comunista, salvo períodos curtos, não pesou de forma determinante a con- tribuição individual de tal ou tal dirigente destacado, mas a con-

tribuição comum de um colectivo dirigente, formado ao longo

de dezenas de anos, nomeadamente a partir da reorganização de 1940-1941.

A contribuição e a responsabilização individuais de cama- radas da Direcção e a existência de um secretário-geral do Par- tido em nada alteraram esta realidade fundamental da dinâmica

histórica da formação da direcção colectiva e do trabalho colec- tivo do PCP.

Na relação entre o colectivo e o indivíduo há vários aspec- tos fundamentais a considerar.

O primeiro é o da contribuição individual para o traba-

lho colectivo.

O trabalho colectivo não exclui, antes implica, a contribui- ção individual e o amplo aproveitamento do valor, da capaci- dade e da contribuição individuais. O trabalho individual é parte integrante e insubstituível do trabalho colectivo.

O trabalho colectivo não significa que todos fazem tudo e que a ninguém individualmente considerado pode ser atribuído o mérito de uma iniciativa, de uma actividade, de um sucesso. O trabalho colectivo não só admite como exige necessaria- mente a divisão e distribuição de tarefas, a especialização, a realização por cada militante das tarefas que lhe cabem.

A organização de uma manifestação de massas é uma com- plexa obra colectiva. Mas é perfeitamente conciliável com o tra- balho e o papel determinantes de tal ou tal camarada.

A elaboração colectiva de um documento é também per- feitamente conciliável com a atribuição a um só camarada da res- ponsabilidade de redigir um projecto ou anteprojecto que depois é sujeito à apreciação e discussão do colectivo, que se responsabiliza pela redacção final.

Mas, se num trabalho colectivo é justo apreciar e valorizar a contribuição individual, deve sempre evitar-se o excesso de atribuir ao mérito individual sucessos ou ideias que (mesmo quando traduzidas por um indivíduo) são produto directo ou se tornaram possíveis pelo mérito colectivo.

O segundo aspecto é o da inserção da iniciativa indivi-

dual no trabalho colectivo.

O trabalho colectivo nunca deve ser um freio à iniciativa individual.

Só deve contrariá-la quando ela se sobrepõe, contraria e prejudica a iniciativa colectiva, que tenha sido colectivamente considerada; quando o indivíduo excede as suas competências

e os seus poderes e invade de forma anárquica ou destrutiva a iniciativa de outros; quando tem um carácter inconsiderado, indisciplinado e aventureiro, resultante da sobrevalorização do valor próprio ou de ambição pessoal.

Mas fora tais casos a iniciativa individual deve ser insisten- temente estimulada.

A iniciativa individual permite em numerosos casos e circunstâncias o impulsionar as actividades em curso, a dinami- zação dos esforços colectivos, o aperfeiçoamento das realizações, a positiva ultrapassagem das metas consideradas à partida.

O terceiro aspecto é o da responsabilidade e da respon-

sabilização.

O trabalho colectivo conduz à responsabilidade e à respon- sabilização colectivas. Mas não apaga, e muito menos extingue, a responsabilidade e a responsabilização individuais.

Nem a responsabilidade do indivíduo se deve encobrir com a responsabilidade do colectivo, nem a responsabilidade do colectivo se deve encobrir com a responsabilidade individual.

Atirar a responsabilidade do indivíduo para o colectivo e do colectivo para o indivíduo são formas de alijar a responsa- bilidade, afectando a própria ideia da responsabilidade conscien- te e voluntária.

O INDIVIDUALISMO

O trabalho individual inserido no trabalho colectivo pres- supõe o apagamento de tendências individualistas. O individua- lismo contraria e prejudica o trabalho colectivo.

O individualismo é em geral produto da sobrestimação do valor próprio e da subestimação do valor dos outros.

O individualismo manifesta-se pelas mais variadas formas: na tendência para fazer as coisas sem recorrer ao apoio dos outros ou recorrendo a eles de forma meramente subsidiária;

na sobrevalorização sistemática da opinião própria e da acção própria; na resistência a aceitar e a actuar segundo a opinião de outros, sobretudo quando contrária à própria; na dificulda- de em inscrever a actividade própria na actividade do colecti- vo.

É relativamente frequente o caso de militantes que, por acreditarem demasiado em si próprios e pouco nos seus cama- radas, chamam a si a realização de demasiadas tarefas, muitas vezes superiores às próprias forças.

Sucedeu com frequência após o 25 de Abril que, em assem- bleias de organizações, um só camarada (e por vezes não um dirigente da organização que realizava a assembleia, mas o «controleiro» dessa organização) presidia, dirigia os debates, dava a palavra aos oradores, lia moções e tirava as conclusões. Pode acontecer, num momento dado, que sozinhos reali- zem conjunturalmente melhor as tarefas que partilhando-as com outros. Mas, com tal actuação, impedem a aprendizagem, o de- senvolvimento e a experiência de outros quadros, abalam a confiança dos outros quadros em si próprios e correm o risco de cometer (como também frequentemente sucede) graves fal- tas e de provocar sérios insucessos.

Não se deve dar a um só militante o poder para decidir so- zinho de graves questões, quando a decisão pode ser tomada num colectivo com outros camaradas. E, se tal poder é conferi- do, será mau sintoma se aquele a quem é conferido o toma à letra e não procura (salvo casos excepcionais que o impeçam) aferir pela opinião dos outros a justeza da sua opinião indivi- dual.

Também não é raro o caso de camaradas que consideram a opinião do colectivo como boa quando coincide com a sua própria, mas já a consideram contestável e de menor obrigato- riedade quando a contraria ou se lhe opõe.

Sucede assim que, depois de um debate no seu organismo, verificando que a sua opinião não foi aceite, se eximem ao cum- primento da tarefa decidida, justificando tal atitude com o ar- gumento de que, por lhes faltar convicção, não são os mais

indicados para a cumprir. Em certos casos tal atitude pode ser legítima e correcta. Mas ela surge as mais das vezes como ex- pressão de um exacerbado individualismo.

O individualista tem por vezes a ilusão de que o individua- lismo é uma manifestação de liberdade individual. A verdade é que, quem pense, decida e actue apenas pela sua cabeça e pela sua vontade individual acaba por ser prisioneiro das suas pró- prias limitações. Isolado, atrás da aparente liberdade, o indiví- duo acaba por ser escravo de si próprio.

A liberdade de pensar e de agir pressupõe a apropriação e assimilação de elementos de juízo e isso pressupõe por sua vez a aceitação da informação e da opinião colectivas como insepa- ráveis da liberdade.

Ao contrário do que afirmam os defensores do indivi- dualismo, a opção pela formação de uma opinião colectiva e de uma actuação colectiva constitui uma afirmação de que o indi- víduo se libertou das próprias limitações individuais. Constitui assim uma expressão da liberdade individual.