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Actuação ex situ, incluindo o estágio no CNRLI

No documento Conservação ex situ do lince ibérico (páginas 135-145)

5. Medicina Veterinária na conservação do Lince Ibérico

5.3. Actuação ex situ, incluindo o estágio no CNRLI

A criação de populações ex situ permitiu o acesso directo mais facilitado aos animais e o seu seguimento contínuo a longo prazo, criando assim condições para a recolha padronizada de informação, tal como: a fisiologia do lince (nomeadamente reprodutiva; vide supra), valores de referência para hemograma (e outros estudos hematológicos; Silvestre-Ferreira et al., 2006), bioquímica sanguínea, proteinograma e análise de urina (García et al., 2010; GMSLI, 2014, Anexo 8). Também foram desenvolvidos protocolos anestésicos e de imobilização (necessários para realizar check-ups, intervenções médicas ou traslados entre centros; Ferreras, Aldama, Beltrán, e Delibes, 1994; Gomez-Villamandos et al., 2007; GMSLI, 2014; Guisado et al., 2008; Martínez, 2007), estudos genéticos da espécie (incluindo a sequenciação do seu genoma; Abascal et al., 2016), endocrinologia (por exemplo, quantificação de metabolitos hormonais indicadores de stress; Pribbenow et al., 2014), estudo de doenças como glomerulonefrite membranosa (Jiménez et al., 2008; Jiménez et al., 2009; Jiménez et al., 2011), necrose da cabeça do fémur, osteopatia metafisária do colo femoral, neoplasias, entre outras que possam surgir nos exemplares hospedados nos centros de reprodução e que necessitem de intervenção médico-veterinária (GMSLI, 2014; Martínez et al., 2013). Estes dados foram produzidos como resultado do estudo conjunto de exemplares tanto de cativeiro como selvagens, uma vez que todo o trabalho médico-veterinário ex situ está integrado com a equipa in situ.

A realização de check-ups é uma componente fundamental do trabalho da equipa veterinária nos centros de reprodução. Tanto o efectivo reprodutor como as crias são alvo de intervenção médica periódica e padronizada, seguindo sempre as indicações protocoladas no Manual Sanitário (GMSLI, 2014). No que diz respeito aos reprodutores, o principal objectivo é avaliar o seu estado geral completo (exame físico, recolha de amostras biológicas, exames ecográficos e radiográficos, etc.) e efectuar um estudo da função reprodutiva (citologia vaginal, ecografia do tracto reprodutor, perfil hormonal, electroejaculação) (GMSLI, 2014). Quanto às crias, são realizados três check-ups iniciais às 4, 8 e 12 semanas de vida:

- no primeiro (4.ª semana) realiza-se exame físico completo (atenção para hérnias umbilicais e alterações congénitas), morfometria, pesagem, sexagem (por medição da distância ano-genital, que é ≤ 14 mm em fêmeas e > 14 mm em machos), recolha de amostras biológicas (urina) com zaragatoa (conjuntiva ocular, orofaringe e recto) e desparasitação (interna e, se necessário, externa) (GMSLI, 2014). Além disso, são efectuadas marcações em cada uma das crias, através de tricotomia, que permitem a distinção entre irmãos da mesma

ninhada, de forma a diferenciar a evolução e os seus comportamentos, sobretudo no que diz respeito à lactância, às lutas entre crias e no desenvolvimento de comportamento predatório.

- no segundo (8.ª semana), realiza-se exame físico completo, com particular atenção a possíveis lesões que possam apresentar (sobretudo tegumento e sistema músculo-esquelético, uma vez que este ocorre após o período de lutas), morfometria, pesagem, sexagem (para confirmação em casos de dúvida), nova marcação igual à anterior, desparasitação (interna e externa) e primeira dose da primovacinação.

- finalmente, o terceiro (12.ª semana) tem como principal objectivo fazer a administração da segunda dose vacinal e, se for possível, faz-se novo exame físico, morfometria, pesagem e marcação (GMSLI, 2014).

Durante os check-ups e sempre que haja contacto com as instalações onde se

encontram, é necessário tomar rigorosas precauções que garantam a biossegurança no entorno das crias. Para não comprometer o seu estado sanitário, os tratadores e médicos veterinários que entrem nas instalações têm que usar Equipamento de Protecção Individual completo: macacão, protecção para os pés, luvas, touca e máscara, que são todos descartados após o uso. A segurança dos tratadores e médicos veterinários também é crítica e, para tal, no segundo e terceiro check-ups, devem usar luvas de captura para a contenção das crias (GMSLI, 2014).

Por fim, antes da sua reintrodução, aos 8-9 meses de idade, todas as crias são submetidas a um exame físico completo (ecografia abdominal, radiografia, recolha de amostras biológicas) sob anestesia geral, é feita a colocação das coleiras de rádio-seguimento e microchip e a revacinação.

Todos os linces, selvagens e em cativeiro, são vacinados com uma vacina inactivada multivalente (Pentofel®, Zoetis) que inclui calicivírus felino (FCV), vírus da panleucopenia felina (FPV), herpesvírus felino (FHV-1), vírus da leucemia felina (FeLV) e Chlamydophila felis, mais outra vacina recombinante para FeLV (Purevax FeLV®, Merial). Nos exemplares efectivos é feita a revacinação a cada dois anos a partir dos dois anos de idade (GMSLI, 2014). Além da vacinação, o protocolo de medicina preventiva dos exemplares dos centros de reprodução e reintroduzidos, inclui a realização de exames coprológicos duas vezes por ano e desparasitação interna (por exemplo, pamoato de pirantel para crias, e associação pamoato de pirantel e praziquantel para os adultos) e externa (fipronil), que é feita no primeiro e segundo check-ups, e no caso dos reprodutores é feita antes do início da época reprodutiva. Após a sua administração, pode ser feita recolha de amostras de fezes para determinar a eficácia do tratamento (GMSLI, 2014).

Visto que a alimentação nos centros pode ser feita tanto com coelho vivo como morto, a actuação médico-veterinária inclui também o maneio sanitário dos coelhos (garantindo o seu bem-estar, nutrição adequada e zelando pela sua saúde) e a inspeção da qualidade da carne (para segurança alimentar dos linces) (GMSLI, 2014). Adicionalmente, também é sua função avaliar os cercados e identificar a presença de factores de risco como a qualidade da água que bebem, aporte alimentar (nutrição adequada a cada lince tendo em conta parâmetros de condição corporal, fase reprodutiva, gasto energético, etc.), presença de processionárias, praganas e plantas tóxicas, focos de contaminação biológica (matéria orgânica em decomposição, por exemplo), garantir a biossegurança nos cercados, sobretudo por vectores humanos (tanto trabalhadores internos como visitantes), mas também pela presença de outras espécies na periferia das instalações ou no seu interior (aves, por exemplo) (GMSLI, 2014). Excepcionalmente, poderá ser necessário realizar a eutanásia de algum animal.

Também a videovigilância revelou ser uma ferramenta fundamental para os médicos veterinários. O uso dos sistemas de videovigilância reveste-se da máxima importância em determinadas tarefas específicas que fazem parte da normal gestão dos centros de reprodução, tais como (Rivas et al., 2016):

- detecção de doenças ou lesões, - seguimento de animais doentes,

- avaliação da eficácia dos protocolos de enriquecimento ambiental,

- monitorização de actuações específicas como capturas ou recuperação pós-anestésica.

A observação contínua dos linces através do sistema de videovigilância permite detectar problemas do domínio veterinário, incluindo sinais de doença (apatia, astenia, diarreia, vómito, prurido, alopecia, inaptência), distócias, mamites (mais frequentes durante a amamentação em primíparas), claudicação (por queda, por exemplo), feridas (resultado de interações agonísticas entre linces ou provocadas por elementos do espaço), inflamações e sinais de desconforto ou dor. Também permite avaliar o bem-estar e qualidade de vida através da monitorização e registo de comportamentos repetitivos e outros sinais que possam ser reveladores de ansiedade (Rivas, et al., 2016, pág. 167). No que diz respeito às crias, através das câmaras podemos monitorizar o seu estado geral e o seu desenvolvimento físico e comportamental. Se se verificar que haja uma cria com algum problema e se for considerado pertinente naquele caso em concreto, o veterinário poderá interceder fazendo um exame físico e eventualmente, se a situação assim o exigir, levar a cria para criação artificial. Qualquer tipo

de intervenção deve ser bem ponderado, uma vez que incumbe ao médico veterinário salvaguardar também o bem-estar da mãe e restantes crias. Foi também graças a esta monitorização que foi possível observar comportamentos anteriormente desconhecidos como as lutas de crias. O acompanhamento destes eventos através das câmaras vai permitir uma intervenção atempada em caso de lesão de alguma das crias. Mais tarde, será necessária na avaliação da sua aptidão para reintrodução.

Assim, tendo em conta os vários aspectos do trabalho no centro de reprodução, conclui-se inevitavelmente que o papel do médico veterinário é vital para o seu sucesso e, portanto, indispensável. Ao longo do estágio curricular tive a oportunidade de testemunhar a sua importância no decorrer do mesmo. Além do acompanhamento descrito, outras situações de cariz médico veterinário, que exigiram a atenção da equipa de etologia, dizem respeito à monitorização da doença renal crónica (DRC) que surge no Lince Ibérico devido a glomerulonefrite membranosa (Jiménez, Sánchez e Peña, 2011), mas que nalguns exemplares foi provocada por uma intoxicação com vitamina D (Lopez et al., 2016; Martínez et al., 2013). Todos os linces do CNRLI diagnosticados com DRC encontram-se assintomáticos no estádio 2 da doença. Estes exemplares exigem vigilância de condição corporal, alterações de postura que expressem sinais de dor, estado do pêlo, poliúria, polidipsia e ingestão irregular de alimento. Tratando-se de um centro de reprodução, um dos aspectos mais importantes da actuação médico-veterinária diz respeito ao sucesso reprodutivo dos residentes e, consequentemente, a prevenção, identificação e tratamento de infertilidade ou situações que possam comprometer o número de crias que serão libertadas e que, por sua vez, se irá repercutir no futuro da espécie. No decurso do estágio curricular surgiu uma dessas situações, que passo a descrever.

a. Era

A Era é um lince selvagem que ingressou no programa em 2008. Em Maio de 2009 foi detectada claudicação do membro torácico direito e, no exame físico e radiológico, foi-lhe diagnosticada uma fractura metafisária do úmero direito e luxação da articulação do ombro. Como parte do tratamento, foi feito o confinamento para repouso e recuperação, o que pode ter estado na origem das alterações comportamentais que apresenta. Desde Dezembro de 2012 faz tratamento com fluoxetina, mas apesar de dar mostras de progresso, continuava a ser um animal ansioso. Na época reprodutiva 2015-2016 ficou gestante e deu à luz uma única cria às 23:10H do dia 17 de Março de 2016. A Era foi colocada para reprodução desde a época

reprodutora de 2009/2010, mas esta foi a primeira vez que uma cria nasceu numa caixa parideira e cujo parto é observado. Ela apresentou comportamentos pré-parto normais, mas pouco frequentes e acabou por ter um parto eutócico, mas ansioso, prolongado e mais tardio (68.º dia – intervalo médio 63-67 dias). A cria nasceu aparentemente bem, mas logo se notou que o seu comportamento era atípico, demonstrando dificuldades em encontrar a mama e alguma desorientação. A cria acabou por morrer no dia 19 de Março por volta das 10 horas, tendo sobrevivido por apenas 35 horas. Na necropsia não foram identificadas quaisquer malformações congénitas e a causa oficial de morte foi possível septicemia, mas o resultado foi inconclusivo. Tendo em conta que a morte neonatal é um fenómeno recorrente e que cada caso deve ser analisado individualmente, várias hipóteses se colocam para tentar explicar este desfecho.

Ponderou-se que a fluoxetina poderia ser a possível causa para a morte da sua cria, uma vez que há bibliografia da especialidade que desaconselha o seu uso durante a gestação e aleitamento (Crowell-Davis, Murray, e Dantas, 2019, pág. 109). No entanto, depois de efectuar uma consulta bibliográfica mais aprofundada sobre o uso de Inibidores Selectivos da Recaptação da Serotonina (ISRS) durante a gestação, é possível constatar que é um tema controverso e cuja fundamentação não é sólida, uma vez que não há dados que permitam concluir, taxativamente, a ligação entre a administração de fluoxetina e problemas na gestação (Alwan, Friedman, e Chambers, 2016; Robinson, 2015), podendo até ter efeitos positivos nas crias (Rayen, van den Hove, Prickaerts, Steinbusch, e Pawluski, 2011) e por isso continuam a ser os fármacos de primeira linha (Haas, McHugh, Durst, Rose, e Patil, 2015). Além disso, esse potencial problema perde algum suporte pois no ano seguinte, não tendo interrompido a medicação com fluoxetina, teve duas crias saudáveis e que foram reintroduzidas com sucesso.

Por outro lado, a Era apresentou, antes e no decorrer do parto, alguma exacerbação dos problemas comportamentais, demonstrando sinais de ansiedade. Esse, por sua vez, pode ter tido como consequência asfixia perinatal (Manteca, 2009), que é compatível com os sinais de desorientação, dificuldade em encontrar a mama, menor reflexo de sucção e fading observados na cria (semelhante ao descrito noutras espécies como síndrome de desajuste ou asfixia neonatal; Alonso-Spilsbury et al., 2005; Gill, 2001; Gold, 2017; Gunn-Moore, 2006; Fletcher, 2018). Além do stress durante o parto, outro factor que predispõe a asfixia e que poderá ter estado implicado neste caso é desproporção feto-materna pelo facto de ser só uma cria com mais tempo de gestação (possivelmente maior) e tendo em conta que a Era é uma das fêmeas mais pequenas do centro. Não tendo sido por enquanto descrito em linces, é problema

sobejamente conhecido em espécies domésticas como a cadela (Gill, 2001).

Deparados com esta situação, foi decidido não se intervir para não provocar stress adicional nesse período tão sensível e de forma a preservar a experiência da Era, deixando-a expressar os seus comportamentos maternais normais, mesmo que a custo da cria. Esta, por sua vez, apresentava pouca vitalidade e, portanto, teria pouca probabilidade de sobreviver, mesmo que lhe fossem prestados cuidados veterinários. Neste caso, os benefícios de não intervir superavam largamente os custos.

No entanto, há outras variáveis a ter em consideração que poderiam estar na origem duma situação semelhante e que são relevantes para o sucesso reprodutor num programa de conservação ex situ. Uma delas seria a possibilidade de ser a expressão de depressão consanguínea, uma vez que esta afecta adversamente todos os aspectos do fitness reprodutivo, com efeitos deletérios na prolificidade, sobrevivência e mortalidade juvenil, malformações congénitas, longevidade, intervalo entre partos, emparelhamento e acasalamento, quantidade e qualidade espermática, comportamento maternal, competitividade e dominância, desenvolvimento, resposta imunitária e resistência a doenças (Frankham, Ballou, e Briscoe, 2010; Wiese, Willis, e Hutchins, 1994), cujos efeitos são mais pronunciados em populações pequenas e quando o meio é desfavorável (Reed, Nicholas, e Stratton, 2007). Neste caso é pouco provável que esta seja a sua causa directa, uma vez que é feita uma gestão genética rigorosa, com determinação dos casais de forma não só a impedir consanguinidade, mas também a aumentar a variabilidade. Por outro lado, este critério de escolha pode ter como consequência problemas de reprodução provocados pela incompatibilidade entre macho e fêmea por falta de selecção sexual e falta de competição entre machos (incluindo competição espermática) (Asa, Traylor-Holzer, e Lacy, 2011; Neff e Pitcher, 2005; Schulte-Hostedde e Mastromonaco, 2015). Uma vez que o ciclo éstrico do Lince Ibérico é sazonal, a incompatibilidade do fotoperíodo e alterações da temperatura e precipitação, que interferem com a produção de melatonina, poderiam estar a afectar a reprodução, mas estes factores influenciam sobretudo a indução do cio (Lynxexsitu, 2010a; Schulte-Hostedde e Mastromonaco, 2015).

Portanto, as ilações que retiro deste caso dizem respeito à importância de controlar a ansiedade em animais selvagens que se encontram em cativeiro, sobretudo quando se trata de exemplares reprodutores. Se noutro tipo de populações animais, um elemento com estes problemas seria eliminado do programa reprodutivo, neste caso, tratando-se de uma fêmea fundadora da população selvagem, a sua contribuição torna-se importante para evitar uma

representação genética desigual entre os fundadores ou a não-representação de alguns, comprometendo assim a futura variabilidade genética da espécie, entre outras consequências que acarreta (Penfold, Powell, Traylor-Holzer, e Asa, 2014). Além disso, é importante conseguir reproduzir todo o tipo de fenótipos de personalidade (temperamentos) e não apenas os que mais facilmente se adaptam à vida em cativeiro, sob o risco de estar a fazer uma selecção artificial involuntária. Para isso é necessário criar um ambiente o mais natural possível que seja conducente à reprodução de todos eles (McDougall, Réale, Sol, e Reader, 2006). Caso não aconteça, podemos estar a perder o contributo reprodutivo de certos indivíduos e, com eles, o seu património genético, que representa um fracasso na equalização da contribuição parental. O stress provoca a activação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) que, entre outras consequências, vai afectar negativamente a reprodução (Joseph e Whirledge, 2017; Young et al., 2004). Além de ser um factor preponderante antes e durante a gestação, acresce que as crias que tenham estado expostas ao stress materno nesse período podem estar mais vulneráveis e ter a sua sobrevivência comprometida após a reintrodução, devido a alterações neurológicas que ocorrem aquando da gestação como consequência do mesmo e que são mais pronunciados em situações de stress (Braastad, 1998). Estes efeitos podem ser minimizados ou até revertidos após o parto se a mãe prestar bons cuidados maternais (Liu et al., 1997; Maccari et al., 1995). Se, pelo contrário, a ansiedade se mantiver durante o período pós-parto, a mãe não vai apresentar comportamentos maternais adequados, o que por sua vez vai agravar estes efeitos e as suas consequências nas crias (Glover, O‟Connor, e O‟Donnell, 2010; Krugers et al., 2017). Por outro lado, o stress durante a gestação pode ter um efeito protector na cria, provocando alterações que ajudam a prepará-la para um contexto ecológico adverso que poderá encontrar após o nascimento (Champagne, Ronald de Kloet, e Joëls, 2009).

Pode então constatar-se que a observação, acompanhamento e estudo etológico dos animais é um trabalho fundamental da equipa veterinária responsável nos centros de reprodução. A ênfase é feita na prevenção, mas caso sejam detectadas alterações comportamentais indiciadoras de stress, este seguimento permite a identificação e actuação precoces, que são determinantes no sucesso do tratamento. O médico veterinário tem várias ferramentas ao seu dispor para o reduzir e melhorar o seu bem-estar, incluindo a implementação de várias formas de enriquecimento ambiental (Duncan, 1997). Se os comportamentos e sinais sugestivos de stress permanecerem ou agravarem, pondera-se introduzir psicofármacos que se considerem adequados. A vantagem da fluoxetina é ser um

princípio activo muito usado e conhecido (é o ISRS mais usado em animais de companhia) e, portanto, mais seguro. Além da fluoxetina existem no mercado outros fármacos alternativos, como sertralina, fluvoxamina ou citalopram, que poderão ser administrados caso se entenda pertinente (Denenberg e Dubé, 2018).

Apesar do resultado desta época reprodutiva, a Era conseguiu finalmente levar a época seguinte a bom termo, tendo emparelhado com o mesmo macho, Fado, dando à luz duas crias saudáveis (uma fêmea e um macho, Odelouca e Omiri) que foram posteriormente reintroduzidas. Esta evolução é o testemunho das boas práticas e do trabalho exemplar dos profissionais do centro.

b. Nabão

Tendo em conta o número reduzido de exemplares e a baixa variabilidade genética da espécie, foram identificados vários problemas do foro veterinário com suspeita de origem hereditária, mais concretamente, criptorquidismo, glomerulonefrite membranosa, necrose da cabeça do fémur (diagnosticada na Junquinha), osteopatia metafisária do colo femoral e epilepsia, que se segue (GMSLI, 2014, pág. 114; Jiménez et al., 2008; Martínez et al., 2013).

No dia 3 de Março de 2016 a Artemisa deu à luz três crias saudáveis. No entanto, com 10 semanas de vida (em Maio), durante a noite e enquanto dormia, a cria N2 (Nabão, um macho) apresentou convulsões compatíveis com epilepsia juvenil idiopática (Pákozdy, Leschnik, Sarchahi, Tichy, e Thalhammer, 2010). As convulsões foram inicialmente observadas através das câmaras de videovigilância pela equipa de etologia, que foi fundamental na sua identificação e no alerta para actuação de emergência com administração de diazepam por via intra-rectal. Além disso, o registo dos episódios convulsivos permitiu monitorizar e comprovar a eficácia do tratamento e ajustar o doseamento da terapia farmacológica. O tratamento de eleição é o fenobarbital administrado na dose mínima terapêutica (2,5-5 mg/kg; BID; PO) sendo que, geralmente, respondem bem apenas com esta medicação como ocorreu com o Nabão. Esta é mantida durante, pelo menos, 6 a 8 meses, podendo ser reduzida de forma gradual e retirada posteriormente na ausência de novos episódios convulsivos (Minguez et al., 2015; Hazenfratz e Taylor, 2018a). Pode usar-se levetiracetam como coadjuvante, mas não foi necessário neste caso.

Este diagnóstico pressupôs uma série de implicações para a cria. Uma vez que era necessário administrar diazepam para controlar as convulsões e visto que o seu destino seria permanecer sob cuidado humano em cativeiro, procedeu-se à sua separação da mãe e das

irmãs no MP, com contacto através da rede. Assim, deixou de ter a sua companhia, perdendo a oportunidade de desenvolver capacidades de sociabilização e interação intra-específica como jogo social. Além disso, tendo em conta que as convulsões tiveram início ao dia 10.ª semana de vida, a ausência da mãe também é problemática a nível do seu normal desenvolvimento comportamental, uma vez que este período corresponde à fase crítica de aprendizagem do comportamento predatório. Inicialmente, estas mudanças podem dar origem a problemas de índole comportamental porque, subitamente, passa a ter contacto humano directo e regular, que é o oposto ao maneio que tinha até então como parte da preparação para reintrodução. Para combater os efeitos nefastos que estas poderiam exercer no N2, foram facultados meios de enriquecimento ambiental que permitem estimular jogo locomotor e com objecto. Mais tarde, a cria foi transferida para os maneios de C14 para junto do pai, Foco, dando-lhe a possibilidade de aprendizagem ao observar e contactar com um adulto e permitindo iniciar o treino de maneio geral, sem interferir com a preparação das irmãs para reintrodução. Aqui, o papel da equipa de etologia também foi importantíssimo no acompanhamento da cria para garantir, dentro do possível, a continuação do seu normal desenvolvimento comportamental e

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