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Conservação in situ

No documento Conservação ex situ do lince ibérico (páginas 42-51)

2. Conservação de espécies ameaçadas

2.1. Conservação in situ

Aquele que é considerado o mais importante requisito e o pilar da conservação da biodiversidade é o desenvolvimento de medidas in situ. Este define-se como "a conservação de ecossistemas e habitat naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies nos seus entornos naturais" (CBD, 1992; tradução livre pela autora). A sua implementação ocorre, principalmente, através da criação de áreas protegidas (CBD, 1992, Artigo 8), definidas como "um espaço geográfico (terrestre ou marinho) claramente delimitado, reconhecido, dedicado e gerido, através de meios legais ou outros meios eficazes, de forma a alcançar a conservação da Natureza a longo prazo, juntamente com os respectivos serviços de ecossistemas e valores culturais associados" (IUCN, n.d.a; tradução livre pela autora). Estas são vistas como a melhor forma de proteger a biodiversidade em todos os seus elementos (genes, populações, espécies e paisagens) (Miller et al., 2011; Watson, Dudley, Segan, e Hockings, 2014). São, portanto, consideradas fundamentais para o nosso futuro colectivo, tanto como reservatórios de biodiversidade, ecossistemas e seus processos por

direito próprio, bem como fontes de recursos e bens materiais e imateriais (isto é, os serviços dos ecossistemas), particularmente a nível local, contribuindo para a subsistência dessas populações (IUCN, n.d.a). Consideram-se também imprescindíveis, tendo em conta que a destruição de habitat e a sua sobreexploração constituem as principais causas de perda de biodiversidade (Maxwell, Fuller, Brooks, e Watson, 2016), que ocorrem sobretudo de forma a conseguir sustentar uma população humana global e em constante crescimento (Crist, Mora, e Engelman, 2017).

As áreas protegidas têm diversas designações consoante a sua tipologia, sendo que, em Portugal, as respectivas classificações são: Parque Nacional, Parque Natural, Reserva Natural, Paisagem Protegida, Monumento Natural e Área Protegida Privada (ICNF, n.d.b), variando consoante o objectivo de conservação que cada uma vise atingir. A nível internacional, a classificação mais aceite é a da IUCN (Tabela 1).

Tabela 1 - Categorias de áreas protegidas definidas pela IUCN. Fonte: IUCN, n.d.a Ia Reserva Natural Estrita

Ib Área Silvestre/Selvagem II Parque Nacional

III Monumento ou característica natural IV Área de gestão de habitat/espécies V Paisagem terrestre ou marinha protegida

VI Áreas protegidas com uso sustentável de recursos naturais NA Áreas protegidas sem categoria da IUCN atribuída

O ponto 11 das metas de Aichi apela a que pelo menos 17% da superfície terrestre e 10% das superfícies costeira e marinha sejam consideradas protegidas até 2020 (CBD, n.d.b). Os dados oficiais mais recentes (Outubro de 2019) apontam que 15% da superfície terrestre e 17,7% das superfícies costeira e marinha (7,6% dos oceanos) estejam abrangidos e classificados como Área Protegida (Protected Planet, 2019; UNEP-WCMC e IUCN, 2016).

A disciplina de Biologia da Conservação e, como tal, a definição de área protegida, está intimamente ligada ao conceito de Natureza Selvagem, mas, também aqui, não existe um consenso na sua definição, nomeadamente no que diz respeito ao lugar do animal humano na Natureza. Esta é uma questão individual que deriva da cultura, contexto e experiências de

cada um (Soulé, 1995). Dependendo dos atributos que lhe são conferidos e do sentido e valor de que são imbuídos, assim vai variar o conceito de área protegida e as acções de conservação que serão implementadas (Sheil e Meijaard, 2010). Mais uma vez, esta divergência de abordagem tem origem nas diferentes visões e valores de cada argumento, isto é, bio ou antropocêntrico. Como tal, esta classificação tão abrangente por parte da IUCN é objecto de contenda, uma vez que inclui paisagens e áreas largamente alteradas pelo homem, incluídos nas categorias V e VI, pelo que a legitimidade da sua inclusão é contestada (Locke e Dearden, 2005). Isto acontece uma vez que, classicamente, e até aos dias de hoje, é vigente a ideia de Humano e suas construções como sinónimo de artificialidade e, como tal, entidades separadas e contrárias à Natureza (Vining, 2003; Vining et al., 2008). Por isso, considerava-se Natureza Selvagem uma área intacta, prístina, sem qualquer presença humana nem sinais recentes da mesma, protegida de forma que possa manter o que é considerado o seu estado natural (Dowie, 2009; Miller et al., 2011; Mittermeier et al., 2003). Portanto, perdura a ideia de áreas protegidas como símbolos e bastiões de Natureza Selvagem, ilhas de biodiversidade num oceano de perturbação humana (Conway, 1995; Maiorano, Falcucci, e Boitani, 2008). A implementação desta visão foi denominada "conservação de fortaleza" (Robinson, 2011) uma vez que considerava a Natureza irreconciliável com a presença humana e, como tal, as áreas a preservar são isoladas, vedadas e as populações locais expulsas. Estas acções levaram ao desalojamento forçado e deslocação de milhares de pessoas, consideradas refugiados da conservação (Dowie, 2009; West, Igoe, e Brockington, 2006). Em oposição, surgiu um movimento de comunidades indígenas (Hutton, Adams, e Murombedzi, 2005) que reivindicam o seu direito a permanecer nas terras que ocuparam durante séculos e até então, alegando também que, com os seus conhecimentos e modos de vida tradicionais, são as pessoas mais capazes de gerir o património natural das áreas protegidas (Dowie, 2009; Robinson, 2011; cf. Redford, 1991), naquela que é designada "conservação baseada na comunidade" (Hutton et al., 2005, e respectivas referências; Lele, Wilshusen, Brockington, Seidler, e Bawa, 2010). O mesmo aconteceu dentro da disciplina da conservação, tanto para dar voz a essas populações e às necessidades do ser humano (sobretudo no que toca ao alívio da pobreza, um dos pontos centrais no debate da "nova conservação"; Miller et al., 2011), como também, do ponto de vista da integridade dos ecossistemas. A exclusão de populações humanas indígenas é considerada problemática, uma vez que não é tido em conta o processo de coevolução que estas tiveram com a fauna e flora locais (Hayward, 2009; Martinez, 2003). Além disso, a criação de áreas protegidas, muitas vezes, polariza também a opinião pública,

quer por limitar o seu uso e exploração, quer por desviar fundos públicos para a sua criação e manutenção, sendo, por isso, consideradas um obstáculo ao desenvolvimento humano. A CBD tomou a iniciativa de tentar conciliar estes dois pontos de vista e integrar objectivos de desenvolvimento humano, alívio da pobreza e preservação das culturas indígenas com a conservação da biodiversidade e preservação da Natureza, reconhecendo assim a sua importância e interdependência (Roe, Mohammed, Porras, e Giuliani, 2013). No entanto, admite que “o desenvolvimento económico e social e a erradicação da pobreza são a primeira e principal prioridade dos países em desenvolvimento" (CBD, 1992; tradução livre pela autora). No entanto, estes países também se comprometeram a proteger a biodiversidade e, como tal, para atingir esse objectivo e cumprir o compromisso da conservação, têm sido designadas cada vez mais áreas protegidas. Além disso, estas também proporcionam uma fonte de rendimento alternativa através do turismo de Natureza (Balmford et al., 2009; Dowie, 2009).

Apesar do crescimento promissor do número e superfície de áreas protegidas, na realidade muitas destas correspondem aos chamados "parques de papel" (Di Minin e Toivonen, 2015; Jones et al., 2018). Este termo aplica-se àquelas áreas protegidas que existem na teoria (legisladas), mas que, na prática, não cumprem os objectivos e compromissos aos quais se propuseram aquando da sua criação, nomeadamente e, acima de tudo, no que diz respeito à protecção da biodiversidade, limitando-se a ser "linhas em mapas" (Hayward, 2011). Para isso, necessitam de uma gestão e financiamento apropriados, de forma a garantir o melhor resultado possível para que as metas de conservação sejam alcançadas (Di Minin e Toivonen, 2015). Para que estas medidas de protecção sejam bem-sucedidas é também necessário reconhecer a realidade dos contextos social, cultural e económico que envolve cada parque criado, tanto a nível local, nacional e internacional como, por exemplo, os interesses de grandes grupos privados, a corrupção no governo e a dinâmica local de lutas de poder, que possam pôr em causa a integridade e sucesso do projecto (Lele et al., 2010), sendo, geralmente, às mãos destes que as florestas e a sua fauna sucumbem.

Mesmo assim, as áreas protegidas são uma ferramenta fundamental e indispensável na preservação da biodiversidade, que, apesar das dificuldades, são eficazes (Bruner, 2001; Gray et al., 2016; Jones et al., 2018; Pringle, 2017; Rodr guez e Rodr guez-Clark, 2001; Watson et al., 2014). O risco de não criar áreas protegidas resulta em perda de biodiversidade e das suas funções (Stokstad, 2014). Uma das possíveis causas é a chamada "tragédia dos bens comuns", termo usado para descrever uma situação na qual utilizadores individuais usam recursos

partilhados (os bens comuns) de acordo com os seus interesses e benefício próprio, agindo assim contra o bem comum de todos os utilizadores, ao esgotar ou destruir esse recurso (Hardin, 1968; Soulé, 1995). Para evitar este fenómeno, torna-se necessário gerir os recursos e as áreas onde estes se encontram e promover a auto-organização das populações que os usam (Ostrom, 2009; cf. Miller et al., 2014). Além disso, o termo “gestão” reflecte o facto de que, no mundo de hoje, os seres humanos têm que interferir nas vidas de outros animais de forma a resolver conflitos que surgem, inevitavelmente, como resultado da partilha de espaço (Ramp e Bekoff, 2015).

Para atingir esta finalidade, a implementação e imposição de fronteiras para protecção da integridade dos parques na "conservação de fortaleza" é de grande importância e, para isso, recorre-se frequentemente ao uso de vedações nos parques. No entanto, será necessário ponderar as vantagens e desvantagens das mesmas (Durant et al., 2015; Hayward e Kerley, 2009; Woodroffe, Hedges, e Durant, 2014). Os seus objectivos são, entre outros:

- mitigar o conflito entre pessoas e animais; - delimitar propriedades privadas;

- prevenir danos materiais e humanos que os animais possam causar; - reduzir a transmissão de doenças (através de cordões sanitários); - impedir a sua invasão por parte de espécies exóticas;

- reduzir as ameaças humanas às espécies selvagens (como a degradação dos

ecossistemas, sobreexploração, perseguição e perturbação) (Durant et al., 2015; Woodroffe et al., 2014).

Contudo, estas podem ter consequências negativas na estrutura e função dos ecossistemas por impedir migrações animais, causar fragmentação e isolamento de populações, entre muitas outras (Gadd, 2012, pág. 160). Por outro lado, ao impedir o acesso humano aos recursos nelas contidos, estão simultaneamente a ter um impacto negativo na sua subsistência e desenvolvimento (Durant et al., 2015), sendo, portanto, fonte de conflito (West et al., 2006). Estas põem em evidência a nossa dificuldade de coabitação com a vida selvagem (Hayward e Kerley, 2009), mas esta não é de todo impossível (Chapron et al., 2014).

Actualmente, e cada vez mais, considera-se Natureza como sinónimo de "ecossistemas intactos", isto é, "suficientemente intactos para reter espécies e funções ecológicas fundamentais", ou seja, "aqueles nos quais a maioria das espécies endémicas estão, ainda, presentes em abundância tal que lhes permita manter as mesmas funções que tinham antes da

extensa colonização ou uso humano, onde a poluição não afectou de forma grave e em larga escala os ciclos de nutrientes e onde a densidade humana é baixa" (Caro, Darwin, Forrester, Ledoux-Bloom, e Wells, 2011; tradução livre pela autora). A premissa é que Natureza Selvagem é, em si, um conceito cultural (Cronon, 1995; cf. Caro et al., 2011; Lacy, 2010; Miller et al., 2014). Um dos argumentos apresentados é o facto de não existir uma verdadeira floresta "virgem", uma vez que há provas que estas áreas sofreram consideráveis intervenções humanas por parte de povos primitivos (a sua presença não era inócua; Kay, 1998), cujos efeitos perduram até aos dias de hoje (Clement et al., 2015; Willis, Gillson, e Brncic, 2004; cf. Corlett, 1994). Outro, é que as populações indígenas estariam integradas no ecossistema "em harmonia" com a Natureza (Briggs et al., 2006). Tendo em conta que a espécie humana é um "engenheiro de ecossistemas" (Smith, 2007) é esperável que, como tal, a sua presença implique alterações, mais ou menos extensas, do seu entorno. O conceito-chave, nestes casos, é o grau de equilíbrio que cada população mantém com a Natureza, isto é, a sua sustentabilidade (Locke e Dearden, 2005). Por outras palavras, "o que conta como Natureza Selvagem não é determinado pela ausência de pessoas, mas pela sua relação com o meio" (Turner,1996 apud Martinez, 2003; tradução e adaptação livre pela autora; cf. Caro et al., 2011). Além disso, várias espécies animais podem adaptar-se a viver em ambientes modificados pelo homem mantendo, em grande parte, os seus processos naturais (Lacy, 2010).

Considerando esta mudança de paradigma (Kueffer e Kaiser-Bunbury, 2014) e que os parques não são, por si só, eficazes na proteção das espécies (Hayward, 2011), passa a ser importante ter em conta um conjunto de medidas de conservação, para além da tradicional criação de áreas protegidas. Geralmente, limitavam-se a incluir as florestas consideradas primárias, que se definem como "florestas que sofreram pouca ou nenhuma perturbação humana recente, apesar de, na realidade, ser provável que poucas florestas estejam genuinamente intactas" (Gibson et al., 2011; tradução livre pela autora). Assim, começa a ganhar mais ímpeto o estudo de florestas secundárias (florestas em regeneração; Chokkalingam, Unna, e Wil de Jong, 2001; Corlett, 1994). Estas adquirem particular importância dentro e na periferia de áreas protegidas, mas também, e cada vez mais, em terrenos agrícolas e de pastorícia abandonados como resultado de desertificação. Esta realidade gera oportunidades para projectos de criação de novos ecossistemas, como "restauração ecológica" e "renaturalização" (Kueffer e Kaiser-Bunbury, 2014; Navarro e Pereira, 2012). A restauração ecológica é definida como um "processo de auxílio ao restabelecimento de um ecossistema que foi degradado, danificado ou destruído" (Society for

Ecological Restoration (SER) International, 2004; tradução livre pela autora). É uma intervenção intencional que inicia ou acelera a recuperação de um ecossistema, visando, portanto, restabelecer a integridade ecológica do mesmo. Pode consistir apenas na regeneração natural passiva ou envolver intervenções mais ou menos significativas e uma gestão intensiva (plantação, reintrodução de espécies localmente extintas e eliminação de espécies invasoras) (Keenleyside, Dudley, Cairns, Hall e Stolton, 2012; tradução livre pela autora). Também considera importante definir um ponto de referência ecológico que se pretende atingir como objectivo de recuperação (Hayward, 2009; Jackson e Hobbs, 2009), tendo em atenção o problema da "síndrome de amnésia ambiental geracional", mas de forma a evitar a reconstituição de um pretérito imperfeito, desadequado aos desafios do futuro.

A renaturalização pode ser considerada um tipo de Restauração Ecológica. É classificada em diferentes tipos, nomeadamente Plistoceno, passivo, trófico e ecológico (Corlett, 2016; Nogués-Bravo, Simberloff, Rahbek, e Sanders, 2016; Sandom, 2016). O seu objectivo é criar grandes áreas contínuas de territórios selvagens de forma a manter os seus processos dinâmicos, que seriam auto-sustentáveis. Mas, ao contrário da restauração ecológica, esta enfatiza a reintrodução de espécies e/ou populações localmente extintas, nomeadamente espécies-chave e megafauna, de forma a restaurar a função dos ecossistemas (Corlett, 2016; Lorimer e Driessen, 2014; Nogués-Bravo et al., 2016; Seddon, Griffiths, Soorae, e Armstrong, 2014; Soulé e Noss, 1998). Um dos seus principais requisitos é que tenham dimensões significativas, reservadas apenas para a conservação, e conectadas entre si de forma a permitir alterações na distribuição das espécies e, assim, garantir a perpetuidade das mesmas, sobretudo das especialistas e com maiores territórios (Noss et al., 2011; Soulé e Noss, 1998). Esta abordagem também se caracteriza pela imprevisibilidade dos resultados, uma vez que não estabelece objectivos predefinidos para condições e resultados concretos de restauração (Jepson, 2016; Lorimer e Driessen, 2014; The Freswater Blog, 2016). Há ainda quem advogue a "de-extinção" (Kumar, 2012; Zimmer, 2013), mas não sem os seus críticos (Donlan, 2014; Ehrlich e Ehrlich, 2014; Sherkow e Greely, 2013). Este seria um último recurso na restauração de ecossistemas, no qual se usaria material genético de espécies extintas para a sua recuperação, nomeadamente através de técnicas de reconstrução taxonómica (por reprodução selectiva, retrógrada), clonagem (ou SCNT, Somatic Cell Nuclear Transfer) e engenharia genética (Sherkow e Greely, 2013).

O que distingue estes diferentes tipos de intervenção é também uma questão de escala temporal. A escolha do ponto de referência adoptado irá ditar o desfecho pretendido do

projecto - desde a "renaturalização do Plistoceno" que visa reconstituir ecossistemas de há 13 mil anos atrás, até à gestão que visa preparar as áreas protegidas para futuras alterações nos ecossistemas, por exemplo, visando rearranjos de forma a acomodar possíveis mudanças resultantes de alterações climáticas (Nogués-Bravo et al., 2016). É importante reconhecer a natureza dinâmica dos ecossistemas e, como tal, as medidas de conservação implementadas têm que a reflectir (Jackson e Hobbs, 2009; Sandom, 2016). Este aspecto é particularmente relevante quando se trata de alterações climáticas (Marris, 2011). Abordagens como a "renaturalização do Plistoceno" criam vários problemas como a dissonância entre aquilo que eram a flora e fauna históricas e o futuro (isto é, antes e depois das alterações). Ou seja, estamos a preservar algo que no presente e, sobretudo, no futuro, não faz sentido ecológico. Este problema contém aspectos fundamentais aos quais será necessário dar resposta que dizem respeito, entre outros, ao território, considerado histórico, de determinadas espécies; à importância de criar corredores ecológicos; e à questão das espécies invasoras (Barnosky et al., 2017; Kueffer e Kaiser-Bunbury, 2014; Preston, 2009). Além disso, dadas as alterações climáticas, as áreas sem gestão e intervenção humana directa estarão mais sujeitas a alterações de natureza abiótica (como fogos) e alterações de populações naturais de flora e fauna (Nogués-Bravo et al., 2016).

A criação de corredores ecológicos, de forma a permitir a conectividade entre populações de áreas protegidas adjacentes, é considerada uma medida importante para combater a fragmentação dos habitat e as suas consequências, e no contexto das alterações climáticas (Barnosky et al., 2017; Haddad et al., 2015). No entanto, é necessário ter em conta e acautelar os riscos associados à sua criação e a necessidade de elaborar uma avaliação criteriosa e detalhada antes da sua construção, tendo em consideração os habitat e respectivas espécies (e sua ecologia) que se pretende interligar (Akçakaya, Mills e Doncaster, 2007; Conservation Corridor, n.d.; Noss, 1999; Simberloff e Cox, 1987). Outro aspecto, relacionado com este e debatido no planeamento de áreas protegidas, é o SLOSS (do Inglês Single Large Or Several Small), isto é, se será preferível ter apenas uma grande área protegida ou várias mais pequenas. Ambas as teorias propostas apresentam vantagens e desvantagens, sendo certo que a escolha do modelo aplicado irá depender do contexto de cada caso em particular, podendo coexistir ambos os modelos numa metapopulação (Akçakaya et al., 2007; Soulé e Noss, 1998; Soulé e Simberloff, 1986; Tjørve, 2010; cf. Frankham, 2008).

Outra metodologia adicional de conservação, que tem ganhado adeptos, é a chamada "ecologia de reconciliação" (Rosenzweig, 2003). Esta consiste na modificação dos ambientes

humanos (antromas) de forma a encorajar o seu uso por parte de outras espécies, permitindo a conservação da biodiversidade sem que isso comprometa a sua utilização (Francis e Lorimer, 2011; tradução e adaptação livres pela autora), consentindo a nossa coexistência com um leque mais variado de espécies (Brockington, Igoe, e Schmidt-Soltau, 2006). A sua premissa é que as áreas destinadas à conservação e restauração não têm dimensões suficientes que permitam mitigar o fenómeno de defaunação (Rosenzweig, 2003). Portanto, e no presente contexto mundial, torna-se fundamental modificar também os ambientes humanos, desde terrenos agrícolas até ambientes urbanos, cada vez mais extensos (Ellis e Ramankutty, 2008) de forma a permitir albergar uma maior diversidade de espécies selvagens (Rosenzweig, 2003), nomeadamente autóctones, e não apenas oportunistas que criam assim uma fauna pobre e homogénea (McEuen, 2014; Quammen, 1998). A ideia é tornar mais simbiótica a nossa relação com a Natureza (cf. Soulé, 1995).

Nesta abordagem, é proposto que sejam integradas também outras medidas de protecção de espécies, nomeadamente (Hayward, 2011; IUCN/SSC, 2014; Kueffer e Kaiser- Bunbury, 2014; Scott et al., 2010):

- implementação de medidas legais de protecção; - intervenções para controlo de caça furtiva; - gestão cinegética;

- controlo de predadores, competidores e agentes patogénicos, incluindo vectores; - controlo de espécies invasoras;

- provisão de nutrição suplementar;

- gestão de processos ecológicos e de habitat;

- restrição ou promoção de dispersões e migrações naturais; - gestão de metapopulações e regulação de populações; - investigação, formação e ensino.

Para serem implementadas com sucesso, estas medidas in situ (restauração, renaturalização, reconciliação, etc.) implicam complementaridade com outro conjunto de actuações designadas ex situ (CBD, 1992, Artigo 9).

No documento Conservação ex situ do lince ibérico (páginas 42-51)