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Conservação ex situ

No documento Conservação ex situ do lince ibérico (páginas 51-67)

2. Conservação de espécies ameaçadas

2.2. Conservação ex situ

Conservação ex situ é definida como o conjunto de medidas complementares, de suporte à conservação in situ, que visam a "conservação de componentes da diversidade biológica fora dos seus habitat naturais", preferencialmente, no país de origem dos mesmos (CBD,1992; tradução livre pela autora). Por sua vez, a IUCN define conservação ex situ como as circunstâncias nas quais indivíduos são mantidos em condições artificiais, caracterizadas, nomeadamente, por restrições espaciais (dentro ou fora do seu território natural), e pela ausência de processos e pressões selectivas naturais. Estas são geridas, em maior ou menor grau, pelo ser humano, tanto no que diz respeito às condições ambientais em que se encontram, como à dinâmica populacional, natalidade e mortalidade (Baker, Lacy, Leus, e Traylor-Holzer, 2011; IUCN/SSC, 2014). A sua implementação implica a construção de infra- estruturas e criação de instituições para os manter, recuperar, restabelecer e estudar, que inclui jardins zoológicos (doravante "zoos", incluindo os itinerantes), parques safári, santuários, aquários/oceanários, centros de recuperação e outros parques zoológicos (sec. Decreto-Lei n.º 59/2003, Artigo 2.º), centros de reprodução, jardins botânicos, bancos de genes, museus de história natural, bem como centros de investigação e ensino (Maunder e Byers, 2005; Maxted, 2013; Miller et al., 2004; Pritchard, Fa, Oldfield, e Harrop, 2012). As medidas ex situ são elementos de apoio à conservação e não um fim em si mesmas (Lacy, 2010). A premissa é que, dada a actual conjuntura com as crescentes pressões antropogénicas e ameaças à sua sobrevivência na natureza, cada vez mais espécies irão necessitar e estar dependentes de algum tipo de intervenção e gestão (Baker et al., 2011; IUCN/SSC, 2014; McGowan, Traylor- Holzer, e Leus, 2017; Redford et al., 2011; Scott et al., 2010), uma vez que, por vezes, não basta actuar in situ (Hayward, 2011; Seidensticker e Syuono, 1980). Assim, para algumas espécies, a criação de populações ex situ será uma ferramenta de apoio crucial e indispensável à conservação e, por vezes, a reprodução em cativeiro é a única forma de evitar a sua extinção (Balmford et al., 1995; Bowkett, 2009; Conde, 2013; Conde, Flesness, Colchero, Jones, e Scheuerlein, 2011a; Conway, 2011; Lacy, 2010; Rodrigues, 2006).

No que aos animais diz respeito, as principais instituições que implementam medidas de conservação ex situ, actualmente, são os zoos (Martin et al., 2014a). Contudo, nem sempre tiveram esta preocupação. No passado, os seus antecessores começaram por ser colecções privadas (designadas ménageries) que albergavam animais selvagens e exóticos para fins ornamentais e de entretenimento, e também como símbolos de riqueza, poder e estatuto

(Kreger e Hutchins, 2010; Rees, 2011; Zimmermann, 2010). A partir do início do século XX começam a assemelhar-se aos zoos modernos, tendo exibições maiores e mais naturalistas, que respeitavam e estimulavam os comportamentos naturais, com preocupações de bem-estar dos animais cativos, visando ainda o seu estudo e fins pedagógicos (Kreger e Hutchins, 2010; Rees, 2011). Em meados do século, por concertação destas instituições de forma a melhorar a sua resposta às crescentes preocupações de conservação, foi fundada a Associação Mundial de Zoos e Aquários (WAZA, do Inglês World Association of Zoos and Aquariums; WAZA, n.d.a), tendo feito diversos contributos neste âmbito (WAZA, n.d.b), dos quais se destaca a publicação da primeira "Estratégia Mundial dos Zoos para a Conservação", no rescaldo do Earth Summit (IUDZG/CBSG, 1993; Leader-Williams et al., 2007; Zimmermann, 2010). Mais tarde, na Europa, foi criada a Directiva 1999/22/CE (Leader-Williams et al., 2007; Rees, 2005) que vincula os zoos e aquários a exercerem um papel relevante na conservação (apesar de limitações na sua implementação; Rees, 2005; Zimmermann, 2010), respeitando assim o compromisso assumido pela União Europeia como signatária da CBD (Gippoliti, 2012).

Hoje em dia, e tendo como base a informação acumulada, os zoos e demais instituições ex situ devem contribuir activamente para a conservação em várias vertentes, enumeradas pela IUCN da seguinte forma (Traylor-Holzer, Leus e McGowan, 2013; IUCN/SSC, 2014):

- criação de população de reserva (Conde et al., 2011a);

- resgate temporário para protecção contra imprevistos (catástrofes) ou ameaças iminentes previstas;

- manutenção a longo prazo de populações ex situ de espécies EW (do Inglês Extinct in the Wild) ou daquelas que não tenham perspectivas de persistência in situ a curto/médio prazo (Conde et al., 2013; Zimmermann, 2010);

- manipulação demográfica (por exemplo, headstarting);

- fonte de indivíduos ou populações para translocações com fins de conservação; - investigação e/ou formação (Conde, 2013);

- base para programas de actividades educativas e campanhas de sensibilização (Conde, 2013);

- entretenimento, inspirar admiração e criar uma ligação emocional com os animais (Lacy, 2010);

- contribuição com recursos financeiros, de infra-estruturas e competências técnicas para capacitação de empreendimentos in situ (Baker et al., 2011; Zimmermann, 2010).

A criação de populações de reserva teve início com o conceito de zoos como "arca de Noé" de espécies ameaçadas, isto é, como seguro contra a sua extinção (Lees e Wilcken, 2009; Soulé, Gilpin, Conway, e Foose, 1986), sobretudo daquelas cuja existência no estado selvagem se encontra comprometida ou na categoria EW, cuja continuidade depende inteiramente do ser humano. Dado o elevado número e intensidade das pressões que causam a perda de biodiversidade e a reduzida perspectiva que sejam mitigadas a curto e médio prazo (graças às medidas in situ previamente mencionadas), aliados à existência de cada vez mais espécies ameaçadas, cria a necessidade de implementar algum tipo de gestão das mesmas, podendo ser aplicadas também a indivíduos selvagens. Pode implicar a retirada de alguns ou todos os membros de uma população/espécie do seu habitat, quando este se torna inabitável, evitando assim a sua extinção (Baker et al., 2011; Redford et al., 2011). Este tipo de protecção e gestão pode também ser aplicado de forma profiláctica a animais que não estejam presentemente ameaçados (Lees e Wilcken, 2009; cf. Snyder et al., 1996), uma vez que, dada a escala das ameaças à biodiversidade, há um factor de imprevisibilidade no que toca aos seus números em estado selvagem. Exemplo disso foram os casos do fungo Batrachochytrium dendrobatidis em anfíbios, da crise dos abutres na Índia causada por diclofenac ou do tumor facial do diabo-da-tasmânia (McCallum, 2008). Além disso, a redução na abundância de indivíduos vai ter um forte impacto na sua função ecológica, pelo que será necessário reverter essa tendência (Redford et al., 2011). Estas medidas podem ser temporárias a curto/médio prazo, nas quais se levam animais para cativeiro, quer para os proteger de ameaças e catástrofes iminentes no seu habitat ou de difícil resolução a curto prazo (resgate temporário), quer durante fases mais críticas do seu desenvolvimento (manipulação demográfica, como por exemplo, headstarting; Alberts, 2007). Para outras, as soluções de conservação criadas para garantir a sua protecção e perpetuidade são, necessariamente, implementadas a longo prazo (Lees e Wilcken, 2009; Martin et al., 2014b; Zimmermann, 2010; cf. Redford et al., 2011). Estas são consideradas Populações de Maneio Intensivo (IMPs, do Inglês Intensively Managed Populations) quando dependem inteiramente do ser humano para alimento, tratamentos médicos, habitat, protecção de predadores, formação de grupos sociais e acesso a outros indivíduos para reprodução, entre outros (Baker et al., 2011; Lacy, 2010; Leus, 2011; Redford et al., 2011).

Por sua vez, a criação destas populações reduzidas, mantidas ou não em cativeiro, gerou a necessidade de garantir que as mesmas sejam demográfica e geneticamente viáveis a médio e longo prazo. Para melhor gerir e coordenar estas populações, foram criadas entidades

com esse propósito. A IUCN criou o CBSG, do Inglês Conservation Breeding Specialist Group, no âmbito da SSC (do Inglês Species Survival Comission). No caso da Europa, a EAZA criou os EEPs (Europäisches Erhaltungszucht–Programm ou European Endangered Species Programme; o seu equivalente da AZA é o SSP - Species Survival Plan) e Registos Genealógicos (ESB, European Studbook, de gestão populacional menos intensiva que os EEP), com o apoio dos TAGs (do Inglês Taxon Advisory Groups), que documentam e recomendam quais as espécies a manter em zoos e quais precisam de ser geridas por EEPs e ESBs. Estas permitem garantir a "conservação de populações saudáveis em cativeiro, salvaguardando a saúde genética dos animais" sob os seus cuidados (European Association of Zoos and Aquaria [EAZA], n.d.; tradução livre pela autora). Assim, começaram a ganhar forma conceitos fundamentais ligados à importância da viabilidade das espécies, nomeadamente no que diz respeito ao desafio de manter populações reduzidas, genética e demograficamente estáveis e sustentáveis a longo prazo (nomeadamente em cativeiro) (Caughley, 1994; Soulé, 1985; cf. Redford et al., 2011). Por "sustentável" entende-se manter uma variabilidade genética de, idealmente, 90% (isto é, 10% de coeficiente de consanguinidade) durante 100-200 anos (Conway, 1986; Lacy, 2013; Lees e Wilcken, 2009; Soulé et al., 1986). No entanto, a verdadeira sustentabilidade é tida por alguns como a manutenção de uma população sem diminuição ou perda do seu valor, de forma a garantir que permanecem como representantes genéticos saudáveis das respectivas populações selvagens (Lacy, 2013; Lacy, Traylor-Holzer, e Ballou, 2013; Lees e Wilcken, 2009).

A perda de variabilidade genética reduz a capacidade de adaptação da espécie por selecção natural e, por isso, tem sempre um efeito prejudicial, sobretudo tendo em conta as rápidas mudanças que se verificam nos ambientes naturais das espécies (Lacy, 2013; Reed, Nicholas, e Stratton, 2007; Rodríguez-Ramilo, Morán, e Caballero, 2006). Um aspecto basilar para garantir que esta perda é minimizada consiste em definir uma população mínima viável (MVP, do Inglês Minimum Viable Population; cf. Flather, Hayward, Beissinger, e Stephens, 2011a; Flather, Hayward, Beissinger, e Stephens, 2011b; Redford e Sanjayan, 2003; Redford et al., 2011) quer sejam populações selvagens ou em cativeiro. O seu número varia consoante uma série de factores que ditam o valor necessário (Ballou e Traylor-Holzer, 2011; Traill et al., 2010), mas geralmente consiste em valores sugeridos de N ou Nc (população recenseada) de

5000 e Ne (efectivo populacional) de 50 indivíduos adultos a curto prazo e, pelo menos, 500 a

longo prazo, para impedir depressão consanguínea e manter o seu potencial evolutivo (Franklin, 1980 apud Frankham, 1995; Frankham, Ballou, e Briscoe, 2010; Reed et al., 2007;

Traill et al., 2010). Foi recomendado que estes valores fossem duplicados para 100/1000 (Frankham, Bradshaw, e Brook, 2014; cf. García-Dorado, 2015) e já foram propostos valores Ne de 200 ou mais para metapopulações de zoos (Conway, 1986; Witzenberger e Hochkirch,

2011). Estes são os valores nos quais se considera que existe um equilíbrio entre perda de variabilidade por deriva genética e selecção, e ganho por mutações (Lees e Wilcken, 2009; Traill et al., 2010). É importante salientar que o valor de MVP é inferior ao necessário para as espécies serem ecologicamente funcionais (Redford et al., 2011). Nas populações isoladas e pequenas, abaixo destes valores, a consanguinidade é inevitável, tornando-as demograficamente mais instáveis e também mais vulneráveis a eventos estocásticos (2.ª fase do processo de extinção; Leus, 2011) como alterações ambientais, catástrofes, acidentes, variações aleatórias na sobrevivência e reprodução, variações demográficas (como rácio sexual enviesado), deriva genética, efeito Allee, entre outros (Traill et al., 2010; Traylor- Holzer et al., 2013). Os efeitos da depressão consanguínea e perda de diversidade genética interagem com factores demográficos e ambientais, que actuam sinergicamente resultando no "vórtex da extinção" (Frankham, Briscoe, e Ballou, 2002; Leus, 2011).

Portanto, estas populações devem ser criadas a partir de números adequados de fundadores com origem em populações selvagens e representativos das mesmas, tendo em conta os conceitos de "equivalentes de fundadores", "equivalentes do genoma de fundadores" e efeito fundador (Lacy, 1989). Estes devem ser de, pelo menos, Nc=15 indivíduos

(Witzenberger e Hochkirch, 2011), no entanto, 90% de variabilidade corresponde a 5 "equivalentes do genoma de fundadores" (Lacy, 2013). A genealogia e a origem dos ancestrais devem, idealmente, ser conhecidos para todos e cada um dos indivíduos, de forma a evitar consanguinidade (evitando assim depressão consanguínea) e depressão híbrida (Witzenberger e Hochkirch, 2011). A perda de variabilidade genética, e o aumento da consanguinidade que lhe corresponde, deve ser prevenida, porque acarreta consequências nefastas por alelos deletérios que se fixam. Estes estão associados ao aumento da susceptibilidade a doenças (Frankham, 1995; Reed et al., 2007) e a efeitos adversos na aptidão (fitness) reprodutiva, incluindo fecundidade, incidência de defeitos congénitos, sobrevivência e mortalidade juvenis, intervalo entre partos, capacidade de acasalamento, qualidade e quantidade espermática, comportamento maternal, capacidade de competição e dominância, período de desenvolvimento e longevidade, que aumentam assim a probabilidade de extinção (Frankham et al., 2002; Lacy, 2013; Reed et al., 2007; Wiese, Willis, e Hutchins, 1994; Witzenberger e Hochkirch, 2011).

Para incrementar a variabilidade e diminuir a deriva genética e a adaptação ao cativeiro, sempre que possível, recorre-se à equalização da contribuição parental (Fernández e Caballero, 2001; Frankham, 2008; Williams e Hoffman, 2009), minimização do parentesco (Williams e Hoffman, 2009; Witzenberger e Hochkirch, 2011) e acasalamento preferencial negativo (Frankham, 1995; Hedrick, Tuttle, e Gonser, 2018), entre outros (Frankham et al., 2010; Witzenberger e Hochkirch, 2011). No entanto, estas medidas reduzem a selecção sexual (Schulte-Hostedde e Mastromonaco, 2015), que é importante no sucesso reprodutivo (Martin e Shepherdson, 2012) e podem estar limitadas pela biologia das espécies (Lees e Wilcken, 2009). O objectivo é evitar também que ocorra selecção artificial, pela diferença e pressões selectivas entre o ambiente de cativeiro e o selvagem (Frankham, 2008; Schulte-Hostedde e Mastromonaco, 2015), sobretudo de determinados temperamentos, morfologias e de indivíduos que se reproduzam pior em cativeiro (para essas, pode recorrer-se a técnicas de reprodução assistida) (Balmford, Kroshko, Leader-Williams, e Mason, 2011; Frankham, 2008; Schulte-Hostedde e Mastromonaco, 2015; Williams e Hoffman, 2009). Por isso, é ainda importante implementar os conceitos de metapopulações e SLOSS (fragmentação) aplicado à gestão reprodutiva (Frankham, 2008; Margan et al., 1998; Williams e Hoffman, 2009). Estas técnicas, nomeadamente a equalização da contribuição parental, aliadas às condições de cativeiro, vão contribuir para a diminuição da pressão selectiva (Fernández e Caballero, 2001; Price, 2002), pela qual os alelos deletérios não são eliminados por selecção natural, permanecendo assim na população, com as consequências negativas que daí pode advir (Fernández e Caballero, 2001; Rodríguez-Ramilo et al., 2006). Portanto, quando as populações com elevado coeficiente de consanguinidade expõem alelos deletérios e letais, é possível reduzir a sua frequência na população, quer por selecção natural ou de forma intencional (cf. Witzenberger e Hochkirch, 2011). Alelos pouco ou mediamente deletérios são difíceis de eliminar e contribuem para a depressão consanguínea (Frankham, 1995). Este processo, designado por purga, vai reduzir a sua expressão nas populações que já sofreram efeito de gargalo populacional, tornando-as menos susceptíveis no futuro aos efeitos negativos da depressão consanguínea nestas populações pequenas (Frankham, 1995; Frankham et al., 2002), mas poderá não ser suficientemente eficiente (cf. Leberg e Firmin, 2008; Reed, 2010; Reed et al., 2007).

Assim, de forma a manter níveis aceitáveis de variabilidade genética, todas as populações de reprodução em cativeiro estão, mais ou menos, dependentes de suplementação com novos indivíduos fundadores selvagens (Byers, Lees, Wilcken, e Schwitzer, 2013;

Frankham, 2008; Lees e Wilcken, 2009; Williams e Hoffman, 2009). Por isso, a manutenção de uma boa variabilidade por gestão genética e demográfica é fundamental, uma vez que diminui esta necessidade de suplementação (Wiese et al., 1994; Witzenberger e Hochkirch, 2011). Portanto, para que seja bem-sucedido, um projecto de conservação ex situ deveria ser iniciado antes que a espécie atingisse números muito reduzidos (Conde, Flesness, Colchero, Jones, e Scheuerlein, 2011b), isto é, não deveria ser o último recurso, embora haja casos de sucesso mesmo com números reduzidíssimos de fundadores (Conway, 1995; Conway, 2011; Leus, 2011; Reed, 2010).

Além da variabilidade genética, as populações em cativeiro podem estar a perder muitos outros aspectos importantes à sua sobrevivência relativamente aos seus homólogos selvagens. Há perda de processos evolutivos de selecção natural, que são resultado da interacção da espécie com o ambiente natural e seus elementos bióticos e abióticos (Lacy, 2010). Isto ocorre por adaptação ao cativeiro (por domesticação ou por plasticidade fenotípica; Schulte-Hostedde e Mastromonaco, 2015), com efeitos predominante e sobejamente deletérios quando os indivíduos regressam ao respectivo habitat (Frankham, 2008). Estes incluem aspectos fundamentais à sua sobrevivência num ambiente selvagem (Conde et al., 2011b), como evitar predadores, adquirir alimento, interação social intra-específica, variações comportamentais, padrões reprodutivos, comportamentos de escolha de parceiro e de cuidados parentais, territorialidade e dominância, procura de abrigo, resistência a doenças, movimentar-se no terreno e orientar-se num ambiente complexo, respostas fisiológicas ao ambiente (Griffin, Blumstein, e Evans, 2000; Jule, Leaver, e Lea, 2008; Kreger e Hutchins, 2010; Lacy, 2013; Schulte-Hostedde e Mastromonaco, 2015; Williams e Hoffman, 2009), bem como perda de comportamentos socialmente aprendidos (Jule et al., 2008; Mathews, Orros, McLaren, Gelling, e Foster, 2005). Estas alterações podem ocorrer rapidamente podendo estar patentes nalgumas espécies logo na primeira geração em cativeiro (Christie, Marine, French, e Blouin, 2012; Williams e Hoffman, 2009). A adaptação será mais rápida em espécies com intervalos menores entre elas (Frankham, 2008). Portanto, é fundamental implementar medidas para reduzir esta adaptação, como limitar o número de gerações em cativeiro, por exemplo, aumentando o intervalo entre gerações (adiando a reprodução) ou devolvendo-os à Natureza o mais rapidamente possível (Frankham, 2008; Williams e Hoffman, 2009). Estas alterações que ocorrem durante o período de cativeiro levam a comportamentos desajustados aquando da sua libertação no ambiente selvagem (Champagnon, Elmberg, Guillemain, Gauthier-Clerc, e Lebreton, 2012; Jule et al., 2008), que vão reflectir-se numa menor

sobrevivência dos indivíduos com origem em populações de cativeiro (Frankham, 2008; Jule et al., 2008). Além disso, o cativeiro também pode causar alterações morfológicas nos indivíduos (O‟Regan e Kitchener, 2005; Wisely et al., 2005). Por conseguinte, a preocupação devia ser evitar estes fenómenos e, ao mesmo tempo, promover, tanto quanto possível, comportamentos adequados ao seu nicho ecológico, usando instalações naturalizadas, enriquecimento ambiental e técnicas de treino e condicionamento (Keulartz, 2015; Redford, Jensen, e Breheny, 2012; Williams e Hoffman, 2009; Young, 2014). No entanto, um ambiente "naturalizado" não é o mesmo que um ambiente natural (Lacy, 2010; Schulte-Hostedde e Mastromonaco, 2015; Norton, 1995). Portanto, e de modo a facilitar a transição entre um ambiente de cativeiro e o selvagem, a aclimatização ao local de reintrodução será mais fácil se os animais forem criados em condições semelhantes (por exemplo, temperatura e fotoperíodo; Schulte-Hostedde e Mastromonaco, 2015), isto é, se a reprodução for feita no país de origem (Conde et al., 2011b). Também é importante fazer treino pré-libertação (Camera Trap Codger, 2008; Jule et al., 2008; Keulartz, 2015; Oosthoek, 2018) e solta branda (onde se providenciam cuidados suplementares aos animais durante um período determinado, prévio à sua libertação; Redford et al., 2012) em vez de dura, de modo a facilitar essa aclimatização e reduzir os riscos para os indivíduos libertados.

Por outro lado, na gestão dos seus recursos genéticos, seria fundamental evitar a aquisição oportunista de animais por parte dos zoos (Lees e Wilcken, 2009) e viés taxonómico, que ocorre também no seio da comunidade científica (Balmford, Mace, e Leader-Williams, 1996; Clark e May, 2002; Martín-López, Montes, Ramírez, e Benayas, 2009; Seddon et al., 2014; Small, 2011; Troudet, Grandcolas, Blin, Vignes-Lebbe, e Legendre, 2017). Um problema recorrente é o desenvolvimento de exibições sobretudo com fins comerciais, para dar resposta às preferências e expectativas dos visitantes (Baker et al., 2011; Balmford et al., 1996; Martin et al., 2014a; Zimmermann, 2010). Priorizam, assim, espécies mais carismáticas (Colléony, Clayton, Couvet, Saint Jalme, e Prévot, 2017; Frynta, Šimková, Lišková, e Landová, 2013) e/ou não necessariamente ameaçadas (Conde et al., 2013; Martin et al., 2014a), caso de pandas gigantes exibidos em centros comerciais na China ou de fenótipos perpetuados sem qualquer valor de conservação como animais albinos, tigre branco e dourado, etc.. Estas são comummente denominadas espécies-bandeira, que são aquelas consideradas mais atractivas e emblemáticas, por serem de maior tamanho ou esteticamente mais apelativas (Gunnthorsdottir, 2001; Martin et al., 2014a; Small, 2012; Smith, Veríssimo, Isaac, e Jones, 2012; Stevens, Organ e Serfass, 2011; cf. Balmford et al., 1996; Bowen-Jones e Entwistle,

2002; Keulartz, 2015; http://uglyanimalsoc.com/). Quando escolhidas adequada e escrupulosamente (Bowen-Jones e Entwistle, 2002; Stevens et al., 2011), tendem a atrair maior número de visitantes, servindo de embaixadores do respectivo habitat (Braverman, 2014; Lacy, 2013; Zimmermann, 2010). Por outro lado, negligenciam-se outras espécies que, nalguns casos, estão mais ameaçadas (Balmford et al., 1996; Leader-Williams et al., 2007; cf. Bowkett, 2014) e que seriam mais fáceis de manter, de reproduzir em cativeiro e de reintroduzir (Lacy, 2013) e que, geralmente, são também as menos estudadas (Martín-López et al., 2009). Estas têm potencial de criar, assim, oportunidades de conservação, educativas, de sensibilização e de angariação de fundos (Balmford et al., 1996; Gunnthorsdottir, 2001). Além disso, também estas espécies recebem atenção e são alvo de investimento por parte dos visitantes (Bowen-Jones e Entwistle, 2002; Colléony et al., 2017; cf. White, Gregory, Lindley, e Richards, 1997). Alargar o espectro de espécies albergadas em zoos proporcionaria também melhor educação para a biodiversidade (Balmford et al., 1996), dando lugar a espécies importantes e interessantes, mas desconhecidas. Portanto, as colecções dos zoos deveriam representar os seus objectivos e compromissos de conservação (Fa, Gusset, Flesness, e Conde, 2014; Keulartz, 2015; Rees, 2005). Se quiserem melhorar a sua contribuição para a conservação, é preferível que os zoos tenham menor variedade de espécies, mas com populações mais numerosas, e substituir espécies que não precisam de suporte por outras mais ameaçadas, sobretudo aquelas em que não seja possível protecção in situ adequada (Conde et al., 2011b; Conway, 1995). Desta forma, maximizariam o seu contributo para a conservação, que seria o critério mais adequado a essas instituições, dadas as restrições espaciais e financeiras a que estão sujeitos (Balmford et al., 1996; Keulartz, 2015; Leader-Williams et al., 2007). Também deveriam dar ênfase a espécies locais da região onde os zoos se encontram (CBD, 1992), no entanto, existe também um viés geográfico que privilegia as regiões mais desenvolvidas e as respectivas espécies, tanto a nível económico como científico (Conde et al., 2011a; Leader-Williams et al., 2007; Martin et al., 2014a; Seddon et al., 2014; Small, 2011).

Por tudo isto, as populações de zoos são dificilmente sustentáveis (Baker et al., 2011; Conway, 1995; Lacy, 2013; Lees e Wilcken, 2009; Traill et al., 2010), uma vez que não têm indivíduos em número suficiente e, muitas vezes, não são geridas em conjunto como metapopulações e mesmo quando são, o número de indivíduos fica aquém das recomendações (Baker et al., 2011; Balmford et al., 2011; Conde et al., 2013; Conway, 2011; Lacy, 2013; Lees e Wilcken, 2009) e, também, pelas questões comportamentais de adaptação inerentes ao cativeiro. Por isso, a contribuição dos zoos para o ex situ, a este nível, é desvalorizada por

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