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4. Estágio no CNRLI

4.3. Estágio

4.3.3. Pré-parto

Nesta fase, é fundamental preparar os cercados e todo o equipamento para os partos. Isto implica verificar a integridade de todas as caixas parideiras, o funcionamento das respectivas câmaras, sistema de som e iluminação infravermelha e preparar o edifício de criação artificial. Além disso, são tomadas medidas de precaução como a drenagem do bebedouro do campeio e colocação de uma pedra no de MP (para impedir eventual afogamento de crias), colocação de triângulos de anulação nas plataformas e pedras nos pontos mortos de visão (que as fêmeas possam achar atrativos para o parto) para impedir o acesso das fêmeas prenhes, possibilitando-nos um correcto seguimento do parto e das crias.

Também devem ser anulados locais onde as crias possam ficar presas ou ser encurraladas por um irmão aquando das lutas (vide infra). Estes procedimentos de vistoria dos cercados são feitos no período de pré-cópulas, uma vez que é fundamental manter um ambiente o mais tranquilo possível, sobretudo aquando da implantação fetal (10.º-20.º dia; Rivas et al., 2016, pág. 82). Mais tarde, é importante evitar entrar nas caixas parideiras para que as fêmeas se sintam seguras no seu interior, entrando apenas na eventualidade de haver restos de coelho.

Tendo em conta que a gestação é um período de elevado requerimento energético, é feito um incremento gradual do aporte de alimento. Assim, a partir do 21.º dia de gestação, as fêmeas deixam de fazer jejum semanal. Os casais são separados duas semanas antes da data estimada do parto e, nesse momento, a partir dob 49.º dia de gestação, tem início a alimentação ad libitum, passando a receber até dois coelhos vivos (cv) por dia. Isto corresponde a, no máximo, 1,6 a duas vezes o requerimento energético de repouso, para evitar sobrepeso. Por isso, dá-se coelho vivo ao longo da gestação de forma a estimular comportamentos naturais de caça e a manter o exercício, além de ser uma fonte de alimento mais nutritivo. Nos dois dias que precedem o parto e nos dois dias após o mesmo, dá-se coelho sacrificado e eviscerado.

A videovigilância tem um papel fundamental, permitindo detectar qualquer anomalia neste período. Assim, temos uma ficha ao nosso dispor que nos permite anotar eventos relevantes e factores de perturbação, como aqui exemplificado na Figura 17. A videovigilância também é útil para observar e registar os locais onde as fêmeas enterram o coelho, para que estes sejam comunicados aos tratadores e devidamente recolhidos. É importante fazer a sua limpeza adequada de forma a evitar fontes de contaminação.

i. Diagnóstico de gestação:

Uma vez que o Lince Ibérico apresenta corpos lúteos persistentes, os níveis de metabolitos de progesterona são um método inadequado de diagnóstico não-invasivo de gestação (Dehnhard et al., 2008; Jewgenow, Göritz, Vargas, e Dehnhard, 2009; Jewgenow et al., 2014; Pelican et al., 2009). Assim, o método de eleição é a detecção (semi-quantitativa) de PGFM nas fezes, uma vez que este metabolito da PGF2α está associado à gestação e função

placentária (Finkenwirth, Jewgenow, Meyer, Vargas, e Dehnhard, 2010; Kersey e Dehnhard, 2014; cf. Dehnhard, Naidenko, e Jewgenow, 2014). Este é um teste por imunoabsorção ligado a enzimas (ELISA, do Inglês Enzyme-linked Immunosorbent Assay) que foi desenvolvido para o diagnóstico de gestação no Lince Ibérico, válido no último trimestre de gestação e feito 10 dias antes do parto (colheita de fezes entre os dias 45 e 55 de gestação) (Finkenwirth et al., 2010; Rivas et al., 2016, pág. 110). Este poderá também ser útil em estudos de exemplares selvagens (Abáigar, Domené, e Palomares, 2010; Dehnhard et al., 2012). No CNRLI foi efectuado em amostras de fezes frescas dos 8 dias precedentes de três linces. Este confirmou a gestação da Juromenha e da Era e foi negativo para a Jabaluna e a Junquinha.

ii. Comportamentos pré-parto:

A fêmea manifesta determinados sinais comportamentais característicos desta fase, que se intensificam uma semana antes do parto. Estes comportamentos podem ser menos expressivos nas fêmeas primíparas, mas, por sua vez, estas tendem a ser mais inquietas. Estes consistem em:

- marcar o interior e exterior das várias caixas com urina e/ou barbas e esfregar barbas em ervas e arbustos,

- enterrar restos de alimento (podem não comer e enterrar coelhos inteiros e, por esse motivo, dá-se coelho sacrificado e eviscerado),

- enterrar dejectos (possivelmente para ocultar a sua presença a potenciais predadores), - inquietação (pode manifestar-se por menos descanso ou mais deslocamento

repetitivo, mas é relativa e varia consoante a fêmea; intensifica-se nos últimos dias da gestação),

- lamber mamilos (fêmeas "depilam" os mamilos em preparação para lactação, isto é, arrancam os pêlos que os rodeiam),

- lamber genitais (intensifica antes do parto),

necessário prestar atenção a potenciais zonas alternativas de parto que a fêmea possa escolher; o chão das caixas parideiras é forrado a cortiça (sem pregos nem parafusos) não só para conforto da fêmea e das crias, como também para facilitar o comportamento pré-parto de raspar o chão da parideira, podendo formar um buraco),

- tenesmo (observa-se nos 2-3 dias antes do parto; atenção e observar se sai algo), - desconforto físico (alteração frequente da postura em decúbito)

- falta de apetite, - vómito.

Estes comportamentos das fêmeas gestantes são contínua e escrupulosamente registados e descritos em fichas de preenchimento manual (Figura 18) e cadernos individuais (um para cada fêmea emparelhada) que nos permitem documentar eventos ad libitum que se considerem relevantes. Oportunisticamente, a ocorrência e a duração dos comportamentos pré-parto são registadas numa ficha para o efeito, que conta com um etograma específico para esta fase. Este registo inicia-se a partir do período de implantação embrionária.

Figura 18 - Ficha de preenchimento manual oportunista de comportamentos pré-parto (exemplo). EC: enterra comida; EH: enterra fezes; DC: desenterra comida; C: come; I: inquieta; SE: encama; AG: lambe genitais; AM: lambe mamilos; XPI: marcação parideira interior; XPE: marcação parideira exterior; V: vomita; CP: alteração frequente de postura enquanto descansa; RSP: arranha solo parideira; MSP: morde solo parideira; T: tenesmo.

Adicionalmente, como parte de um estudo em curso sobre seleção dos ninhos pelas fêmeas, dispomos de uma ficha Excel (de registo informatizado; Figura 19), de amostragem focal contínua, durante sessões de 30 minutos por hora (Artemisa e Fruta) ou a cada duas horas (Juromenha e Junquinha). São registadas todas as ocorrências de comportamentos pré- parto relevantes e localização da respetiva ocorrência (por relação de distância a potencial futuro ninho). O preenchimento destas fichas tem início dez dias antes da data estimada de parto e termina no momento em que inicia o parto. Fora do decorrer das sessões e para as restantes fêmeas (Era e Jabaluna), os comportamentos pré-parto foram documentados em fichas de preenchimento manual e nos respectivos cadernos.

Figura 19 - Ficha de selecção de ninho (exemplo preenchido). I: investigar; EF: esfregar; A: arranhar; M: morder; S: spray urina; P: parir; FV: fora de vista; ED: enterrar dejectos; EA: enterrar alimento; ENI: enterrar não indentificado; C: comer; EL: eliminar; TC: transportar cria; CU: cuidar cria; O: outro; X: fim sessão.

Para este efeito, são definidas diferentes áreas nos cercados para registo mais detalhado da localização das fêmeas. O campeio está dividido em quatro quadrantes (a linha que os divide corresponde às guilhotinas de campeio e maneio grande) e estabelece-se um perímetro imaginário em volta das CPs equivalente a dois comprimentos corporais de lince. Nas observações (e nos cadernos), devem registar-se aspectos relevantes do comportamento não mencionados na lista de que dispomos nas fichas e elementos de EA com o qual interajam.

Normalmente, as fêmeas reduzem o ritmo de actividade gradualmente até ao parto. Nos dias mais próximos do final da gestação, tendem a passar mais tempo no interior da parideira escolhida para o parto, mas o comportamento de cada fêmea varia consoante o seu temperamento. Nesta fase, devem minimizar-se as actividades no seu entorno de forma a causar-lhe o menor incómodo possível e, dependendo do seu grau de ansiedade, poderá ser necessário cessá-las completamente. Os indícios mais significativos de que o parto é iminente são tenesmo, aumento da frequência com que lambem genitais (pode haver corrimentos e também por desconforto) e inquietação. Nesta altura, poderemos ver a cauda totalmente baixa, cobrindo a região genital (cauda "colada") e, eventualmente, molhada na iminência do parto. Quando está preparada para parir, a fêmea tende a permanecer muitas horas contínuas no ninho escolhido para o parto, podendo ou não ser uma CP. Podemos observar que fica

inquieta, ofegante e pode adoptar uma postura de "oração muçulmana" (decúbito esternal com os membros posteriores levantados) e com o dorso arqueado, posições motivadas por contracções intrauterinas. Nos dias que antecedem o parto, a videovigilância deve ser intensiva e, quando estes sinais são observados, alertamos toda a equipa, uma vez que o parto é iminente.

No documento Conservação ex situ do lince ibérico (páginas 111-116)