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Conservação ex situ do lince ibérico

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Academic year: 2021

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CONSERVAÇÃO EX SITU DO

LINCE IBÉRICO

Relatório de Estágio de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Alda Maria Pereira Gonçalves

Orientação: Prof. Doutor José Manuel de Melo Henriques de Almeida

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

CONSERVAÇÃO EX SITU DO

LINCE IBÉRICO

Relatório de Estágio de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Alda Maria Pereira Gonçalves

Orientação: Prof. Doutor José Manuel de Melo

Henriques de Almeida

Composição do Júri:

Presidente: Celso Alexandre de Sá Santos

Arguente: João Alexandre dos Santos Cabral

Arguente: Filipe da Costa Silva

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As ideias contidas neste documento são originais e da minha inteira responsabilidade. Este trabalho foi escrito de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço à minha família. Não há títulos que ostente com maior orgulho do que vossa "filha" e "irmã". Agradeço à minha irmã, a pessoa que mais amo no mundo e que é o meu modelo daquilo que almejo ser na vida, como ser humano e como profissional. Agradeço aos meus pais por me permitirem seguir os meus sonhos e nunca terem desistido de mim. Obrigada aos três por todo o amor, amizade, paciência, apoio, coragem, motivação, por me ajudar a crescer e por nunca deixarem de acreditar em mim, mesmo quando eu não era capaz. Sois o pilar da minha vida e devo-vos tudo o que sou. E obrigada à Morena, Kiki, Tina, Marú e Mimi pelo amor incondicional.

Estarei eternamente grata ao Professor José Almeida, uma pessoa verdadeiramente exemplar tanto a nível académico como humano, por quem nutro uma profunda admiração e reverente respeito. Foi uma honra e um privilégio tê-lo como meu orientador. Agradeço-lhe ter-me incentivado a seguir este sonho e toda a confiança, paciência e encorajamento que me tem dado todos estes anos. Sem si este trabalho não seria possível.

Obrigada Daniela pela tua amizade fraternal. Por ti vou ao fundo de um caixote do lixo. Obrigada a ti e ao João, por fazerem de mim uma pessoa melhor e por, apesar de tudo, me dareis uma dádiva que jamais sonhei receber – aceitarem-me como sou. Sois seres humanos extraordinários e é um privilégio terdes-me aceitado nas vossas vidas.

Agradeço ao Dr. Rodrigo a oportunidade de estagiar no CNRLI, pelos conhecimentos que partilhou comigo e por todo o carinho que sempre me demonstrou e que perdurou para além da minha estadia no CNRLI. À equipa extraordinária que tive a oportunidade de integrar - Andreia, Marta, Verónica, Joana, Lara, Jan, Joana, Nereida, Pires, Sílvia, Vanessa e Lara - que partilharam comigo a sua sabedoria e me acolheram como um de vós. Um agradecimento especial à Andreia, uma profissional exímia que me deu o privilégio de partilhar comigo conhecimentos de valor incalculável, contribuindo para a revisão da tese, e a quem me orgulho de chamar amiga. À incrível família de voluntários dos quais fiz parte - Tânia, Sophia, Carles, Marco (Vítor) e, a minha professora, Inês - e aos nossos "aprendizes" - Joana, Mónica e Daniel - pelos momentos inesquecíveis de amizade, risadas, jantares, pipocas, missões nocturnas (sim, estou a falar de ti Tânia) e maratonas de Catan. E aos nossos linces. Todos vós fizestes da minha estadia no centro um dos períodos mais felizes da minha vida.

Agradeço aos amigos e profissionais exemplares que conheci em Mértola, Ana, Graça, Marisa, Nuno e Sr. António, que me receberam de braços abertos e tanto me ensinaram.

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Ao Dr. Carlos por todo o apoio, motivação e por me ter ouvido e ajudado a superar tantas dificuldades.

Agradeço a todos os cafés que me permitiram estar dias inteiros com o computador ligado, horas a fio submersa na pesquisa bibliográfica e escrita deste documento.

Estou profundamente grata a todos aqueles que ao longo dos anos estudaram e contribuiram para a conservação do Lince Ibérico, impedindo a sua extinção.

Finalmente, e acima de tudo, a todos os Linces Ibéricos e a toda a biodiversidade que povoa este Planeta.

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Resumo

A presença do homem e o impacto negativo das suas actividades são ubíquos por todo o planeta. Tendo em conta o panorama actual, espera-se que o número de espécies ameaçadas continue a aumentar e, consequentemente, haverá também um incremento no número de espécies que serão alvo de projectos de conservação com uma componente ex situ e, nomeadamente, de reprodução em cativeiro. Assim, e para estas, o exemplo de projectos bem-sucedidos poderá funcionar como um modelo base a partir do qual poderão ser estruturados.

A situação do Lince Ibérico é o eco de um problema global. É um exemplo bem documentado e representativo de uma espécie que sofreu perdas drásticas como consequência dos efeitos do homem, tanto por mortalidade directa, interferência deste no seu ecossistema com perda e fragmentação de habitat e escassez da sua presa principal, o coelho-bravo. Este, por sua vez, sofreu também um declínio populacional acentuado graças à perda de habitat, sobre-exploração e introdução de agentes patogénicos. Simultaneamente, é um caso paradigmático de como os esforços de conservação implementados no seio de um projecto multidisciplinar podem ter sucesso na sua recuperação, sendo reconhecido como um dos programas de conservação mais bem-sucedido do mundo.

O presente documento visa narrar o trabalho que se desenvolve no contexto de conservação ex situ deste projecto, relatando a minha experiência de estágio curricular no Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico. Este decorreu no seio da equipa de etologia e videovigilância, também focado numa vertente de trabalho médico-veterinário, descrevendo as actuações que lhe foram inerentes. Assim, no seu decurso, foram desenvolvidas atividades que dizem respeito ao dia-a-dia dos animais, sobretudo tendo em conta as exigências de maneio desta espécie. Além disso, no sentido de explanar a importância da intervenção médico-veterinária neste âmbito de trabalho, optei por descrever casos que se debruçam sobre situações que dizem respeito, por uma lado, a aspectos do maneio reprodutivo e comportamental, e por outro, à importância da gestão genética e demográfica da espécie.

Palavras-chave: Lince Ibérico, Lynx pardinus, CNRLI, ex situ, conservação, etologia,

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Abstract

Human presence and the negative impacts of its activities are ubiquitous throughout the world. In view of the current situation, is expected that the number of endangered species will continue to increase and, consequently, there will also be a rise in the number of species to be the target of conservation projects with an ex situ component, particularly captive breeding. Thus, the example of successful projects could serve as a template from which others can be structured.

The Iberian Lynx plight is the echo of a global problem. On the one hand, it is a well-documented and representative example of a species that suffered drastic losses as a result of the effects of human activities, both by direct mortality, interference in its ecosystem (with habitat loss and fragmentation) and lack of its main prey, the wild rabbit. They, in turn, also suffered a marked population decline as a consequence of habitat loss, over-exploitation and pathogens. On the other hand, it is a paradigmatic case of how conservation efforts implemented within a multidisciplinary project can succeed in their recovery, being recognized as one of the most successful conservation programs in the world.

This document aims to illustrate the work developed in the context of the ex situ component of this project, reporting my experience of curricular internship at the National Center for Iberian Lynx Reproduction. This was carried out within the ethology and video surveillance team, also focused on a veterinary medicine framework, describing the actions that were inherent to it. Activities that have therefore been developed during its course relate to the daily lives of the animals, particularly considering the management requirements of this species. Furthermore, in order to explain the importance of the veterinary intervention in this field of work, I have chosen to describe situations that deal with instances concerning aspects of reproductive and behavioural management in one case, and the importance of genetic and demographic management of the species on the other.

Keywords: Iberian Lynx, Lynx pardinus, CNRLI, ex situ, conservation, ethology, video

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Índice Geral

Agradecimentos ... v

Resumo ... vii

Abstract ... ix

Índice Geral ... xi

Índice de Figuras ... xiii

Índice de Tabelas ... xv

Lista de Abreviaturas, Acrónimos, Siglas e Símbolos ... xvii

1. Introdução ... 1

2. Conservação de espécies ameaçadas ... 14

2.1. Conservação in situ ... 22

2.2. Conservação ex situ ... 31

3. Lince Ibérico ... 47

3.1. Distribuição geográfica histórica e actual e evolução das populações ... 57

3.1.1. Ameaças ... 58

3.1.2. Abundância da população e estatuto de conservação ... 62

3.2. Projecto de conservação do Lince Ibérico ... 63

3.2.1. Legislação e projectos de conservação ... 64

3.2.2. Medidas de conservação ... 68

4. Estágio no CNRLI ... 77

4.1. Espaço e instalações do CRNLI ... 78

4.2. Etologia e Videovigilância ... 81

4.3. Estágio ... 88

4.3.1. Maneio geral de residentes ... 88

4.3.2. Maneio de reprodutores ... 90

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4.3.4. Parto ... 96

4.3.5. Pós-parto ... 97

4.3.6. Período agonístico precoce ... 101

4.3.7. Desenvolvimento de comportamento predatório ... 104

4.3.8. Treino de reintrodução para libertação ... 106

5. Medicina Veterinária na conservação do Lince Ibérico ... 107

5.1. Enquadramento da importância dos Médicos Veterinários na Conservação ... 107

5.2. Actuação in situ no âmbito do projecto de Conservação do Lince Ibérico ... 111

5.3. Actuação ex situ, incluindo o estágio no CNRLI ... 115

6. Conclusão ... 125

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Índice de Figuras

Figura 1 - Categorias de risco de extinção da Lista Vermelha da IUCN.. ... 20

Figura 2 - Lince Ibérico.. ... 49

Figura 3 - Diferentes padrões de pelagem. ... 49

Figura 4 - Jacarandá, Katmandú e Nossa, a respectiva cria, em Mértola ... 50

Figura 5 - Mapa ilustrativo das dispersões de Linces ibéricos pela península Ibérica. ... 52

Figura 6 - Distribuição estimada das populações de Lince Ibérico na península Ibérica na 2.ª metade do séc. XX. ... 58

Figura 7 - Principais causas de mortalidade do Lince Ibérico. ... 62

Figura 8 - Cartaz da campanha nacional “Salvemos o Lince e a Serra da Malcata” ... 64

Figura 9 - Logótipos dos projectos Life Lince e Life Iberlince. ... 67

Figura 10 - Mapa das zonas de reintrodução. Distribuição das populações de Lince Ibérico . 75 Figura 11 - Evolução do número total de linces e mortes entre 2002-2018. ... 76

Figura 12 - Instalações que compõem o complexo do Centro Nacional do Lince Ibérico. ... 78

Figura 13 - Cercado com identificação de diferentes elementos. ... 80

Figura 14 - A: Exterior da CP. B: Interior da CP. C: Interior do EP. ... 80

Figura 15 - Complexo de cercados e respectivos linces residentes e detalhe dos cerdados das linhas Norte e Sul. ... 81

Figura 16 - Cabeçalho da ficha de etograma. ... 87

Figura 17 - Ficha de registo de eventos. ... 92

Figura 18 - Ficha de preenchimento manual oportunista de comportamentos pré-parto ... 94

Figura 19 - Ficha de selecção de ninho. ... 95

Figura 20 - A: Ficha de registo informático de lactação e allogrooming. B: Ficha para registo manual do tempo sem mãe. ... 98

Figura 21 - Ficha de ontogenia do Lince Ibérico. ... 100

Figura 22 - A: Ficha de registo de comportamentos pré-lutas. B: Avaliação das lutas. ... 103

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Índice de Tabelas

Tabela 1 - Categorias de áreas protegidas definidas pela IUCN. ... 23 Tabela 2 - Crias nascidas na época 2015/2016 e respectivas data e local de reintrodução. ... 106 Tabela 3 - Agentes infecciosos (vírus, bactérias e fungos) e parasitários ... 112

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Lista de Abreviaturas, Acrónimos, Siglas e Símbolos

AZA - Association of Zoos and Aquariums CBD - Convention on Biological Diversity CBSG - Conservation Breeding Specialist Group

CITES - Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora COP - Conference of the Parties

EAZA - European Association of Zoos and Aquariums

EEP - Europäisches Erhaltungszucht–Programm ou European Endangered Species Programme

ELISA - Enzyme-linked Immunosorbent Assay ESB - European Studbook

EW - Extinct in the Wild

ICS - International Commission on Stratigraphy

ICNF - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas IMP - Intensively Managed Population

IPBES - Intergovernmental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services ISRS - Inibidores Selectivos da Recaptação da Serotonina

IUCN - International Union for the Conservation of Nature IUDZG - International Union of Directors of Zoological Gardens IUPN - International Union for the Protection of Nature

MA - Millennium Ecosystem Assessment MVP - Minimum Viable Population

OGM - Organismo Geneticamente Modificado OIE - Organização Mundial de Saúde Animal PVA - Population Viability Analysis

SLOSS - Single Large or Several Small SSC - Species Survival Comission SSP - Species Survival Plan TAG - Taxon Advisory Group

TEEB - The Economics of Ecosystems and Biodiversity UNEP - United Nations Environment Programme WAZA - World Association of Zoos and Aquarium

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1. Introdução

Desde os seus primórdios e ao longo de toda a história, o ser humano sempre demonstrou fascínio pela Natureza e tudo que a compõe. Desde as pinturas rupestres, passando por várias religiões e crenças de todo o mundo, os animais, domésticos ou selvagens, reais ou mitológicos, sempre povoaram o nosso imaginário, adquirindo um simbolismo próprio de cada cultura e período histórico, de acordo com a sua percepção dos mesmos (Schwabe, 1994; Walsh, 2009). De facto, os lugares selvagens e os animais que neles habitam despertam em nós sentimentos contraditórios de dualidade. Para uns biofobia (sensu Zhang, Goodale, e Chen, 2014), instintiva ou adquirida, fonte geradora de conflitos e um obstáculo ao progresso do homem, sobretudo da produção agro-industrial, desenvolvimento económico, urbanístico e de infra-estruturas. Para outros, uma atracção pela sua beleza e admiração reverente perante a sua grandiosidade e imponência, por algo que nos transcende, ou a busca de um elo perdido com um modo de vida longe das construções artificiais, sociais e físicas da civilização moderna (Cronon, 1995; Keltner e Haidt, 2003).

Desde antes da sua domesticação, já o homem mantinha relações de empatia com animais e tinha iniciado uma ligação com diversas espécies, que inclui cuidado, companhia, adopção e comportamento aloparental interespecífico (Shipman, 2010; Vining, 2003). Além disso, também criámos uma estreita relação com várias espécies animais, através da sua domesticação para fins utilitários tão variados como alimentação (leite, ovos, carne), vestuário, agricultura (animais de carga e tracção), caça (cães, chitas, cavalos, aves de rapina), transporte, defesa, comunicação (pombos), entretenimento (caça desportiva, circos), guerras (cavalos, cães, elefantes), fins medicinais (reais ou fundados em crenças), como moeda de troca, religiosos, simbólicos (estatuto) e estéticos (ornamental). Esta relação mostrou-se benéfica para o homem, constituindo uma vantagem adaptativa em diversas fases da nossa evolução (Shipman, 2010), mas tem vindo a alterar-se com o aumento progressivo da percentagem urbana da população. Efectivamente, nos dias de hoje, pouco mais de metade da população mundial vive em cidades e aglomerados urbanos (United Nations, 2018), onde a fauna é predominantemente não autóctone e cada vez mais homogénea (Quammen, 1998) estando, por isso, depauperados de biodiversidade (Turner, Nakamura, e Dinetti, 2004). Assim, o único contacto que a maioria das pessoas tem com animais selvagens (sensu Kreger e Hutchins, 2010) é através de visitas aos jardins zoológicos e aquários, que representavam em 2011, 700 milhões de visitantes, gerando, anualmente, 350 milhões de dólares para fins de conservação

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(Gusset e Dick, 2011; cf. Smith, 2013). Esses laços afectivos são cada vez mais fortes, procurados e valorizados, sendo centrais em vários aspectos da vida contemporânea (Walsh, 2009). Isto é evidente pelo aumento da procura de animais de companhia nos últimos anos, principalmente pelas populações urbanas, sendo que, actualmente, mais de metade da população mundial tem um animal de estimação (GFK, 2016), que equivale a um investimento superior a 109 mil milhões de dólares anuais (Wolf, 2018). Estes factos reforçam os inúmeros benefícios que essa íntima associação nos proporciona, incluindo valor terapêutico (Walsh, 2009), e reflecte um anseio por uma relação mais próxima com a Natureza (Vining, Merrick e Price, 2008), sendo os animais uma via de ligação emocional a esta (Walsh, 2009). Também o turismo de Natureza tem tido uma procura cada vez mais significativa, trazendo igualmente benefícios para a saúde humana (Hamann e Ivtzan, 2016; Millennium Ecosystem Assessment [MA], 2005a; Shanahan et al., 2016).

Por outro lado, à medida que a espécie humana se desenvolveu, mudou também a sua percepção da Natureza, da veneração ao domínio utilitarista e antropocêntrico. Desde a criação da agricultura que, cada vez mais, vemos plantas e animais como um conjunto de recursos e serviços dos quais dependemos para a nossa sobrevivência e desenvolvimento e, como tal, pertencem-nos e devem estar ao nosso dispor. Além disso, a Natureza é vista como algo que o Homem tem que transcender (Ingold, 1994) e, de certa forma, conquistar. À medida que a população foi crescendo e nos fomos distribuindo por todo o mundo, criámos sociedades cada vez mais complexas, devido à nossa natureza ultrassocial (Gowdy e Krall, 2016). Desta forma, fomos consumindo cada vez mais esses recursos, não poucas vezes à custa da sobrevivência da fauna e flora locais, e até alterando, de forma irreversível, a paisagem da região (Rotherham, n.d.). Mas, até aí, as consequências só se faziam sentir a nível local e regional (Rotherham, n.d.). Mais tarde, com as Revoluções Agrícola e Industrial - e consequente aumento da produção de alimentos e outros bens a baixo custo, grandes avanços tecnológicos, urbanização, desenvolvimento da medicina e melhoria das condições sanitárias -, melhorámos as condições de vida e, desta forma, a população aumentou drástica e exponencialmente (aumento da natalidade e redução da mortalidade). Com o aumento da densidade populacional, aumentou também, proporcionalmente, a interferência com o meio ambiente pela necessidade e consumo de recursos (Ceballos et al., 2015). Além disso, a aprendizagem da manipulação e controlo da energia nas suas diferentes formas facilitou e aumentou em muito a escala da sua exploração (Malm, 2015; Raupach e Canadell, 2010). Do mesmo modo, a produção de lixo e o desperdício vão ser directamente proporcionais ao

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consumo de recursos (mais de um terço da comida produzida é perdida numa das diferentes fases da cadeia de produção; Food and Agriculture Organization, 2013) que, por sua vez, também requerem espaço e recursos para tratamento dos resíduos, com consumos energéticos avultados e produção de dióxido de carbono (CO2) e outros gases com efeito de estufa.

Consequentemente, exige-se mais do planeta a todos os níveis, que se reflecte, acima de tudo, em termos de espaço, alimentação, água, energia e matérias-primas como materiais de construção e fibras. Esta sobreexploração de recursos e a sua capitalização, agravada pelo consumismo, sobretudo dos países desenvolvidos (Rosa, York, e Dietz, 2004), cria um modelo económico insustentável, de modo a satisfazer as exigências cada vez maiores destes indivíduos e onde tudo se torna fácil de conseguir, descartável e substituível. Este facto, aliado ao distanciamento das populações citadinas com o mundo natural, levou ao seu esgotamento gradual e exponencial, que viria a ter consequências desastrosas para a Natureza, desta vez, a nível global – a denominada “pegada humana” (Rotherham, n.d.; Sanderson et al., 2002).

A dinâmica da perda de biodiversidade, que dela resulta, é multifactorial e, por isso, complexa. A sua origem é sobretudo antropogénica e, portanto, os principais factores que a causam tendem a variar no espaço, no tempo e nas espécies que afectam (Balmford e Bond, 2005), por uma diversidade de influências sociais, culturais, religiosas, políticas e económicas de cada região. Estes factores directos foram descritos de forma magistral por Jared Diamond, tendo-os classificado em quatro categorias que intitulou “quarteto do mal” (Diamond, 1984 apud Caughley, 1994):

1. sobreexploração: esta pode ocorrer por pesca, colheita, caça e captura excessivas, legais ou furtivas (para consumo alimentar, desporto e recreação, fins medicinais, tráfico de partes ornamentais ou animais de estimação; Ripple et al., 2016a), ou por conflitos com a fauna local (vista como ameaça ou competição; sobretudo animais de grande porte e/ou carnívoros). Geralmente existe uma selecção destes indivíduos com base em certas características fenotípicas (por exemplo, maior dimensão; Stockwell, Hendry, e Kinnison, 2003) e, no que diz respeito à fauna, na idade dos indivíduos, predominantemente adultos (Darimont, Fox, Bryan, e Reimchen, 2015). As espécies mais vulneráveis são mamíferos de grande porte (têm uma menor taxa de incremento e reposição populacional), espécies insulares (vivem numa área limitada e, geralmente, não têm predadores, são mais acessíveis, indefesos e sem medo), raras (Hall, Milner-Gulland, e Courchamp, 2008) e de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento (Ripple et al., 2016a; Sodhi, Brook, e Bradshaw,

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2009). Este comportamento representa uma selecção artificial de determinados indivíduos em detrimento de outros, que vai ter repercussões no fenótipo das espécies (um exemplo disso é a dimensão das presas no elefante-africano; Chiyo, Obanda, e Korir, 2015; England, 2016; Jachmann, Berry, e Imae, 1995; entre outros, Coltman et al., 2003), tendo um forte impacto na sua sobrevivência e, consequentemente, nos ecossistemas (Darimont et al., 2015). A preferência humana pelos espécimes com os melhores atributos característicos da espécie, aliada à superioridade do seu comportamento predatório, faz com que se inverta este processo de selecção natural e que sejam estes, mais aptos, os que são eliminados, alterando o curso da evolução e levando à defaunação (Darimont et al., 2015).

2. degradação e perda de habitat: pode ocorrer para criar terrenos para agricultura (o factor mais preponderante; Green, 2005), pecuária (elevada demanda de carne, cada vez maior, sobretudo nos países em desenvolvimento; Ehrlich e Ehrlich, 2013; Green, 2005), indústria das madeiras/resinas/borracha, exploração mineira e de combustíveis fósseis, urbanização, áreas recreativas (campos de golfe, por exemplo), infra-estruturas (barragens, estradas, linhas de comboio, redes eléctricas, etc.) e também para aterro (Rosa et al., 2004). Desde o advento da agricultura que nos tornámos altamente dependentes dela (MA, 2005a), tendo esta, inclusivamente, moldado o comportamento da nossa espécie (Gowdy e Krall, 2016). O seu fim é “a aquisição de recursos naturais para necessidades humanas imediatas, muitas vezes em detrimento das condições ambientais” (Foley, 2005; tradução livre pela autora), e à custa da sua progressiva e crescente degradação. Hoje em dia, o mercado está à mercê das exigências dos consumidores e do valor das matérias-primas. Com a globalização, a agricultura implica a produção intensiva de produtos em solos e climas desadequados, com consumo excessivo de água, levando ao desvio e depleção das reservas aquíferas. Por outro lado, leva à desflorestação de grandes áreas para plantação de monoculturas e transporte dos respectivos produtos para distintas partes do globo. As consequências mais comuns destas modificações são perda qualitativa (recursos) e quantitativa (área) de território disponível para as diferentes espécies, erosão dos solos (Pimentel, 2006), alteração de microclimas e fragmentação dos habitat. Esta última, apesar de, por si só, não causar directamente a extinção das populações que ocupam essa área, resulta numa paisagem irregular de fragmentos descontínuos, não ligados entre si, que se comportam como “ilhas continentais”. Desta forma, aumenta o isolamento das populações, assim mais acessíveis ao ser humano, com número reduzido de indivíduos e consequente diminuição da variabilidade genética das mesmas, uma vez que não têm dimensões para albergar densidades populacionais suficientes,

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no caso de espécies com grandes territórios (Sodhi et al., 2009). Estas limitam a capacidade de migração e dispersão e, por conseguinte, o fluxo de indivíduos entre populações, alterando as suas dinâmicas populacional e genética (Stockwell et al., 2003). Assim, tornam-se mais frágeis a eventos de natureza abiótica e ocorre a diminuição da taxa de especiação (Rosenzweig, 2001). O resultado é um retalho de terrenos com diferentes usos, em que restam poucas áreas selvagens contínuas com dimensões ecologicamente significativas (Sanderson et al., 2002; Stockwell et al., 2003).

3. impacto de espécies exóticas: estas, quer sejam plantas, animais ou microrganismos, foram muitas vezes introduzidas pelo ser humano, de forma intencional ou acidental, em regiões que se encontram fora da extensão do seu habitat natural. As mesmas podem tornar-se invasoras, isto é, quando o seu impacto é prejudicial para as restantes espécies nativas do ecossistema que agora ocupam (podem tornar-se dominantes sobre as outras), quer seja por competir por alimento, serem predadores, por destruição do habitat, propagarem doenças infecciosas, interferências na cadeia alimentar e/ou por causar alterações genéticas como depressão híbrida, por cruzamento com indivíduos de populações autóctones (Caughley, 1994; Simberloff, 2015; Williams et al., 2015). Tendem, assim, a reduzir a biodiversidade e complexidade dos ecossistemas que ocupam. No geral, têm em comum certas características: "reproduzem-se rapidamente, têm boa capacidade de dispersão, tolerância a um alargado espectro de condições ambientais, sendo particularmente bem-sucedidas em ambientes alterados pelo homem, e são muito resistentes à erradicação uma vez instaladas". São também "agressivas, generalistas, oportunistas e prolíficas" (Quammen, 1998; tradução livre pela autora). Há quem considere que o ser humano é a espécie invasora por excelência (Williams et al., 2015). Este factor não só é causador directo de diversas extinções (54% de 170 espécies extintas, sobretudo em ilhas; Sodhi et al., 2009) como é de muito difícil resolução (Hayward, 2011). No entanto, a definição de espécie invasora, e a validade e utilidade do conceito, têm sido debatidas (Davis et al., 2011; cf. Preston, 2009), sobretudo no contexto da região onde se encontram (Garzón-Machado, del-Arco-Aguilar, e Pérez-de-Paz, 2012), das alterações climáticas, da criação de "novos ecossistemas" (em oposição à sua distribuição histórica) e à luz de dados de paleobiologia (Barnosky et al., 2017).

4. cadeias de extinção (cascatas tróficas e coextinções): quando a extinção de uma espécie causa a extinção de outra(s) num nível trófico diferente, da qual depende, quer seja presa, predador, polinizador, dispersor, necrófago, parasita, etc.. Estas são o reflexo da interdependência entre diferentes espécies que compõem um ecossistema (Stork, 2009; Young,

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McCauley, Galetti, e Dirzo, 2016).

Além destes, há que acrescentar outros factores que têm um forte impacto no aumento da taxa de declínio da biodiversidade e que têm ganhado cada vez mais importância:

- alterações climáticas: a emissão em larga escala de gases com efeito de estufa (sobretudo CO2 e metano), como consequência de actividades humanas, potencia este

fenómeno natural, resultando num aumento exponencial da temperatura na superfície terrestre e da água do mar. Este poderá vir a ser o factor mais importante de defaunação (Stork, 2009; Young et al., 2016). Todos os organismos estão adaptados a viver dentro de determinados parâmetros de requisitos ambientais como temperatura, precipitação, fotoperíodo e sazonalidade - designado “invólucro climático” (Thomas et al., 2004) -, fora dos quais a sua sobrevivência fica comprometida (Brook, Sodhi, e Bradshaw, 2008; Sodhi et al., 2009). Provocam, por exemplo, alterações comportamentais fenológicas (nos padrões migratórios, reprodutivos, hibernações) e na distribuição das espécies pelo globo. Afecta, sobretudo, espécies com uma distribuição restrita, endémicas, com territórios de pequena dimensão e pouca capacidade de dispersão (Urban, 2015), nomeadamente marinhas, polares, de montanha e de climas húmidos (Parmesan, 2006). Esta, por sua vez, corresponde a uma perda efectiva de habitat, uma vez que afecta a habitabilidade do presente território onde se encontram, não por destruição física do mesmo, mas por alterações na composição dos ecossistemas, que obriga a uma redistribuição geográfica. O novo território poderá não ter um conjunto de características indispensáveis para a espécie, sobretudo no caso de biomas para os quais não existe nenhum análogo (Thomas et al., 2004). Esse será constituído por novos agregados de diferentes espécies, que irá resultar em novas e inéditas interações entre indivíduos, podendo alterar a estrutura das cadeias alimentares e dar origem a incompatibilidades tróficas (Parmesan, 2006), prejudicando sobretudo ecossistemas nos quais as espécies desenvolveram interdependência por processos de coevolução. Por outro lado, as alterações climáticas resultam também em fenómenos meteorológicos extremos, onde anteriormente não ocorriam, ou em zonas que foram profundamente alteradas pelo homem e que, como tal, estão mais vulneráveis aos mesmos. Tudo isto, por sua vez, poderá levar à extinção de populações que foram reduzidas pelos restantes factores (anteriormente descritos) e que estão impossibilitadas de migrar pela destruição e fragmentação do seu habitat e das zonas envolventes (Opdam e Wascher, 2004; Thomas et al., 2004), que corresponde à 2.ª fase de extinção - estocástica (Rosenzweig, 2001). Além disso, estas condições podem facilitar a invasão de espécies

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exóticas, com as consequências que isto acarreta (Thomas et al., 2004). O problema reside não só na magnitude, mas, acima de tudo, na elevada taxa (ritmo acelerado) a que estas alterações ocorrem, impossibilitando o desenrolar dos normais processos evolutivos e de seleção natural, de forma a desenvolver uma resposta adaptativa adequada às novas condições do meio por parte das espécies. Sobretudo considerando que, tendo já sofrido perda considerável de variabilidade genética, estas limitam a sua capacidade de adaptação às novas condições em que se encontram (Parmesan, 2006). Já se verificaram adaptações locais a estas mudanças (respostas ecológica e evolutiva) (Parmesan, 2006; Stockwell et al., 2003), por exemplo, sob a forma de alterações morfológicas (Sodhi et al., 2009), mas que não ocorreram na espécie como um todo, corroborado pela extinção de populações vulneráveis. Isto acontece porque a maioria das espécies prioriza, sempre que possível, a mudança de território de forma a acompanhar as alterações climáticas em vez de permanecer no seu habitat actual, seleccionando formas mais adaptadas às novas condições (Opdam e Wascher, 2004; Parmesan, 2006). Portanto, a sobrevivência da espécie vai estar dependente do sucesso de cada indivíduo em encontrar um novo habitat que lhes seja favorável (capacidade de dispersão de cada espécie; Parmesan, 2006) e, também por isso, a redistribuição das várias espécies de um ecossistema vai ser diferente entre si e, como tal, têm que ser estudadas de forma individual (Thomas et al., 2004). No entanto, e apesar de ser considerada indiscutível pela maioria da comunidade científica (Cook et al., 2016; Nuccitelli, 2016; Parmesan, 2006, e respectivas referências), este continua a ser um tema controverso para alguns (sobretudo fora dela), que defendem a natureza inerentemente dinâmica e mutável do clima. A subida crescente da temperatura seria, portanto, resultado de fenómenos naturais de ciclicidade climática, após o fim daquela que poderá ter sido uma “pequena idade do gelo” (Neukom et al., 2014; Rotherham, n.d.). Há, ainda, quem advogue que o aquecimento global seria o resultado de fenómenos antropogénicos e, simultaneamente, naturais (Stott et al., 2000).

- poluição: pode ser atmosférica, sonora, luminosa, do solo e da água (World Wildlife Fund, n.d.). A última resulta de resíduos provenientes dos esgotos, lixos (urbanos e industriais) e da actividade agrícola (como fósforo e azoto, sobretudo com origem no uso excessivo de fertilizantes). Os últimos acumulam-se por lixiviação e resultam na eutrofização das águas por excesso de nutrientes, levando à proliferação de algas que são nocivas quer pela produção de toxinas, quer pela sua elevada bioacumulação (Glibert, Anderson, Gentien, Granéli, e Sellner, 2005; Lake Scientist, 2010), uma vez que, quando se decompõem, consomem o oxigénio da água (Mack, 2010), impedindo a sobrevivência das restantes espécies aquáticas. Com a

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intensificação da agricultura, tem aumentado também o número destas “zonas mortas” (Convention on Biological Diversity [CBD], n.d.a; Young et al., 2016). Além disso, os lixos urbanos depositados no ambiente comprometem a sobrevivência de muitas espécies animais, sobretudo marinhas, que têm o problema acrescido de substâncias tóxicas despejadas directamente no mar ou em efluentes a montante (pesticidas, herbicidas, fertilizantes químicos, detergentes, óleos, esgotos, fármacos, plásticos e outros objectos sólidos; National Geographic Society [NG], 2010; Young et al., 2016), que inevitavelmente vão contaminar os oceanos. A poluição atmosférica inclui a libertação de gases com efeito de estufa, nomeadamente CO2 (sobretudo com origem em combustíveis fósseis) e metano (com origem

na actividade pecuária, produção de arroz, aterros sanitários, etc.; Ripple et al., 2013), entre outros gases poluentes como o dióxido de enxofre (um dos componentes do smog e causador de chuvas ácidas; NG, n.d.).

- sinergias entre estes factores: estes agentes, quando combinados, podem actuar de forma sinérgica, potenciando-se mutuamente, de forma que o efeito total que causam é maior que a soma de cada uma das partes (Brook et al., 2008). Estes processos são muito complexos e, como tal, ainda não são totalmente compreendidos (Dirzo et al., 2014). A acção do Homem é de tal maneira assoberbante que, no mesmo local, podem actuar vários destes factores concomitantemente. Quanto maior for o número, variedade e intensidade das ameaças, maior o risco de extinção das espécies desse ecossistema (Jono e Pavoine, 2012). Os habitat estão de tal forma adulterados, que já não basta, como se pensava, retirar os agentes agressores para os ecossistemas regressarem a um equilíbrio saudável (Redford et al., 2011). Eventos de extinção em massa, verificados ao longo da história da Terra, podem ter sido fruto de diferentes eventos que actuaram de forma sinérgica (Barnosky, 2004; Barnosky et al., 2011; Gibbons, 2004; cf. Johnson et al., 2016).

As regiões mais vulneráveis do globo foram denominadas "pontos críticos de biodiversidade" (Myers, 1988; Myers, Mittermeier, Mittermeier, da Fonseca, e Kent, 2000; cf. Grenyer et al., 2006), definidas como áreas com elevadas concentrações de espécies endémicas, mas que, ao mesmo tempo, sofrem perdas de habitat em grande escala. Foram identificadas 25 áreas com esta designação, que constituem 1,4% da superfície terrestre (Myers et al., 2000). Estas são consideradas áreas prioritárias de conservação (Brooks et al., 2006), onde o retorno do investimento seria mais significativo e onde, portanto, seria imperativo agir. De entre estas, tem sido dada particular ênfase na literatura às florestas

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tropicais, uma vez que são as áreas terrestres que albergam maior biodiversidade (Ceballos, Ehrlich, e Dirzo, 2017; Laurance, 2007) e uma população humana em crescimento (Cincotta, Wisnewski, e Engelman, 2000; cf. Laurance, 2007), estando, portanto, sujeitas a maiores pressões. No geral, estas regiões coincidem com países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, mais vulneráveis pelas elevadas densidade populacional e taxa de pobreza extrema (cf. Rosa et al., 2004). No seu conjunto, resultam numa maior dependência do sector primário da economia, isto é, dos recursos naturais disponíveis directamente no seu entorno para a sua subsistência e, por isso, tendem também a ser os locais onde ocorrem mais conflitos com a fauna local. No entanto, há outros factores mais significativos de desflorestação, como a exploração de recursos para suprir a demanda mundial de certos bens de consumo (Laurance, 2007). Além disso, a prevalência de corrupção torna-os mais vulneráveis às pressões da globalização e do capitalismo, e leis menos severas fazem com que essas actividades ilegais se tornem mais atractivas e fáceis de desenvolver nesses países (Eklund, Arponen, Visconti, e Cabeza, 2011; Smith, Muir, Walpole, Balmford, e Leader-Williams, 2003; Smith e Walpole, 2005; cf. Ferraro, 2005).

Por tudo isto, a extensão da nossa influência no planeta é inegável e o seu impacto, omnipresente, não havendo lugar no mundo em que, directa ou indirectamente, essa não se faça sentir (González-Alonso et al., 2017). As perdas de biodiversidade ocorrem em tal escala que se fala num evento de 6.ª extinção, sendo que, desta vez, a causa é antropogénica. Este conceito tem sido alvo de vários estudos científicos, sendo que uns o corroboram (Ceballos et al., 2015; Ceballos, García, e Ehrlich, 2010; Myers, 1990; Pimm, Russell, Gittleman, e Brooks, 1995) enquanto outros o criticam (Barnosky et al., 2011; Simon, 1995; Stork, 2009). Este valor poderá, no entanto, ser superior ao esperado devido a um fenómeno denominado “dívida de extinção”, isto é, quando a extinção efectiva ocorre muito depois da agressão ao ecossistema daquela espécie (Tilman, May, Lehman, e Nowak, 1994), uma vez que não existem indivíduos em número viável para serem funcionais e sustentáveis a longo prazo no seu ecossistema (Ceballos et al., 2015). A extinção de espécies e populações é um fenómeno natural e faz parte dos processos de equilíbrio de todos os ecossistemas, que pautam o normal processo de evolução (balanceado pela especiação). Actualmente, o seu valor é agravado pela diminuição da taxa de especiação, que não vai conseguir colmatar a presente taxa de extinções (Pievani, 2014; Rosenzweig, 2001). Do mesmo modo, à medida que fomos alterando a face do planeta, fomo-nos tornando uma enorme força transformadora, que domina quase todos os aspectos do planeta, e capaz de redirecionar o curso da vida (Stockwell et al., 2003).

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Constituímos, assim, uma importante pressão evolutiva (Hart, 2016; Palumbi, 2001) que, de forma intencional ou involuntária, altera o curso normal da selecção natural, criando fortes pressões selectivas (modificação dos habitat, aumento da temperatura, etc.) às quais as espécies terão que se adaptar ou morrer (Bell e Collins, 2008).

De forma a reflectir, entre muitos outros aspectos (Steffen, Broadgate, Deutsch, Gaffney, e Ludwig, 2015), esta perda galopante de biodiversidade que estamos a testemunhar, há quem, tanto na comunidade científica como fora dela, queira denominar este período geológico “Antropoceno”. O Homem, sobretudo de países desenvolvidos, é, discutivelmente (Malm, 2015), o seu principal responsável. Este é uma nova força geológica com a capacidade de transformar o planeta (Ehrlich e Ehrlich, 2013; The Anthropocene Working Group, 2014; Williams et al., 2015) construindo “antromas”, um neologismo que designa as áreas dominadas e modificadas pelo Homem (Williams et al., 2015), com ecossistemas humanos que lhe são característicos (Stepp, Jones, Pavao-Zuckerman, Casagrande, e Zarger, 2003). Este foi criado em oposição aos biomas (ecossistemas naturais e selvagens), deixando claro o sentimento de separação entre o Homem e a Natureza (Vining, 2003). Além disso, caracteriza-se por movimento de espécies, com trocas transcontinentais de fauna e flora que resultam numa homogeneização crescente da biota terrestre (Lewis e Maslin, 2015), e pela criação de materiais sintéticos como plásticos, fibras, fármacos, pesticidas e Organismos Geneticamente Modificados (OGM). O termo “Antropoceno” (Crutzen e Stoermer, 2000; Syvitski, 2012) tem ganhado um sem-número de seguidores, sendo largamente usado desde então em publicações tanto científicas como do domínio público. Apesar de cimentado no uso corrente e informal, os seus defensores têm lutado para que seja abraçado também pela comunidade científica de forma oficial e unânime, pela força que esse selo de garantia lhe conferiria. No entanto, é uma proposta controversa e muito debatida, sendo que não foi oficialmente aceite pela Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS, do Inglês International Commission on Stratigraphy) (Autin e Holbrook, 2012; Finney e Edwards, 2016). Entre outros motivos, é aconselhada cautela no uso deste termo antropocêntrico (Casagrande, Jones, Wyndham, Stepp, e Zarger, 2017; Finney e Edwards, 2016), por atribuição de conotações indesejadas e consequências negativas que daí poderiam advir (Casagrande et al., 2017; Lewis e Maslin, 2015; Syvitski, 2012), resultando num efeito contraproducente (Casagrande et al., 2017). Por outro lado, este termo e a datação do seu início, que está também em causa (Finney e Edwards, 2016; MA, 2005a, pág. 2; Steffen et al., 2015; Steffen, Crutzen, e McNeill, 2007; The Anthropocene Working Group, 2014) tem implícita uma atribuição de responsabilidades e define a sua

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narrativa (Lewis e Maslin, 2015). A generalização das culpas a todo o ser humano, implícita no termo escolhido, mascara as desigualdades cada vez mais marcadas dos seus membros, sobretudo no que à parte económica diz respeito (Malm, 2015). Pode, por isso, resultar na demonização da espécie humana como um todo (classificada como “praga”, “vírus”, “cancro” ou até equivalente a um cataclismo) e que, por sua vez, resulta em medidas activistas extremas e conflitos irreconciliáveis entre posições opostas. Esta tendência de culpabilização, sobretudo do Homem civilizado corrompido pela sociedade moderna, tem precedentes na história sob a forma do “mito do bom selvagem”, expresso por pensadores como Jean-Jaques Rousseau. É, por isso, considerada uma classificação prematura, que poderá não trazer quaisquer benefícios (Autin e Holbrook, 2012).

Apesar da controvérsia, e independentemente de como queiram (ou não) apelidar este período, é necessário reconhecer que estes factores constituem os elementos de catálise que, se não forem de alguma forma mitigados, levarão à extinção progressiva de uma miríade de espécies e populações - processo também designado por defaunação (Dirzo et al., 2014; Young et al., 2016) - e alteração dos ecossistemas, com toda a sucessão de possíveis consequências que isso poderá acarretar. Com estas acções estamos, assim, a pôr em causa a nossa sobrevivência (cf. Quammen, 1998), condenando, ao mesmo tempo, milhares de espécies ao perecimento. Tal como todas as restantes espécies de fauna e flora, somos biodependentes, isto é, a nossa sobrevivência depende, directa e indirectamente, do mundo natural para fornecer e regular serviços básicos, denominados "serviços dos ecossistemas": provimento de recursos (água, alimento), de regulação (cheias, clima, qualidade da água, doenças), de suporte (formação de solos e ciclos de nutrientes) e culturais (recreativos, espirituais, religiosos entre outros benefícios imateriais) (Cardinale et al., 2012; MA, 2005a). O património intangível que diz respeito à sua funcionalidade pode parecer, numa sociedade tão monetizada (Turnhout, Waterton, Neves, e Buizer, 2013), que não tem qualquer valor aparente, mas é um elemento transversal a todos os seres vivos. Estes constituem os processos complexos que, no seu conjunto, sustentam a vida no planeta e que nos são imprescindíveis, regulando funções fundamentais que a mantêm, como a estabilidade do clima, ciclo do carbono e azoto, composição atmosférica, qualidade da água e ciclo hidrológico, qualidade do ar, composição e qualidade dos solos, polinização, etc. (Dirzo et al., 2014; MA, 2005a; Young et al., 2016). Outros recursos que a Natureza nos fornece são alimento, fibras, materiais de construção, areia, minério, combustíveis fósseis (carvão, gás natural e petróleo) e outras fontes de energia abióticas (água e vento) e bióticas (animais), saúde (qualidade do ar e água,

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e também no controlo de doenças infecciosas e seus vectores; Dobson et al., 2006; MA, 2005a), entre outros. Assim, a transformação do planeta acarreta consigo um conjunto de consequências, umas mais evidentes, como a escassez dos recursos que nos permitem prosperar (não só necessidades presentes, como também a perda de possíveis futuras descobertas), e outras menos óbvias, como a disrupção destas cadeias ecológicas que mantém a estabilidade dos ecossistemas que, por sua vez, tornam possível a sobrevivência e manutenção das diferentes formas de vida, incluindo, evidentemente, a nossa (Cardinale et al., 2012; CBD, 1992, pág. 1; Dirzo et al., 2014; Hooper et al., 2012; Young et al., 2016).

Este empobrecimento biótico resulta também no fenómeno da "extinção da experiência" (Miller, 2005; Samways, 2007; Soga e Gaston, 2016) e na "síndrome de amnésia ambiental geracional", isto é, a experiência de uma geração passa a ser o ponto de referência a partir do qual a degradação ambiental é paragonada mais tarde na vida (Miller, 2005). Tendo em conta o papel simbólico e emocional que a Natureza tem nos seres humanos, o seu desaparecimento resulta na perda de ligação e contacto com a Natureza, e consequente descontentamento e apatia perante a mesma, afectando, ao mesmo tempo, a saúde e bem-estar físicos e mentais do Homem (Miller, 2005; Soga e Gaston, 2016). Actualmente já presenciamos este fenómeno, sendo bem patente nas populações urbanas dos países desenvolvidos, não só pela separação física, mas também por vários aspectos culturais das sociedades modernas ocidentais (Miller, 2005; Soga e Gaston, 2016). Ocorre também a dessensibilização e cansaço por repetição excessiva de mensagens negativas acerca da degradação do meio ambiente, que pode resultar num distanciamento emocional, sendo, por isso, contraproducente (O‟Neill e Nicholson-Cole, 2009; Redford e Sanjayan, 2003). Recuperar e desenvolver esta ligação emocional à Natureza é fundamental na promoção de acções que visam a sua protecção (Lumber, Richardson, e Sheffield, 2017). Uma forma de o conseguir seria, por exemplo, através do antropomorfismo dos diferentes elementos da Natureza (Lumber et al., 2017; Vining, 2003; Waytz, Epley, e Cacioppo, 2010), uma tendência que nos é intrínseca (Shipman, 2010), em oposição à objectificação (considerá-los um instrumento para conseguir algum benefício pessoal), monetização e fragmentação (ver só as partes e não o todo) dos mesmos (Turnhout et al., 2013). Reconhecer o valor intrínseco da Natureza, além de “ecológico, genético, social, económico, científico, educacional, cultural, recreativo e estético” (CBD, 1992, pág. 1; tradução livre pela autora), é a motivação e ponto de partida fundamental para a poder proteger.

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comunidade política e ao público em geral e as suas acções (Kollmuss e Agyeman, 2002; Robelia e Murphy, 2012). O domínio teórico da questão não é um dos factores mais decisivos na criação de comportamentos pró-ambientais, mas é importante no sentido em que nos permite tomar decisões informadas (Kollmuss e Agyeman, 2002; cf. Robelia e Murphy, 2012) - “A ignorância colectiva conduz à indiferença colectiva” (Miller, 2005; tradução livre pela autora). Além disso, verifica-se também, com frequência, uma dissonância cognitiva, isto é, os indivíduos têm conhecimento do problema, mas não agem em conformidade, comportamento apelidado de “ecomiopia” por Casagrande et al., 2017. Este fenómeno poderia ser explicado por uma multitude de factores económicos, sociais e culturais, valores individuais, falta de motivação e envolvimento emocional. Estes diversos factores resultam numa inércia, não só individual, mas também social, e na falta de pressão da comunidade para que sejam tomadas medidas políticas nesse sentido (Butchart et al., 2010), criando assim um conjunto de factores indirectos de perda de biodiversidade (CBD, n.d.a).

Ao ter consciência do nosso impacto no planeta e das suas consequências, podemos modificar a nossa conduta a nível individual, que, quando somadas pelo colectivo da população humana, que agora ultrapassa os 7 mil milhões, farão seguramente a diferença (Ehrlich e Ehrlich, 2013). Essa responsabilidade acarreta não só uma mudança de hábitos, comportamentos e políticas já amplamente enraizados nas nossas sociedades (Ehrlich e Ehrlich, 2013), mas também desenvolvimento e implementação de medidas de conservação em larga escala. Estas visam travar a rápida defaunação que se tem vindo a agravar nas últimas décadas e também a mudança da relação do Homem com o mundo natural, vendo-nos como entidades, não separadas, mas integrantes de um todo (Vining et al., 2008).

Esta conjuntura levou à mobilização da comunidade científica no sentido de criar e desenvolver soluções como resposta a esta problemática. Assim, ao longo dos últimos dois séculos, diversos visionários contribuíram para o desenvolvimento e o avanço das ciências biológicas, que nos permitiram chegar aos dias de hoje com conhecimento e capacidade de implementar medidas com vista à sua resolução. Esta união colectiva de esforços de diferentes áreas das ciências, naturais e sociais, tomou forma na disciplina da “Biologia da Conservação” (Meine, Soulé, e Noss, 2006; Soulé, 1985).

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2. Conservação de espécies ameaçadas

A disciplina da Biologia da Conservação surge como ponto culminante de uma série de trabalhos, já iniciados no passado por uma plêiade de cientistas notáveis. Com as suas contribuições incomensuráveis foram dando forma e consolidando o conhecimento científico e, deste modo, influenciaram e sensibilizaram também a sociedade, que se reflectiu na implementação de medidas governamentais de proteção ambiental. Estas começaram por se cingir à criação de áreas protegidas, valorizadas por motivos estéticos, culturais e religiosos, nomeadamente locais de grande beleza natural, paisagens selvagens, mantidas no seu estado natural sem qualquer presença nem interferência humana (Mace, 2014; Soulé e Noss, 1998). Mais tarde, passaram a abranger também a protecção de certas espécies, animais e vegetais, consideradas importantes pela sua beleza e valor simbólico (Mace, 2014), ou úteis ao ser humano (Franco, 2013). Estas medidas centravam-se, acima de tudo, na gestão de recursos naturais, com motivações fundamentalmente económicas e sociais (Meine et al., 2006). Entretanto, foram ocorrendo diversas mudanças nos valores das sociedades, particularmente as ocidentais (Jepson e Whittaker, 2002) que, aliadas a novos e importantes conhecimentos nas ciências naturais (Bradshaw, Sodhi, Laurance, e Brook, 2011; Noss, 1999) e ao reconhecimento das crescentes alterações ambientais globais (Redford et al., 2011), mudaram a forma como vemos e nos relacionamos com a Natureza. Toda esta conjuntura resultou numa mudança de paradigma, levando a que o foco da conservação se direcionasse para a importância da preservação da biodiversidade (Meine et al., 2006; Soulé, 1985). Esta era uma visão mais ecocêntrica, que dava importância à Natureza por si (valor intrínseco) e como um todo (não só os elementos úteis ao Homem) (Meine et al., 2006), mudando assim o seu rumo. Esta crescente preocupação reflectiu-se, também, na criação de diferentes iniciativas como a 1.ª Lista Vermelha de espécies ameaçadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, do Inglês International Union for the Conservation of Nature) em 1966 e a Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora (CITES) implementada em 1975 (CITES, n.d.; Meine et al., 2006). À medida que foi aumentando o reconhecimento do profundo impacto que o contínuo progresso humano tem no planeta (Redford et al., 2011), foi aumentando também o interesse e conhecimento científico que, concomitantemente, foi sendo desenvolvido nas diversas áreas que estudam o mundo natural. À medida que se foi tornando mais vasto, criou-se a necessidade de juntar o conhecimento adquirido, integrando-o numa disciplina distinta, com características próprias. A origem da

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Biologia da Conservação, como disciplina una, ocorreu em 1978 (Noss, 1999) aquando da 1.ª Conferência Internacional de Biologia da Conservação, nos EUA (Franco, 2013; Meine et al., 2006; Noss, 1999; Soulé, 1985). Esta é constituída por membros de diferentes áreas com uma missão comum – a descrição, explicação e preservação da biodiversidade, isto é, "a manutenção de todos os componentes dos sistemas naturais (populações, espécies, comunidades e sistemas biofísicos) e os processos ecológicos e evolutivos, através dos quais os componentes da biodiversidade interagem com os sistemas naturais e os sustentam" (Lacy, 2010; tradução livre pela autora). Além disso, visa assegurar que perduram a longo prazo, garantindo a sua perpetuidade, sempre que possível nos seus habitat e ecossistemas naturais, procurando, também, fomentar uma relação harmoniosa do ser humano com o ambiente (Ehrenfeld, 1992; Lacy, 2010; Maunder e Byers, 2005; Meine et al., 2006; Soulé, 1985; World Association of Zoos and Aquariums [WAZA], 2005). No entanto, ainda não há um consenso na definição do que é a conservação e sobre qual é a melhor forma de a colocar em prática (Sandbrook, 2015). Como o conhecimento é limitado e não há consenso sobre as consequências que a perda de biodiversidade poderia acarretar (Kaiser, 2000; Naeem, Duffy, e Zavaleta, 2012; Robinson, 2006), prevalece o princípio da precaução (Laurance, 2007; Naeem et al., 2012).

Esta evolução resultou num pluralismo de ideias e valores que se mantém até aos dias de hoje e que caracteriza a disciplina da Biologia da Conservação (Mace, 2014; Sandbrook, Scales, Vira, e Adams, 2010). Se, por um lado, tem benefícios óbvios desta cooperação, pelo contributo das diferentes disciplinas, enriquecendo-a, resulta também em conflitos de ideias e valores, nomeadamente no que toca às duas principais perspectivas: antropocêntrica e não-antropocêntrica (Vining, 2003; Vucetich, Bruskotter, e Nelson, 2015). A visão não-antropocêntrica é utilitarista, na qual a Natureza é posta ao serviço dos interesses da humanidade e cujo objectivo seria, acima de tudo, melhorar o bem-estar e promover o progresso do ser humano (Kareiva, Lalasz e Marvier, 2011; Kareiva e Marvier, 2012). O oposto é a visão não-antropocêntrica (zoocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo; Vucetich et al., 2015), na qual os recursos humanos são colocados ao serviço da Natureza e sua protecção, priorizando-a em detrimento do desenvolvimento humano (Miller, Minteer, e Malan, 2011; Redford et al., 2011). Mesmo sendo diferentes, são fundamentais e complementam-se (Tallis e Lubchenco, 2014) e são eles que vão guiar os métodos usados na conservação e os seus objectivos (Miller et al., 2011; Robinson, 2006). No que diz respeito ao valor da Natureza, este divide-se ainda em intrínseco/imanente e utilitário/instrumental (Schroeder, 2016; Zimmerman, 2015). Este é

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um litígio antigo na Conservação (Spash, 2015), que se reacendeu recentemente com a proposta de criação de uma “nova conservação” (Kareiva et al., 2011; Kareiva e Marvier, 2012; Soulé, 2013). Os seus proponentes advogam um uso mais antropocêntrico da Natureza, enfatizando o seu valor instrumental de forma a conservá-la. Este não se resume apenas à atribuição de um valor económico, mas abrange e reconhece também valores ecológicos e culturais que, por sua vez, inclui os valores educacional, científico, estético e espiritual, sendo que todos estes constituem o valor instrumental (Justus, Colyvan, Regan, e Maguire, 2009; Ratcliffe, 1976; Tewksbury e Rogers, 2014). Sobretudo “a crescente influência do neoliberalismo nas sociedades ocidentais levou à mercantilização de esferas da vida aparentemente não-económicas” (Weigel, 2015; tradução livre pela autora). O reflexo deste processo foi a criação e desenvolvimento do conceito de serviços dos ecossistemas, isto é, “os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas” (MA, 2005b; tradução livre pela autora) e dos quais dependemos, directa ou indirectamente, para a nossa sobrevivência (como descrito previamente), sendo a conservação, assim, um acto de autopreservação humana. Este conceito materializou-se com a criação do Millennium Ecosystem Assessment (MA) (do âmbito do Programa Ambiental das Nações Unidas, UNEP, do Inglês United Nations Environment Programme) em 2005, cujo objectivo foi “avaliar quais as consequências das alterações nos ecossistemas para o ser humano e as bases científicas que visam as acções necessárias para melhorar a conservação, o uso sustentável desses sistemas e o seu contributo para o nosso bem-estar” (MA, 2005c; tradução e adaptação livre pela autora). Este foi um ponto de viragem e um momento decisivo no que a este tema diz respeito (Balmford e Bond, 2005). Também neste sentido, foi criado em 2007 A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB, do Inglês The Economics of Ecosystems and Biodiversity), uma iniciativa que visa “ajudar a reconhecer os benefícios que ecossistemas e biodiversidade providenciam, demonstrar os seus valores em termos económicos e sugerir como implementá-los nas decisões tomadas” (The Economics of Ecosystems and Biodiversity, n.d.; traduzido e adaptado pela autora). Promove, assim, a ideia de que “ao rejeitar o princípio da valorização económica (...), os conservacionistas podem causar a exclusão da Natureza deste tipo de decisões. Se não for atribuído um valor aos benefícios da Natureza, estes serão tratados como não tendo qualquer valor e as actuais tendências de declínio e deterioração dos sistemas naturais irão continuar” (Mace, 2014; tradução livre pela autora). Além disso, na tomada de decisões, será necessário compreender e incluir as pessoas e atender às suas necessidades (Fisher et al., 2009; Miller et al., 2011). Isto adquire particular importância quando se trata

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das populações mais pobres, que dependem da exploração dos recursos no seu entorno natural para suprir as suas necessidades mais básicas de subsistência e, para as quais, as preocupações ambientais são secundárias e, portanto, relegadas para segundo plano (Fisher et al., 2009). Para isso, é fundamental incluir a perspectiva das Ciências Sociais e Humanidades (Robinson, 2006) e incentivar a participação activa das populações locais, para compreender qual a melhor forma de actuar em cada caso, sempre que medidas de proteção ambiental sejam implementadas. Para dar coesão e pôr em prática estes objectivos, foi criada, em 2012, a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES, do Inglês Intergovernmental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services) que fortalece o elo entre ciência e política no sentido de criar legislação adequada à implementação desta visão (Díaz, Demissew, Joly, Lonsdale, e Larigauderie, 2015; Intergovernmental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services, n.d.).

Por outro lado, a “nova conservação” e, nomeadamente, a monetização dos serviços dos ecossistemas tem sido vigorosamente contestada (Doak, Bakker, Goldstein, e Hale, 2014; Miller, Soulé, e Terborgh, 2014; Monbiot, 2014; Spash, 2015; Soulé, 2013). Há quem advogue que esta separação, objectificação e monetização da Natureza e seus elementos, pode resultar numa crescente alienação das pessoas em relação a ela (Bekoff, 2015), uma vez que prioriza as necessidades e desejos da nossa espécie acima de todas as outras (considerado “especismo” e “excepcionalismo humano”; Gruen, 2017; Miller et al., 2014). Esta atitude, dizem, não serve os interesses da Natureza nem os nossos a longo prazo (Doak et al., 2014). Além disso, há quem alerte que pode ser apenas uma falácia (Spash, 2015), cujo principal objectivo seria gerar e maximizar o lucro em nome do constante crescimento económico. Esta ideologia não-antropocêntrica apela à defesa do valor intrínseco como um axioma da conservação (Redford et al., 2011; Vucetich et al., 2015), considerando a Natureza como contendo valor imanente que transcende os nossos interesses. Nesse sentido, visa proteger a integridade da Natureza em toda a sua complexidade, isto é, ecossistemas - “a unidade que abrange a(s) comunidade(s) de organismos e os seus ambientes físicos e químicos, a qualquer escala” (Willis, 1997; tradução livre pela autora) - e respectivas interações complexas entre factores bióticos e abióticos e seus processos e funções. Abrange, portanto, todos os seus elementos, independentemente da utilidade que possam ter para o homem e mesmo que lhe causem algum prejuízo - chamados desserviços (Moreno-Mateos, Maris, Béchet, e Curran, 2015).

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entre o rigor de fundamentos científicos e aspectos de natureza ética e, como tal, baseia-se também em valores e crenças (Robinson, 2006). Assim, o que motiva os seus membros a enveredar pela conservação constitui um assunto de cariz filosófico, que depende das crenças pessoais de cada um deles (Ratcliffe, 1976). Apesar disso, é o desejo de muitos, no meio da conservação, unificar estas diferentes perspectivas numa só visão – “Conservação integrativa” – que guie a actuação da Biologia da Conservação, temendo que esta mistura heterogénea de diferentes ideias possa prejudicar a sua eficácia (Child, 2009 apud Sandbrook et al., 2010; Tallis e Lubchenco, 2014). Para outros, a criação de um consenso pode ser um obstáculo ao reconhecimento e inclusão de outros pontos de vista na discussão de como melhor atingir os objectivos da conservação. Assim, este falso consenso seria contraproducente, uma vez que limitaria o diálogo entre os diversos grupos, nomeadamente daqueles com menos expressão na comunidade da conservação. O conflito é visto como algo bem-vindo e positivo, uma vez que fomenta a participação de diferentes esferas da conservação, dando voz aos vários participantes, e não tentando forçar um acordo entre pontos de vista irreconciliáveis (Matulis e Moyer, 2017). Desta forma, a disciplina da conservação é constituída por um mosaico de ideologias, reconhecendo e aceitando muitas e variadas opiniões e abordagens que possam ter valor para alcançar o objectivo que todos partilham e que os une (Matulis e Moyer, 2017; Sandbrook, 2015; Sandbrook et al., 2010).

Aquando da sua criação foi definida como uma disciplina de crise (Soulé, 1985), reforçando a urgência de “desenvolver competências científicas, técnicas e institucionais, de modo a fornecer uma compreensão básica, com base na qual se possam planear e implementar medidas apropriadas” (CBD, 1992; tradução livre pela autora). No entanto, várias vozes na conservação têm defendido priorizar uma mensagem mais positiva e uma visão exequível do futuro (Redford e Sanjayan, 2003), caso contrário, corre-se o risco de ter o efeito oposto, resultando em apatia ou negação (Ochoa-Ochoa, Nogue, Devillamagallon, e Ladle, 2015). A informação que é transmitida pela comunidade científica para o público é fundamental na construção da sua percepção desta problemática: se a mensagem for que “nada pode ser feito, então nada será feito” (Ochoa-Ochoa et al., 2015; Amstrup, Marcot, e Douglas, 2008 apud Swaisgood e Sheppard, 2010). No entanto, é seu dever que essa informação corresponda à realidade dos factos, independentemente da sua gravidade, mesmo correndo o risco de ser tida como negativa pelo público (Miller et al., 2014; Swaisgood e Sheppard, 2010). Torna-se então fundamental acompanhá-la por um conjunto de acções que possam pôr em prática, de modo a que sintam que têm algum controlo sobre o problema e que vão fazer a diferença. Também é

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Figura 1 – Categorias de risco de extinção da Lista Vermelha da IUCN. Fonte: IUCN, 2012
Tabela 1 - Categorias de áreas protegidas definidas pela IUCN. Fonte: IUCN, n.d.a  Ia  Reserva Natural Estrita
Figura 3 – Diferentes padrões de pelagem: fino (A), intermédio (B) e grosso (C). Fonte: Simón et al., 2012, p
Figura 4 - Jacarandá, Katmandú e Nossa, a respectiva cria, em Mértola. Fonte: ICNF (2017b)
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Referências

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