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Medidas de conservação

No documento Conservação ex situ do lince ibérico (páginas 88-97)

3. Lince Ibérico

3.2. Projecto de conservação do Lince Ibérico

3.2.2. Medidas de conservação

No seu conjunto, estes projectos tiveram em comum o objectivo de proteger e recuperar as populações de Lince Ibérico e, desta forma, impedir a sua iminente extinção. Para o alcançar foram criadas e implementadas diversas medidas, transversais a todos eles, e fundamentadas nos conhecimentos e preceitos da disciplina da Biologia da Conservação, previamente descritos. Assim, estas consistiram, inicialmente, no estudo e descrição da espécie - a sua anatomia, ecologia, habitat, as suas populações e respectivos números, as dinâmicas populacional e social, entre outros. À medida que se foi tornando evidente que era uma espécie cada vez mais ameaçada, seguiram-se esforços no sentido de avaliar as causas deste declínio e, posteriormente, implementar medidas no sentido de as mitigar. Estas traduziram-se na criação de áreas protegidas e restauração de ecossistemas favoráveis; redução da mortalidade não natural e natural; protecção e recuperação do coelho-bravo; educação e sensibilização da população, entre outras.

A conservação tem, obrigatoriamente, que passar pela criação de áreas protegidas com habitat adequado ao lince, nomeadamente zonas de matagal e bosque mediterrânico, sobretudo primária (madura, comunidade clímax), uma vez que demonstra claras preferências por este tipo de coberto vegetal (Fernández et al., 2006; Fernández e Palomares, 2000; Ferrer e Negro, 2004; Palomares et al., 2000). Melhorando a qualidade do habitat, diminui a área do território necessário para cada lince (entre outros factores; López-Bao, Palomares, Rodríguez, e Delibes, 2010) e aumenta, portanto, a capacidade de carga (carrying capacity) dos habitat e, consequentemente, a concentração de linces de cada população (Fernández et al., 2003). Para ser auto-sustentável, uma população de Lince Ibérico deve ter, pelo menos, 50 exemplares, o que corresponderia a áreas protegidas de 200 Km2/20000 ha, com coelho e refúgio (Simón et al., 2012, pág. 28), mas deveriam ter, idealmente, 500 Km2 de habitat de boa qualidade para serem sustentáveis a longo prazo (Rodr guez e Delibes, 2003). No entanto, verifica-se alguma plasticidade ecológica, com tolerância para habitat com cobertos vegetais alternativos, mas têm, mesmo assim, que responder a certos requisitos como são a presença de coelho e zonas de abrigo (Garrote et al., 2017b). Também o coelho-bravo é afectado pela perda de habitat adequado (Palomares et al., 1996) e, portanto, beneficiaria igualmente da sua recuperação. Assim, uma das principais medidas implementadas foi a restauração do ecossistema mediterrânico nas zonas de presença actual e história de Lince Ibérico. Fora das áreas protegidas é, também, fundamental restaurar a qualidade dos habitat, de maneira a criar passagens naturais que unam populações isoladas. Estes corredores ecológicos vão permitir a

comunicação entre as várias populações de lince, promovendo intercâmbio genético entre elas e contribuindo com imigrantes para as populações "sumidouro", impedindo assim a sua extinção (Rodr guez e Delibes, 2003). Para isso, é muito importante o papel dos animais dispersores e, como tal, ao longo destes corredores, é necessário implementar medidas que reduzam a mortalidade dos linces, que caracteriza o período dispersivo. Além disso, a sua criação é importante na medida em que prepara o habitat para desafios do futuro, atendendo a possíveis consequências que as alterações climáticas possam vir a ter na distribuição do Lince Ibérico como resposta à subida das temperaturas (Fordham et al., 2013; Rodríguez-Varela et al., 2015). Este é um importante factor a considerar na conservação, uma vez que tem em conta possíveis dispersões para outras latitudes. Desta forma, são criadas condições que permitem aos animais efectuar deslocações de forma bem-sucedida.

A sua conservação centra-se também na redução da mortalidade não natural, isto é, motivada por causas humanas, de forma a paliar os factores que os ameaçam. Para reduzir os atropelamentos, formam construídas passagens (inferiores e superiores) de fauna nas estradas, sendo promovida a sua limpeza. Também foram implementadas medidas de redução da velocidade nas estradas de zonas onde os linces estejam presentes, através da colocação de sinalização (vertical e horizontal) alertando os condutores da sua presença, construção de rotundas, lombas redutoras de velocidade e pavimentos sonoros (Simón et al., 2012, pág. 212). Por outro lado, estas foram acompanhadas com a criação de medidas legais de protecção, que ajam como dissuasores contra a caça, captura para troféu ou para venda de animais e suas partes (Alda et al., 2008). É também fundamental pôr em prática essas leis, vigiando e aplicando coimas pelo uso de laços, armadilhas, venenos e caça ilegal. Além disso, a redução da mortalidade não natural foi promovida através de outras medidas, cobrindo poços e protegendo tanques de água de rega e reduzindo o conflito com os humanos (Garrote et al., 2015).

Outro investimento importante foi feito na criação de medidas de conservação aplicadas ao coelho-bravo para recuperação das suas populações, sendo esta indissociável da do Lince Ibérico. A recuperação do Lince Ibérico sem a do coelho-bravo poderia resultar, não só na escassez de alimento para o lince, mas também em mais uma ameaça ao coelho-bravo por aumento da predação, uma vez que ele próprio sofreu um grave declínio populacional (Schoener, Spiller, e Losos, 2001). Além da monitorização e realização de censos das suas populações, a gestão do coelho-bravo pode enquadrar-se em 5 categorias (Rouco, n.d.; Guerrero-Casado, Carpio, Ruiz-Aizpurua, e Tortosa, 2013; Ward, 2005):

- criação de áreas protegidas (maneio de habitat adequado no presente, restauração de áreas potenciais e efeito positivo da proibição da actividade cinegética no seu interior) e controlo de práticas agrícolas (para que se tornem compatíveis com a presença de coelho- bravo);

- criação de cercados de reprodução e posterior translocação de indivíduos para áreas consideradas prioritárias (cf. Carro, Ortega, e Soriguer, 2019);

- controlo de predadores (medida de uso muito limitado, válida quando direccionada, sobretudo, a cães e gatos assilvestrados, uma vez que as armadilhas homologadas para espécies silvestres são inespecíficas e outras, como venenos, além de inespecíficas, são ilegais e altamente prejudiciais) e medidas de redução do seu impacto (criação de cercados, abrigos artificiais para coelho-bravo e aumento da densidade da vegetação);

- combate às doenças virais para reduzir a mortalidade (investigação e implementação de medidas de controlo, tratamentos e campanhas de vacinação);

- gestão da caça sustentável (redução no número de indivíduos mortos tanto pela actividade cinegética como por parte de agricultores; criação de legislação de controlo da actividade cinegética, como proibição do uso de laços e da caça durante épocas de menor impacto nas populações de coelho-bravo).

Para colmatar a escassez de alimento do Lince Ibérico, procedeu-se a suplementação alimentar com coelho-bravo, que resultou em efeitos positivos (López-Bao et al., 2010). É oportuno ter em conta que, nos cercados de suplementação, os coelhos-bravos encontram-se agregados e, portanto, para se alimentar, os linces têm que caçar nos mesmos locais, sendo uma potencial fonte de interações competitivas e agonísticas intra-específicas (López-Bao, Palomares, Rodríguez, e Ferreras, 2011).

É também fundamental reduzir o impacto da mortalidade natural, nomeadamente através do controlo sanitário de doenças infecciosas e do aumento da variabilidade genética. Nesse sentido, e dada a importância do impacto de doenças infecciosas na dinâmica populacional do Lince Ibérico, os projectos de conservação incluem medidas preventivas de vigilância epidemiológica, tanto activas (avaliação sanitária e vacinação de animais selvagens e de todos os linces reintroduzidos antes da sua libertação) como passivas (realização de necropsias dos linces mortos) (Simón et al., 2012, pág. 149). Para esse efeito, são recolhidas amostras de todos estes exemplares, que são analisadas para detecção da presença dos principais agentes patogénicos da espécie (vide infra). No caso de obtenção de resultados

positivos e de forma a evitar epidemias, prevê-se a implementação de medidas previstas num plano de acção de intervenção médico-veterinária para o seu controlo (Simón et al., 2012, pág. 149). Além disso, o Lince Ibérico é uma espécie com variabilidade genética extremamente reduzida (Abascal et al., 2016; Casas-Marce et al., 2017; Casas-Marce, Soriano, López-Bao, e Godoy, 2013; Johnson et al., 2004; Rodríguez et al., 2011). Um dos problemas que contribui para o contínuo agravamento da perda de variabilidade é o insucesso reprodutivo de alguns indivíduos, quer por questões de infertilidade (implica sucesso reprodutivo desproporcional entre indivíduos e cuja causa pode ser também a baixa variabilidade e elevados níveis de consanguinidade), comportamentais (territoriais, por exemplo) e demográficas (rácio machos/fêmeas, efeito Allee) (López-Bao et al., 2010). Esta perda de variabilidade traz consigo uma série de consequências, umas inócuas como a perda de fenótipos (padrões de pelagem) e alterações morfológicas (Pertoldi, García-Perea, Godoy, Delibes, e Loeschcke, 2005), mas outras mais graves como o aumento da susceptibilidade a doenças infecciosas por falta de imunocompetência (Millán et al., 2009; Peña et al., 2006). Há outros possíveis sinais das consequências desta no Lince Ibérico, como por exemplo, alterações na qualidade espermática (Gañán et al., 2010; Ruiz-López et al., 2012), glomerulonefrite membranosa (Jiménez et al., 2008; Jiménez et al., 2009; Jiménez, Sánchez, e Peña, 2011, pág. 6) e epilepsia juvenil idiopática (Iberlince, n.d.c; Martínez, Manteca, e Pastor, 2013), que não apresentam outras causas aparentes. Outras consequências da perda de variabilidade são o surgimento de malformações congénitas (por ex., Räikkönen, Vucetich, Vucetich, Peterson, e Nelson, 2013) e redução da aptidão reprodutiva (Palomares et al., 2012; vide supra).

Portanto, os presentes níveis de variabilidade da espécie exigem medidas de gestão genética e demográfica de forma a evitar os seus efeitos nefastos. Inicialmente, foram efectuadas translocações de conservação entre as duas populações que visaram colmatar a baixa variabilidade genética de que sofriam, sobretudo a de Donãna (Casas-Marce et al., 2013; Pertoldi et al., 2005; Simón et al., 2012, pág. 149). Estas apresentavam também algum grau de diferenciação devida à deriva genética e falta de intercâmbio de indivíduos (fluxo genético) entre ambas (Casas-Marce, Soriano, López-Bao, e Godoy, 2013; Johnson et al., 2004; Pertoldi, García-Perea, Godoy, Delibes, e Loeschcke, 2005). A primeira destas translocações foi feita em 2007/2008 com a captura e transporte de um macho de Andújar-Cardeña para Doñana (Ruíz et al., 2009). Esta medida tinha como objectivo induzir um "efeito de recuperação genética" nesta população, para reduzir a consanguinidade e os seus efeitos deletérios pela introdução de novo material genético (vigor híbrido) (Pertoldi, García-Perea, Godoy, Delibes,

e Loeschcke, 2005, pág 11; Tallmon, Luikart, e Waples, 2004; Vilà et al., 2003). Além disso, com a chegada de novos exemplares dá-se um aumento do Ne, que resulta num "efeito de

recuperação" por contribuição demográfica, o que realça também a importância dos indivíduos dispersores (Brown e Kodric-Brown, 1977).

Não de somenos importância, tem sido a implementação de várias outras medidas de conservação, tais como:

- seguimento e acompanhamento das populações selvagens de lince;

- melhoria das condições dos territórios ocupados por linces, como disponibilidade de água e de locais de refúgio para o parto (Simón et al., 2012, pág. 150);

- campanhas de educação e sensibilização em larga escala para promover a causa de conservação do lince e de educação ambiental (Simón et al., 2012, pág. 295 e seguintes), nomeadamente dirigida àqueles mais directamente envolvidos na conservação nas zonas de presença e reintrodução da espécie, como caçadores, agricultores, pastores, gestores de quintas e administradores a nível local e regional (Simón et al., 2012, pág. 307), mas também a nível nacional e internacional;

- criação de um banco de recursos biológicos (Leon-Quinto et al., 2009), que podem vir a ser úteis na implementação de diferentes técnicas de auxílio à conservação, como reprodução assistida (Lynxexsitu, 2019; Arregui, Dobrinski, e Roldan, 2014; Gañán et al., 2009; Roldan et al., 2009) e outras, com grande potencial no futuro, já usadas noutras espécies ameaçadas (Ben-Nun et al., 2011; Jewgenow e Songsasen, 2014; Selvaraj, Wildt, e Pukazhenthi, 2011).

Além destas, uma das principais medidas de conservação consistiu na construção de centros de reprodução para posterior reintrodução. A primeira tentativa documentada de criação artificial em cativeiro e libertação foi bem-sucedida e inspirou confiança no sucesso de futuros projectos ex situ, que acabaram por ser desenvolvidos (Rodriguez, Barrios, e Delibes, 1995). Aquando da sua elaboração, este projecto começou por preconizar a retirada de animais de ninhadas com número superior a 3 crias. Este foi o critério escolhido uma vez que no campo sobrevivem, com frequência, apenas duas com mais de 3 meses, sendo que a sua sobrevivência não estava associada à abundância de coelho-bravo, nem à sua condição corporal (Palomares et al., 2005). Devido a uma série de limitações, os esforços foram pouco frutíferos e esta estratégia inicial foi modificada, recorrendo à extração de exemplares de ambas as populações, por captura oportunista de juvenis com jaula, na tentativa de

salvaguardar o património genético da espécie (Simón et al., 2012, pág. 288). Os exemplares conseguidos foram levados para centros de reprodução (então criados), onde se juntaram a indivíduos adultos, alguns já em cativeiro, que foram sendo encontrados doentes ou com limitações físicas e considerados com baixa probabilidade de sobreviver se libertados, constituindo assim uma população para reprodução em cativeiro (Simón et al., 2012, pág. 289). Foi, nesse momento, elaborado um plano de gestão genética e demográfica para o programa de conservação ex situ do Lince Ibérico, que tinha como objectivo manter 85% da sua variabilidade genética actual durante 30 anos. Para isso, seria necessário conseguir um núcleo reprodutor de 60 exemplares (30/30, com equalização de contribuição parental) nos primeiros 10 anos do projecto (Lacy e Vargas, 2004).

Como tal, o Plan de accion para la cria en cautividad del Lince Iberico de 2000 determinou a criação de medidas de reprodução em cativeiro, a ter início no centro El Acebuche (Doñana). Estas instalações foram inauguradas em 1992, então denominado Centro Experimental de Cría en Cautividad de Doñana “El Acebuche” para efeitos de reprodução em cativeiro. No entanto, só em 2003 é que este, devido ao programa ex situ, se torna operacional, com a chegada de 3 machos para as 4 fêmeas que já ali se encontravam (Simón et al., 2012, pág. 287; Vargas et al., 2005). Além deste, também o Zoobotánico de Jerez (Jerez de la Frontera) é uma instituição associada que dá apoio ao programa ex situ desde a sua origem, albergando exemplares que foram aí criados e posteriormente trasladados para El Acebuche. Mais tarde, também foi fonte de fundadores para outros centros. Possui instalações separadas do zoo construídas em 2005, sem acesso do público, onde se encontram, desde então, linces reprodutores incorporados no programa. A estes, seguiu-se a construção de mais três centros de reprodução: La Olivilla (Jaén, Espanha) em 2007, Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico - CNRLI (Silves, Portugal) em 2009 e, finalmente, Zarza de Granadilla (Cáceres, Espanha) em 2011 (Lynxexsitu, n.d.). Graças a estes centros, o programa consegue assim atingir e superar a capacidade necessária para cumprir os objectivos estipulados aquando da sua elaboração (Kleinman-Ruiz et al., 2019; Lacy e Vargas, 2004; Lynxexsitu, n.d.; Vargas et al., 2008; Vargas et al., 2009b). Como tal, o papel dos centros de reprodução foi preponderante no sucesso da conservação do Lince.

Estes linces em cativeiro constituem uma IMP (Redford et al., 2011) e, com tal, são mantidos de forma que sejam física e psicologicamente saudáveis, através da criação de um ambiente livre de stress e que permita que expressem os seus comportamentos naturais (Ethics on the ark, 1996, pág. 159). Para isso, os profissionais baseiam-se em todos os

conhecimentos adquiridos sobre a espécie: "ciclo de vida, comportamento, nutrição, aspectos de saúde e veterinários, genética, fisiologia da reprodução, endocrinologia e ecologia" (Vargas et al., 2008), permitindo assim o seu maneio, reprodução natural e reintrodução. Todos os linces são geridos como uma metapopulação, havendo intercâmbio de indivíduos entre os centros, e destes com a população selvagem, de forma a optimizar a gestão genética e demográfica da espécie (Vargas et al., 2008).

Após o sucesso do nascimento das primeiras crias de Saliega e Garfio em 2005 no El Acebuche (Vargas et al., 2005), o número de linces não parou de aumentar, pelo que, posteriormente, teve início a preparação para a fase de reintrodução de exemplares. Assim, os linces que nascem e são criados nestes centros são, com aproximadamente 1 ano de idade, libertados em zonas específicas. Estas, após terem sido alvo de avaliação e eventuais acções de restauro e protecção, são decretadas pelo programa como tendo condições adequadas para a reintrodução. Estas são regiões de presença histórica de Lince Ibérico em Espanha e Portugal; com habitat mediterrânico de boa qualidade; presença de números suficientes de coelho-bravo; protecção nas estradas e com condições de comunicação a outras populações e condições sociais humanas para a sua reintrodução (incluindo convénios com proprietários de terrenos e caçadores) (Simón et al., 2012, pág. 255 e seguintes; El Gato Clavo, 2014). As primeiras reintroduções começaram em 2009 e decorreram em duas zonas adjacentes ao núcleo de Andújar-Cardeña que cumpriam os requisitos necessários - Guadalmellato (Córdoba) e Guarrizas (Jaén), ambas na Andaluzia e incluídas na Rede Natura 2000 (Gil- Sánchez, Arenas-Rojas, García-Tardío, Rodríguez-Siles, e Simón-Mata, 2011; Simón et al., 2012, pág. 261; Simón et al., 2013). Os exemplares começaram por ser libertados em cercados, a fim de se aclimatizar ao novo meio e de se fixarem nessa zona (solta branda), período após o qual as soltas passaram a ser duras, isto é, sem cercados de adaptação, directamente no campo (Simón et al., 2012, pág. 269; Simón et al., 2013). Mais tarde, o número de zonas aptas para a reintrodução foi sendo alargado por diferentes regiões da península Ibérica, nomeadamente: Valle de Matachel, Badajoz (Extremadura); Montes de Toledo, Toledo (Castilla-La Mancha); Sierra Morena Oriental, Ciudad Real (Castilla-La Mancha) e Parque Natural do Vale do Guadiana, Mértola (Portugal) (Figura 10). O primeiro Lince a ser reintroduzido fora da Andaluzia foi Kodiac, uma fêmea proveniente do CNRLI que foi libertada num cercado de solta branda, em Junho de 2014, no Vale de Matachel. Todos os outros linces aí libertados, num total de 8, seguiram a metodologia de solta branda. As libertações nas restantes áreas, 8 exemplares em cada uma delas e duas em Mértola,

decorreram ao longo desse mesmo ano (El Gato Clavo, 2014), todos com solta branda à excepção das realizadas na Sierra Morena Oriental, onde foi feita solta dura. Antes da sua reintrodução, todos os linces são equipados com uma coleira de rádio-seguimento e GPS.

O caso concreto do programa de Conservação em Portugal incluiu reintroduções no concelho de Mértola, tanto dentro como fora do Parque Natural do Vale do Guadiana. A primeira reintrodução ocorreu em Dezembro de 2014 de Jacarandá e Katmandú num cercado de solta branda na Herdade das Romeiras, Mértola, tendo sido posteriormente libertados em 2015 no campo. Este casal foi, em 2016, o primeiro a produzir descendência na natureza em Portugal. Mais recentemente, em 2018 foram libertados os primeiros exemplares no concelho de Serpa. Actualmente, os linces presentes em território nacional estão distribuídos pelos concelhos de Mértola, Serpa e Castro Verde (ICNF, 2018). O projecto perfaz um total de 37 linces reintroduzidos em território nacional até ao presente, incluindo as 4 libertações de 2019, já após o fim do projecto Life+Iberlince (LIFE10 NAT/ES/000570).

Figura 10 - Mapa das zonas de reintrodução (lado esquerdo). Distribuição das populações de Lince Ibérico em 2018 (lado direito). Fonte: www.iberlince.eu

Após tantos anos de implementação de medidas de conservação, o Lince Ibérico continua a ser a espécie de felídeo mais ameaçada do mundo (León et al., 2017), pelo que será imperativo continuar estes esforços e reforçar as medidas de conservação. Mesmo assim, o estatuto do Lince Ibérico, na Lista Vermelha da IUCN, foi reduzido em Junho de 2015 para EN ("em perigo") (Rodriguez e Calzada, 2015; Rodríguez e Calzada, 2017). Os seus números continuam a aumentar, tendo atingido 686 linces no final do projecto Life+Iberlince em 2018 (Figura 11) (Planelles e Sánchez, 2019). Esta mudança é, discutivelmente, o testemunho do

trabalho multidisciplinar e do investimento na implementação de medidas de conservação do Lince Ibérico (cf. Rodríguez e Calzada, 2017; Rodríguez, Calzada, Revilla, López-Bao, e Palomares, 2012). A recuperação das populações é inegável, e este sucesso foi conseguido em grande parte graças ao trabalho desempenhado pelas equipas multidisciplinares dos centros de reprodução. O meu estágio curricular decorreu no CNRLI, onde tive o privilégio de integrar esta equipa, e cuja experiência passo a relatar.

Figura 11 - Evolução do número total de linces e mortes entre 2002-2018. Não há dados publicados para o número de linces mortos no ano de 2018. Fonte: adaptado de Albor e Espinosa, 2018.

No documento Conservação ex situ do lince ibérico (páginas 88-97)