• Nenhum resultado encontrado

5.2 — Décadas de democracia

ADONIRAN BARROSA

Em 1945, o mundo saía de uma guerra, e o Brasil, de uma ditadura, a primeira de sua até então breve história republicana. As razões que motivaram a participação do Brasil no conflito europeu — a derrubada do nazifascismo, regime autoritário e militarista repercutiram internamente, dando margem a críticas ao governo de Vargas e à exigência de retorno das liberdades democráticas.

Getúlio ainda tentou resistir politicamente, acionando o movimento “queremista”, que pedia sua permanência. Mesmo assim, foi deposto e sucedido pelo General Eurico Gaspar Dutra, eleito presidente em 1946.

Após a posse de Dutra, foi eleita a Assembléia Constituinte, com membros de todos os partidos, mesmo os da esquerda radical, ligados ao PCB. O resultado foi a Constituição de 46, a mais progressista que a nação já teve, cuja vigência perdurou até 1967. Entretanto, a euforia liberaldemocrática durou pouco: em 1947, instala-se o clima de hostilidades entre as recém-ungidas grandes potências, EUA e URSS, desencadeando a chamada Guerra Fria. Essas, patrocinando a reconstrução européia, disputavam e dividiam o espólio constituído por países ocupados e derrotados na guerra, mas agora aliados imprescindíveis no novo jogo de forças implantado.

Com a Guerra Fria, territórios e países são discriminados entre parceiros e antagonistas, impedindo matizes políticos e estimulando uma postura maniqueísta. As primeiras experiências atômicas, na União Soviética, no mesmo período, sinalizam o poderio militar russo, intensificando, no Ocidente, os temores frente ao “perigo vermelho”.

[88]

O anticomunismo, uma das pedras de toque da administração Vargas, volta ostensivamente à tona. Seus efeitos mais imediatos são, em 1947, a proibição do PCB, com a cassação, no ano seguinte, do mandato de seus deputados, e o rompimento das relações diplomáticas do Brasil com a URSS.

O alinhamento governamental à política norte-americana remonta ao início dos anos 40, quando Getúlio hospedara Franklin Delano Roosevelt, que viajara ao Brasil em busca de apoio à ação dos Estados Unidos contra as forças do Eixo (formado pela aliança entre a Alemanha, a Itália e o Japão). A partir de 45, o

alinhamento converteu-se em dependência, uma vez que o Brasil transformou-se em mercado preferencial da indústria norte-americana, fornecedora tanto de eletrodomésticos e automóveis, como de produtos culturais, que circulam através dos novos meios de comunicação de massa.

Apesar de acolher favoravelmente as medidas do governo, que facilitava a importação de produtos estrangeiros, para tanto empenhando as divisas amealhadas durante a guerra, a população, especialmente a das camadas médias urbanas, elege, em 1950, Vargas, cuja plataforma respondia a seus interesses, sobretudo os de ordem salarial.

Por isso, as primeiras medidas de Getúlio voltam-se às necessidades dos trabalhadores, reforçando a ação dos sindicatos e aumentando os ordenados. Procuram também intensificar uma política energética autônoma, como mostra a campanha do petróleo, explorado, a partir de então, sob a forma de monopólio do Estado.

Vargas, em 1950, segue a norma a que se impôs na década anterior. Incorpora os interesses das camadas intermediárias, fortalecendo a nova imagem da sociedade brasileira: seu perfil urbano, ocupado por grupos ligados a empresas sustentadas pelo Estado (desde 1940, com a Companhia Siderúrgica Nacional, Getúlio patrocina a expansão das firmas estatais), ao serviço público, às indústrias que sobreviveram à invasão dos bens importados dos EUA, após a guerra, ao comércio e às finanças. Facultou, por decorrência, o desenvolvimento de uma postura nacionalista, fazendo com que, talvez pela primeira vez na história nacional, o Estado fosse mais progressista que certos segmentos da sociedade. Estes, porém, eram fortes: consistiam ria chamada classe dominante e contavam com o apoio norte-americano, inquieto com a linha política assumida, de cunho mais independente. A reação não se fez esperar: o presidente foi alvo de campanhas visando à sua deposição, o que ele impediu, ao suicidar-se, em 1954.

A posse do novo presidente, Juscelino Kubitschek de Oliveira, eleito em 1955, precisou ser assegurada pelo Exército. As medidas adotadas, todavia, contornam aos poucos as dificuldades políticas e imprimem outra linha econômica: o Plano de Metas ajuda a impulsionar a indústria brasileira, mas reforça a dependência dos investimentos de capitais estrangeiros.

[89]

São Paulo, onde se localizaram, desde o início do século, as manufaturas nacionais, acolhe as novas plantas industriais, acelera seu crescimento econômico e populacional e converte-se no principal pólo que atrai a migração interna do país.

A mudança da capital, do Rio de Janeiro para Brasília, visa corrigir a distorção econômica que se traduz no desequilíbrio geográfico; ao mesmo tempo, incentiva a indústria da construção civil, seja edificando a nova cidade, seja abrindo

as estradas que a ligavam a diferentes regiões brasileiras e que passaram a justificar o crescimento simultâneo das fábricas nacionais de automóveis e autopeças.

Brasília estimula também um novo ciclo migratório, atraindo, como no início do século, durante o apogeu da exploração da borracha, na Amazônia, os nordestinos. Surge então um novo tipo humano, entre profissional não- especializado e herói popular, o candango, responsável pelo alargamento das fronteiras da civilização brasileira. Resultam também os conflitos com as populações originais, especialmente com os índios, quando os sertanejos chegam a regiões ainda inabitadas por brancos. Eis por que, até 1950, Rondon é ainda uma presença ativa na cena brasileira e no Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que conta depois com a colaboração dos indigenistas Noel Nutels, Darci Ribeiro e os irmãos Villas Boas.

No início dos anos 60, quando Jânio Quadros assume a presidência, o quadro geral é contraditório. De um lado, impera o regime democrático, garantido plenamente pelo governante que deixava o cargo. Vigora um ritmo de desenvolvimento industrial que acelera o processo de modernização ampla do país, com a qual se comprometera o movimento republicano desde sua proclamação. E, apesar de os debates em torno da Lei de Diretrizes e Bases se prolongarem, no parlamento, por quase quinze anos, amplia-se a rede de ensino público e particular, necessário, especialmente o primeiro, à escolarização em massa dos grupos que migravam do campo para a cidade e constituíam os contingentes de trabalhadores imprescindíveis às empresas em expansão.

De outro lado, entretanto, a modernização nunca deixou de ser desigual, e as diferenças vão se tornando cada vez mais patentes. Uma nova capital é inaugurada no centro do Brasil; mas permanece o atraso secular do Nordeste atestando a manutenção de estruturas agrárias incompatíveis com a imagem de modernidade que era amplamente desejada.

País moderno e em expansão no início da década de 60, o Brasil não suplantara a condição contrastante que Roger Bastide lhe atribuíra no livro Brasil,

terra de contrastes, lançado em 1954. Este contraste, de natureza social

apresentava-se como resíduo dos diferentes ciclos econômicos do passado, cuja decadência deixava como legado a estagnação e o abandono pelo Estado dos grupos humanos que haviam sobrevivido ao apogeu de antes.

[90]

O curto período da administração de Jânio Quadros não foi suficiente para que estas questões fossem abordadas; mas, no de seu sucessor, João Goulart, elas se tornaram centrais. O novo presidente dizia-se herdeiro político de Vargas, de modo que a postura política de cunho nacionalista voltou ao primeiro plano. O nacionalismo político revestiu-se de uma ideologia populista, consagrada sobretudo pela cultura produzida até 1964, em parte emanada do próprio Estado. Este decidiu-

se por ser a vanguarda do povo, descontentando, como ocorrera antes, os grupos dominantes. Do conflito entre essas forças, resultou a deposição de Goulart, encerrando-se como começara o período mais democrático da República brasileira.

5.3 — Internacionalização e nacionalismo na cultura brasileira

Pobre samba meu/Foi se misturando/Se modernizando/E se perdeu.

(...)

Coitado do meu samba/Mudou de repente/Influência do jazz.