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6.2 — Tempos de modernização capitalista

GERALDO VANDRÉ

No início da década de 60, parece ocorrer um fracionamento no interior da classe dominante brasileira. A tradicional burguesia agrária — tida como conservadora e retrógrada opunha-se um segmento progressista e nacionalista da esclarecida burguesia industrial. Para este segmento, frente às novas configurações que assumia o capitalismo internacional, a superação das estruturas arcaicas do país era fundamental para seu fortalecimento, no interior da classe dominante, na luta pelo poder.

Nos tempos de Jango, a mobilização popular em torno de palavras de ordem nacionalistas e antiimperialistas contava com a tolerância destes setores da burguesia nacional, aos quais interessava uma relativa modernização das nossas estruturas sociais.

Foi o que bastou como estímulo político e econômico para que intelectuais e artistas criassem, ao nível da arte e do pensamento brasileiros, a sustentação cultural ideológica necessária para a generalizada mobilização esquerdizante. Esta, no governo de Jango, assustou os segmentos mais conservadores da sociedade, precipitando uma aliança destes com o imperialismo internacional, sob os aplausos das atemorizadas classes médias.

O projeto mais amplo de reformulação de estruturas sociais foi aos poucos traduzindo-se em reivindicações específicas; algumas endossadas pelo próprio governo: as reformas de base, que incluíam a reforma agrária e a limitação da remessa de lucros para fora do país. Como se vê, dois assuntos que interferiam diretamente nos interesses tanto das classes agrárias, quanto do capital estrangeiro aqui investido. A capacidade de mobilização destes dois segmentos, aliados ao Exército e contando com a adesão das classes médias, fez com que um dos últimos atos de Jango fosse a assinatura da lei que limitava a remessa de lucros para o exterior. Em 31 de março de 1964, um golpe de Estado põe fim ao modelo presidencialista que, constitucionalmente, vinha regendo o país.

É ao Marechal Castelo Branco que cabe a realização de reformas políticas e institucionais que viabilizam o novo projeto das classes dominantes. Os rumos nacionalistas são sustados, substituídos por um nítido alinhamento do Brasil com a política norte-americana, e sua inclusão no rol das nações periféricas do capitalismo e dele dependentes. Como metas prioritárias, internamente, o governo

dedica-se à captação de recursos e, externamente, recorre a freqüentes empréstimos.

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Com o objetivo de criar um aparelho político-administrativo mais adequado ao novo perfil pretendido para a sociedade brasileira, em 1966 cassam-se mandatos, decretam-se eleições indiretas para os governos estaduais e, um ano depois, promulga-se uma nova constituição.

Todas essas medidas, no entanto, parecem insuficientes para garantir a nova ordem: a resistência se organiza e se manifesta, através de protestos de políticos que levantam a voz nos intervalos dos vários recessos parlamentares, da constituição de uma ampla frente política que soma, em 1967, as forças dos líderes Juscelino e Lacerda, de passeatas estudantis contra o governo, da opção de alguns partidos de esquerda pela ação armada.

A resposta do governo a protestos e reivindicações foi o endurecimento progressivo, que se valeu de todos os meios: do aprimoramento exaustivo do aparelho político-administrativo com o qual se legitimava, ao fortalecimento ilimitado do aparelho repressor com o qual aniquilava e amedrontava seus opositores internos. Com a assinatura do Ato Institucional nº 5, em 1968, o governo fazia os últimos ajustes essenciais para a manutenção e o exercício do poder, que se voltava para a consolidação dos interesses da burguesia.

O Brasil ingressa na década de 70 dando prosseguimento à execução dos acordos firmados com órgãos internacionais em nome do desenvolvimento. Uma das áreas mais afetadas por tais acordos é a educacional, para cuja reforma convergem técnicas e verbas norte-americanas. O novo modelo de ensino é burocrático e profissionalizante, enfatizando a formação de técnicos de nível médio e favorecendo, no ensino superior, a proliferação de escolas particulares que oferecem, através de um ensino de baixa qualidade, a ilusão do status universitário.

É sob o comando de Médici que se fazem mais visíveis as alterações em prol das quais ocorreu o movimento militar de 1964. Muito embora prossigam a luta armada das oposições, os assaltos a bancos para financiar a luta revolucionária e o seqüestro de embaixadores trocados por presos políticos, o Brasil, entre 1970 e 1973, vive uma fase de modernização capitalista acelerada e irreversível.

São os anos do “milagre brasileiro”, de vultosos empréstimos externos, da expansão da indústria automobilística e da construção civil, de projetos da envergadura da Transamazônia e de Itaipu. Com o crescimento do mercado interno, favorecido por uma política econômica que moderniza o sistema de crédito e estimula as exportações, as ações sobem vertiginosamente na Bolsa. Com isso, certas frações da classe média brasileira desfrutam de um desafogo econômico temporário, ao mesmo tempo que o arrocho salarial aperta as classes mais baixas.

A superficialidade com que o “milagre brasileiro” afetou as condições de vida do país, a parcialidade com que beneficiou apenas e temporariamente um segmento pequeno da população brasileira, somados à

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emergência de uma crise internacional do capitalismo tudo isso fez com que não se calasse o protesto contra o governo. Crescia a insatisfação política sustentada por uma série de publicações semiclandestinas que veiculavam críticas à orientação política do país que arcava, agora, com o reverso do milagre: o achatamento salarial, a pauperização da classe média, o endividamento externo e uma imagem desgastada do governo.

Do meio para o fim da década de 70, a morte de vários prisioneiros em dependências policiais, os movimentos populares contra a carestia e em defesa da anistia vão contabilizando créditos para a oposição. No mesmo sentido trabalha também a necessidade de o governo apresentar externamente uma imagem mais democrática — essencial para o fortalecimento da posição de exportadores para certos países com partidos liberais no poder.

Somem-se a isso as sucessivas rearticulações do movimento operário e estudantil, o agravamento da crise econômica mundial e se encontrarão os elementos que forçaram uma reorganização do regime brasileiro, que se abranda e faz da abertura e da redemocratização as metas com que se comprometeu o atual presidente, que assumiu o poder em 1979, mesmo ano em que começam a retornar os exilados, em que se decreta a lei da anistia, em que se revoga a intervenção em alguns sindicatos e reforma-se a política partidária, com a extinção do bipartidarismo.

Isso tudo sugere que o clima de abertura que se acentua a partir do Governo Geisel representa o final da instalação de uma nova fase do capitalismo na história brasileira. E que mais de uma vez a classe dominante volta a buscar respaldo nas alianças internas para assegurar sua posição nos delicados e complexos meandros do capitalismo internacional, do qual o Brasil continua satélite.

6.3 — Literatura: artigo de consumo

O meio é a mensagem O meio é a massagem O meio é a mixagem O meio é a micagem A mensagem é o meio de chegar ao Meio. O Meio é o ser em lugar dos seres, isento de lugar,

dispensando meios de fluorescer.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE *