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II – O que há de idealismo na interpretação bohriana da mecânica quântica

1. Algumas notas sobre as origens da mecânica quântica

É conveniente começar por uma breve abordagem histórica da situação que, na ciência, conduziu à actual teoria quântica, com o objectivo enquadrar e tornar mais compreensíveis as interpretações e soluções adoptadas.

Sobre o percurso científico

De acordo com J. D. Bernal, o autor de Science in History, a descoberta inicial do electrão levantara dificuldades na teoria da radiação luminosa. “Se a luz era produzida por electrões que giravam ou vibravam, devia estar a mudar continuamente de cor conforme os electrões fossem perdendo energia por radiação; mas o testemunho directo do comprimento de onda constante do espectro óptico provava que assim não era”473. Uma outra contradição manifestava-se na teoria electromagnética clássica segundo

a qual a energia de um corpo quente devia pertencer à região azul do espectro, mas verificava-se que, afinal, emitia no vermelho.

David Cassidy, co-editor dos trabalhos de Einstein474, refere estas mesmas contradições

experimentais relativas à chamada radiação do corpo negro (idealização de um corpo quente como uma peça de carvão incandescente ou da radiação emitida através de um pequeno orifício numa caixa preta contendo radiação electromagnética a elevadas temperaturas)475. Para além disso, chama a atenção para a

relação que este problema tinha com as necessidades económicas da época. Sucede que os cientistas do gabinete de padrões (bureau of standards) alemão em Berlim estavam interessados em estabelecer os

473J. D. Bernal, Ciência na História, Lisboa, Livros Horizonte, 1976, p. 740-741. 474Collected Papers of Albert Einstein, Princeton University Press

475David Cassidy, Einstein on the Photoelectric effect (adaptado do livro David Cassidy, Einstein and Our World,

Humanities Press, 1995, reissued Amherst, NY: Humanity Books, 1998), American Institute of Physics Center for

padrões para a emergente indústria eléctrica de iluminação. Mediram a distribuição total da energia electromagnética emitida por uma caixa preta, o que se pode aplicar a uma lâmpada incandescente. Partindo da teoria da radiação de Maxwell-Lorenz, Planck esperava derivar a fórmula da radiação do corpo negro da segunda lei da termodinâmica. Mas, foi só com a introdução, feita relutantemente, de uma nova assunção radical que Max Planck pôde chegar à fórmula correcta.

Max Planck, em 1900, vem, então, propor, como hipótese, que a energia dos átomos não era emitida de forma contínua, mas, sim, por fracções; a energia da radiação electromagnética não seria emitida continuamente, como seria de esperar para as ondas, mas, sim, de forma quantizada. A constante

h, introduzida por Planck, seria o quantum constante de acção que controlava a quantidade de todas as

trocas de energia dos sistemas atómicos. Segundo Bernal, Planck, ao eliminar uma dificuldade experimental, estaria a criar uma dificuldade teórica. Planck, em essência, diz Cassidy, descobrira a estrutura quântica da radiação electromagnética; contudo, ele próprio não o via dessa maneira, mas sim como um truque matemático para obter a resposta correcta. Foi Einstein quem, num dos seus artigos de 1905, partindo da hipótese dos quanta de luz, não só derivou a fórmula de Planck, como explicou fenómenos até então inexplicáveis como o efeito fotoeléctrico. Neste artigo de Einstein, à semelhança de outros artigos seus, a hipótese dos quanta surge, como nota Cassidy, de um “puzzle experimental”, de uma assimetria ou dualidade nas teorias físicas: neste caso, entre, diz Einstein, “as concepções teóricas que os físicos formaram acerca dos gases e outros corpos ponderáveis e a teoria de Maxwell dos processos electromagnéticos no chamado espaço vazio”476. Em 1907, nota Cassidy, Einstein descobre

também que o movimento dos átomos exibe uma estrutura quântica, resolvendo outro problema experimental – do arrefecimento dos corpos sólidos – que não podia ser explicado sem ser com base nas energias específicas de vibração dos átomos na rede sólida.

Temos, assim, a radiação electromagnética – as ondas contínuas das equações de Maxwell, confirmadas experimentalmente – a exibir um comportamento “atómico”, quantizado. Só esta assunção permitia explicar um conjunto de fenómenos até então inexplicados.

“A teoria dos quanta, originalmente aplicada ao átomo por Bohr, devia ter explicado, em princípio, a estrutura de todos os átomos e moléculas”, diz Bernal. A estrutura do átomo avançada por Bohr permitia interpretar os espectros complexos e encontrar os níveis de energia – o que é já um conceito quântico – dos electrões nos diferentes átomos; implicava que cada estrutura atómica ou molecular podia existir num grande número de estados com diferentes características de vibração e que as diferenças de energia entre esses estados se podiam achar medindo as frequências da luz emitida ou absorvida477. No entanto, verificaram-se dificuldades estranhas, como adjectiva Bernal, que se prendiam

com os níveis quânticos das moléculas diatómicas. As tentativas para resolver várias anomalias surgidas estavam a transformar a teoria quântica numa “álgebra formal”, “onde era sempre possível encontrar um

476

Albert Einstein, “On a Heuristic Point of View about the Creation and Conversion of Light” (1905), traduzido por D. Ter Haar, in D. Ter Haar, The Old Quantum Theory, Pergamon Press, 1967, p. 91- 107. Disponível em: http://www.physik.fu-berlin.de/~kleinert/files/eins_lq.pdf

conjunto de números para explicar a maioria das coisas, mas não era possível encontrar qualquer justificação, para além da conveniência, para escolher esses números”478.

O esforço para ultrapassar tais dificuldades levou a uma revisão geral e profunda da teoria quântica que Bernal situa em torno de 1925, destacando como principais intervenientes de Broglie em França, Schrödinger e Heisenberg na Alemanha e Dirac em Inglaterra.

Louis de Broglie, perante aquilo que parecia ser uma correspondência geral entre ondas e partículas, põe a hipótese de os electrões serem ondas, assim como as ondas luminosas serem partículas479. De acordo com esta hipótese, “podia considerar-se que cada partícula seria acompanhada de

uma onda e que cada onda consistisse de partículas alinhadas numa frente ondulatória”480, explica Bernal.

E, de facto, veio, passado pouco tempo, a comprovar-se experimentalmente o comportamento ondulatório da matéria pela observação da difracção dos electrões (observação de padrões interferenciais, típicos das ondas, quando os electrões passam num alvo com duas fendas). Temos agora não só as ondas electromagnéticas a apresentar comportamento de partículas, como temos as partículas a exibirem comportamento ondulatório.

Com base nestas ideias, Schrödinger explica os diferentes modos característicos de vibração dos electrões no átomo, que se moviam, não em ondas progressivas, mas em ondas estacionárias (o que é formalmente semelhante aos modos de vibração das cordas de um instrumento musical). Assim, a mecânica ondulatória tinha a vantagem de explicar as anomalias da velha teoria quântica de uma maneira que podia ser fisicamente apreendida assim como matematicamente expressa, diz Bernal.

Heisenberg e Dirac seguiram outro caminho, desprezando mesmo esse grau de representação física. Heisenberg, por meio de matrizes, e Dirac, através de uma álgebra de operadores não comutativos, ofereceram soluções formais igualmente boas para os problemas da física quântica.

Bernal é da opinião que as novas teorias quânticas continuavam a representar um “híbrido incómodo entre a física corpuscular de Newton, adequadamente ajustada ou fragmentada por postulados quânticos, e uma matemática de tipo inteiramente novo”. Estas teorias, embora capazes de explicar os fenómenos que lhes tinham dado origem, passaram a adoptar artifícios e variações ad-hoc, sem grande êxito, para novos fenómenos cada vez mais difíceis de explicar. Considera também que “as dificuldades filosóficas que levantavam eram ainda mais sérias”481. Mas a este aspecto voltaremos mais tarde.

Sobre o percurso das ideias

A mecânica quântica, usando as palavras de Rui Moreira, pretendeu conciliar a mecânica clássica de Newton e o electromagnetismo de Maxwell482. Mas o autor chama a atenção para o contraste entre 478idem, ibidem, p. 753.

479Esta hipótese é posta por de Broglie na sua tese de doutoramento, Recherches sur la Théorie des Quanta. 480idem, ibidem, p. 754.

481idem, ibidem, p. 755.

estas duas teorias: por um lado, “a mecânica de Newton descrevia o movimento de corpúsculos num espaço iminentemente vazio” e, por outro lado, “o electromagnetismo de Maxwell descrevia ondas que se propagavam num espaço inevitavelmente cheio para para suportar essas mesmas ondas”.

Moreira retoma o percurso percorrido até à interpretação bohriana da mecânica quântica e a formulação do princípio da complementaridade e põe em destaque os dois caminhos distintos seguidos para a tentativa de resolução daqueles problemas físicos. Na universidade de Göttingen, na Alemanha, Max Born, Heisenberg, Jordan e outros pretenderam criar uma mecânica formalmente decalcada da mecânica de Newton, diz. Para tal, substituíram as grandezas clássica por matrizes. Para esta mecânica das matrizes existiriam apenas corpúsculos dos quais, diferentemente já da mecânica clássica, não seria possível determinar simultaneamente uma posição e uma velocidade bem definidas. “Foi neste contexto que Heisenberg chegou às suas célebres relações de indeterminação”483, destaca Rui Moreira.

Em Fevereiro de 1927, Heisenberg vai a Copenhaga mostrar a Niels Bohr os seus resultados. Segundo o autor “este respondeu-lhe que o que ele tinha feito não passava de um truque matemático e que tudo aquilo tinha de ser interpretado em termos físicos! Heisenberg saiu de lá um pouco combalido. Niels Bohr já era prémio Nobel (por causa do seu modelo atómico de 1913) e isto constituiu um rude golpe no jovem Heisenberg”484. Moreira afirma que tal acontecera devido ao facto de Bohr já ter tomado contacto

com um outro percurso que Schrödinger, a trabalhar na Suíça, estava a seguir. Schrödinger, tendo em mente a similitude entre a equação de Hamilton-Jacobi (formalismo alternativo para a mecânica de Newton, que descreve trajectórias de corpúsculos) e a equação a óptica geométrica (a chamada equação do eikonal, que é uma simplificação da equação de onda da radiação electromagnética quando o comprimento de onda tende para zero), postula a sua célebre equação, a chamada equação de Schrödinger:

−ℏ

2m

2

∂ x

2

2

∂ y

2

2

∂ z

2

V x , y , z=i ℏ

∂ x , y , z

∂ t

Schrödinger estava à procura, destaca Moreira, de uma mecânica quântica ondulatória onde só existiriam ondas. Schrödinger, em 1926, mostra então, numa série de artigos, que o seu formalismo é equivalente ao desenvolvido em Göttingen. Ora, Bohr, quando Heisenberg o visita, já tinha tomado conhecimento do formalismo de Schrödinger e da demonstração da equivalência entre este e a mecânica das matrizes.

Teria sido, então, diz Moreira, a necessidade de integrar estas duas concepções seguidas por duas vias distintas e aparentemente independentes num só quadro conceptual que teria levado Bohr a, entre Fevereiro de 1927 (visita de Heisenberg) e o Verão desse mesmo ano, chegar à sua interpretação, dita ortodoxa, de Copenhaga ou bohriana, do formalismo quântico. Bohr apresenta pela primeira vez a sua

Nepomuceno (eds.), Lógica e Filosofia da Ciência, Lisboa, Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, 2009, p.127.

483idem, ibidem, p.128. 484idem, ibidem.

interpretação do formalismo quântico nesse ano de 1927 no Congresso Volta, no Lago Como, em Itália. Seria mais tarde publicadaem Abril de 1928, na revista Nature, sob o título «The Quantum Postulate and the Recent Development in Atomic Theory».

Sobre o percurso filosófico

No pensamento filosófico de Bohr, Harald Høffding teve uma importância preponderante. Assim o considera Rui Moreira, a partir do seu estudo sobre as influências filosóficas de Bohr e a importância que estas tiveram para a elaboração do princípio da complementaridade. O princípio da complementaridade em mecânica quântica seria a transposição para a física do mesmo princípio de complementaridade (embora não fosse ainda assim designado) que Høffding, professor de filosofia de Bohr, teria já introduzido em psicologia e filosofia. De facto, acrescento eu, como podemos ler em inúmeros artigos seus, é o próprio Bohr quem faz questão de relacionar estas áreas no que diz respeito à presença de relações de complementaridade procurando, assim, evidenciar que não seria um princípio circunscrito à física, mas comum a outras áreas do conhecimento, procurando atribuir-lhe um grau de generalidade elevado, procurando elevá-lo a um princípio epistemológico.

Segundo Høffding, existiria uma relação de complementaridade entre as funções psicológicas de ver e compreender. Estas seriam duas “necessidades inconciliáveis” do espírito humano as quais nunca seria capaz de ultrapassar. É interessante notar que Høffding está aqui a citar Poincaré. “Daí a estabelecer uma relação de complementaridade entre as formas a priori da sensibilidade (espaço e tempo) e as formas

a priori do entendimento de Kant (categorias – das quais é inevitável destacar a causalidade) foi um

pequenino passo”, diz Moreira, estabelecendo, assim, uma ligação entre as ideias de Høffding e o kantismo. Høffding teria, desta forma, transposto as relações de complementaridade da psicologia para a filosofia e Bohr, por seu turno, para a física, atribuindo-lhe o nome de princípio de complementaridade. É por essa razão, diz Moreira, que Bohr, na primeira exposição que faz da sua interpretação do formalismo quântico, afirma que não é possível atingir simultaneamente uma descrição espácio-temporal e uma descrição causal dos fenómenos quânticos485. De facto, procurando as palavras de Bohr, este diz-nos, na

sua comunicação de 1927 no Congresso Volta, que “a própria natureza da teoria quântica força-nos, então, a olhar a coordenação espácio-temporal e a pretensão à causalidade […] como características complementares mas exclusivas da descrição, simbolizando a idealização da observação e definição respectivamente”486.

Rui Moreira sintetiza, da seguinte forma, a questão essencial relativa à origem filosófica do princípio da complementaridade: o “resíduo irracional” irredutível de Høffding está agora expresso, pelas

485Cf. idem, ibidem, p.131-132.

486N. Bohr, «The Quantum Postulate and the Recent Development of Atomic Theory», in Nature (Supplement), Vol. 121 (Apr., 1928), Issue 3050, p. 580.

mãos de Bohr, de uma “forma matematicamente lúcida” [Bohr]487.

Algumas notas a respeito do progresso da ciência

Ao analisarmos a história da edificação da teoria quântica, identificamos algumas características respeitantes às causas e ao processo de desenvolvimento da ciência e das suas teorias. Por essa razão, procurarei enunciaras linhas gerais do problema para, então, poder observar, ainda que de passagem, o caso específico em apreço, a mecânica quântica. Tal análise traz para o primeiro plano, como o motor de desenvolvimento, o papel das contradições dialécticas.

A causa decisiva para o desenvolvimento da ciência é a sua relação com a produção material, cujo carácter é determinado pelo sistema social, e com a qual se encontra em contradição dialéctica488. As

necessidades sociais de produção acabam por determinar o avanço científico. Era para este aspecto que Engels chamava a atenção quando relacionava a revolução industrial do século XVIII e XIX e o grande desenvolvimento científico que lhe estava associado; quando relacionava o desenvolvimento da astronomia (e, consequentemente, da matemática) com a necessidade da determinação das estações do ano para os povos pastores e agricultores; quando relacionava o desenvolvimento da mecânica com a necessidade de construção de edifícios na fase de nascimento das grandes cidades, com a necessidade de elevação de águas, de navegação e da guerra – o que obrigava outra vez ao desenvolvimento da matemática. “Por conseguinte, a origem e desenvolvimento das ciências estão desde o início determinadas pela produção”489, conclui Engels.

Quando David Cassidy faz referência à necessidade de desenvolvimento da indústria eléctrica de iluminação relacionando-o com a investigação em torno da radiação do corpo negro que conduziria à introdução do quantum na teoria física, acaba por ser para este mesmo aspecto que está a chamar a atenção.

Por outro lado, as contradições internas à própria ciência, ao próprio corpo de conhecimentos, também determinam o seu desenvolvimento. Como os autores de Philosophical Problems in Physical

Science490 fazem notar, “uma causa importante para o desenvolvimento da física é a contradição entre as

diferentes teorias físicas ou entre a teoria e as experiências”. Não são contradições no seio da própria realidade objectiva, isto é, dos objectos físicos, mas sim contradições do domínio do próprio conhecimento e que são expressão do seu carácter histórico. Estas contradições, constatam os autores, são frequentemente formuladas como problemas ou paradoxos que não podem ser resolvidos no quadro das teorias existentes. Não devem ser entendidas como erros ou defeitos491. Elas estão, sim, necessariamente

487Cf. R. N. Moreira, op. cit., p.130.

488Esta sistematização é feita por Herbert Hörz, et al., Philosophical Problems in Physical Science, Minneapolis, Marxist Educational Press, 1980, p. 67 et. seq.

489F. Engels, Dialectics of Nature, in Karl Marx-Frederick Engels Collected Works, New York, International Publishers, v.25, 1987, p. 465.

490Herbert Hörz, Hans-Dieter Pöltz, Heinrich Parthey, Ulrich Röseberg, Karl-Friederich Wessel, Philosophical

Problems in Physical Science, Minneapolis, Marxist Educational Press, 1980.

491A este respeito, é de particular interesse relembrar o exemplo que Engels dá da lei de Boyle já aqui trazido a propósito da relação entre a verdade absoluta e a verdade relativa. Engels, combatendo pretensões às verdades últimas e definitivas, defendendo a inesgotabilidade do conhecimento, aborda dialecticamente o problema da verdade e do erro. “Verdade e erro, como todos as categorias lógicas que se movem em oposições polares, têm validade absoluta apenas num domínio extremamente limitado”, diz. E mostra como, fora desse domínio, os pólos se podem transformar nos seus opostos. Mostrou, portanto, porque as contradições não devem ser

ligadas ao desenvolvimento do conhecimento que faz o seu caminho através do reconhecimento e resolução destas contradições492. O novo conhecimento, notam os autores, não se desenvolve em

separação absoluta do velho, mas com base nele. O novo conhecimento supera o velho dialecticamente, constituindo um exemplo de negação da negação e revelando a unidade dialéctica entre continuidade e descontinuidade no processo de construção do conhecimento. E é um processo, é um movimento inesgotável. Como diz Lénine, apresentando o processo de conhecimento como um processo dialéctico:

“O conhecimento é a eterna, infindável aproximação do pensar ao objecto. O reflexo da Natureza no pensar do homem deve ser compreendido não «de modo morto», não «abstractamente », não

sem movimento, não sem contradições, mas de num processo eterno de movimento, de

surgimento de contradições e de solução delas”493.

Ora, foi deste tipo de contradições que a teoria quântica emergiu e se desenvolveu. Como vimos acima, emergiu com ligação a necessidades colocadas pela indústria. Emergiu da contradição entre o previsto pela teoria clássica e os valores obtidos para o espectro da radiação emitida pelo corpo negro; emergiu da contradição entre o previsto pela teoria – a perda de energia e o consequente colapso do electrão no núcleo – e a experiência – a relativa estabilidade do átomo. Descobriu-se, no final, que as ondas apresentavam comportamento corpuscular (demonstrado no efeito fotoeléctrico) e que os corpúsculos apresentavam comportamento ondulatório (demonstrado nos padrões interferenciais). Procurou-se, então, conciliar duas teorias clássicas: a mecânica de Newton (corpúsculos) com o electromagnetismo de Maxwell (ondas). Ora, penso que é, precisamente, na forma de lidar com esta contradição – objectiva e subjectiva – que reside o nosso problema e que abordaremos mais à frente.