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Lénine, até agora, analisou o empiriocriticismo tomado em separado. No entanto, há também que considerá-lo, diz, “no seu desenvolvimento histórico, na sua ligação e correlação com outras correntes filosóficas”250. Ao fazê-lo, Lénine porá em relevo a forma como os “os idealistas filosóficos” são

“companheiros de armas e sucessores do empiriocriticismo”.

Nesta análise é importante ter em conta algumas considerações que, embora soltas, atravessam o raciocínio de Lénine. Registando-se diferenças entre Hume e Kant, os partidários das duas linhas são igualmente agnósticos. Aquilo que o marxismo rejeita, reitera Lénine, não é o que distingue um agnóstico de outro, não é o que distingue um positivista251 de outro, mas sim o que entre eles há de comum. Estas

questões devem ser analisadas indo ao seu fundo, isto é, indo à “divergência fundamental entre o

248idem, ibidem. 249idem, ibidem. 250idem, ibidem, p.147.

materialismo e toda a ampla corrente do positivismo, dentro da qual se encontram tanto Augusto Comte como Herbert Spencer, tanto Mikahilóvski como uma série de neokantianos, tanto Mach como Avenarius”

252. É possível encontrar diferentes filósofos, como evidencia Lénine, em que a mistura, ecléctica, de Kant

e Hume ou de Hume e Berkeley é feita, em diferentes proporções, sublinhando mais um ou outro aspecto da mistura. “Vimos atrás”, diz, “por exemplo, que apenas um machista, H. Kleinpeter, se reconhece abertamente a si e a Mach como solipsistas (isto é, berkeleyanos consequentes). Pelo contrário, o humismo, nas concepções de Mach e Avenarius é sublinhado por muitos discípulos e partidários seus: Petzoldt, Willy. Pearson, o empiriocriticista russo Lessévitch, o francês Henri Delacroix e outros”253.

Lénine cita outros exemplos, nomeadamente Huxley, cuja filosofia é tanto uma mistura de humismo e de berkeleyanismo tal como a filosofia de Mach, mas em quem os “ataques berkeleyanos” são casuais e o seu agnosticismo acaba por ser a parra do seu materialismo envergonhado254, diz Lénine255.

Duas perspectivas opostas na crítica ao kantismo

Mach reconhece que, embora tenha começado por Kant, seguiu a linha de Berkeley e Hume, pensadores muito mais consequentes do que Kant, diz Mach. Também Avenarius se demarca de Kant afirmando uma posição antagónica em relação a ele. O antagonismo expresso de Avenarius em relação a Kant consiste em que, na opinião de Avenarius, Kant não teria depurado suficientemente a experiência. O que Avenarius pretende é, em primeiro lugar, eliminar do “conteúdo da experiência” os “conceitos

apriorísticos da razão” e criar uma “experiência pura”256. Com esta eliminação, pretende eliminar o

reconhecimento da necessidade e da causalidade. Pretende, em segundo lugar, depurar o kantismo da admissão da substância, isto é, da coisa em si, que, segundo Avenarius, é introduzida pelo pensamento no material da experiência real257.

Na verdade, ao contrário do que Avenarius assume, a depuração do kantismo do apriorismo e da admissão da coisa em si não é uma novidade da sua linha filosófica, mas sim a continuação da linha de Hume e de Berkeley. “Na realidade”, diz Lénine, “o desenvolvimento da filosofia clássica alemã suscitou imediatamente depois de Kant uma crítica do kantismo exactamente na mesma direcção seguida por Avenarius”258, cujos representantes são Schulze-Aenesidemus, partidário do agnosticismo humista, e J. G.

Fichte, partidário do idealismo subjectivo. O agnóstico humista Schulze, chama Lénine a atenção, “rejeita a doutrina kantiana da coisa em si como uma concessão inconsequente ao materialismo, isto é, à

252V. I. Lénine, ibidem, p.155-156. 253idem, ibidem, p.157.

254Diz Huxley: “Quem quer que conheça a história da ciência concordará que o seu progresso significou em todos os tempos e significa hoje, mais do que nunca, a extensão do domínio daquilo a que chamamos matéria e

causalidade, e o correspondente desaparecimento gradual de todos os domínios do pensamento humano de tudo aquilo a que chamamos espírito e espontaneidade”. Huxley cit. por V. I. Lénine, ibidem.

255Cf. V. I. Lénine, ibidem, p.157-158.

256Cf. R. Avenarius cit. por V. I. Lénine ibidem, p.148. 257Cf. R. Avenarius cit. por V. I. Lénine ibidem. 258V. I. Lénine, ibidem.

afirmação «dogmática» de que a realidade objectiva nos é dada na sensação”, rejeita-a como uma contradição com o agnosticismo. O idealista subjectivo Fichte diz que a admissão da coisa em si, independente do nosso Eu, é realismo, que a admissão da coisa em si como “base da realidade objectiva” é uma inconsequência de Kant que cai em contradição com o idealismo crítico259.

Assim, aquilo por que Avenarius pugna é por um “agnosticismo mais puro”, “pela eliminação da admissão por Kant, contrária ao agnosticismo, de que existe a coisa em si, ainda que incognoscível, inteligível, pertencente ao além, de que existe a causalidade e a necessidade, ainda que a priori, dadas no pensamento e não na realidade objectiva. Lutou contra Kant não da esquerda, como lutaram contra Kant os materialistas, mas da direita, como lutaram contra Kant os cépticos e os idealistas”260.

A acompanhar estas críticas dos empiriocriticistas, de um ponto de vista humista e berkeleyano, estão, como nota Lénine, também os imanentistas como Leclair e Rehmke que censuram Kant por “realismo”.

Vejamos como caracteriza Lénine a filosofia de Kant:

“O traço fundamental da filosofia de Kant é a conciliação do materialismo com o idealismo, o compromisso entre um e outro, a combinação num só sistema de correntes filosóficas heterogéneas e opostas. Quando Kant admite que às nossas representações corresponde algo fora de nós, uma certa coisa em si – então Kant é materialista. Quando declara esta coisa em si incognoscível, transcendente, pertencente ao além, Kant fala como idealista. Reconhecendo a experiência, as sensações como fonte única dos nossos conhecimentos, Kant orienta a sua filosofia pela linha do sensualismo, e, através do sensualismo, em certas condições, também do materialismo. Reconhecendo o apriorismo do espaço, do tempo, da causalidade, etc., Kant orienta a sua filosofia para o lado do idealismo. Esta indecisão valeu a Kant ser implacavelmente combatido tanto pelos materialistas consequentes como pelos idealistas consequentes (e também pelos agnósticos «puros», os humistas).”261

Criticando Kant pela esquerda, os materialistas censuram Kant pelo seu idealismo. Os materialistas, como afirma Lénine, refutaram os traços idealistas e agnósticos do seu sistema, demonstraram a cognoscibilidade, a terrenalidade da coisa em si, a sua existência objectiva, a ausência de uma diferença fundamental entre ela e o fenómeno, que a coisa em si se transforma em fenómeno a cada passo do desenvolvimento da consciência individual e colectiva, demonstraram a necessidade de deduzir a causalidade, etc., não das leis apriorísticas do pensamento, mas da realidade objectiva262. Feuerbach, por

exemplo, criticando Kant pelo seu idealismo (Lénine cita aqui uma passagem na qual Kant trata a coisas em si como coisa mental), identifica as mesmas contradições na filosofia de Kant a que Lénine se referia: a filosofia de Kant “conduz, com uma necessidade inevitável, ao idealismo fichteano ou ao sensualismo”

263, diz Feuerbach (Feuerbach defende o sensualismo objectivo, isto é, o materialismo). Também o

259Cf. Fichte cit. por Lénine, ibidem, p.149. 260V. I. Lénine, ibidem, p.149.

261idem, ibidem, p.149-150. 262Cf. idem, ibidem, p.150.

discípulo de Feuerbach, Albrecht Rau, (juntando-se a outros materialistas que Lénine cita sobre esta questão particular), sublinha as mesmas contradições e faz notar que Kant não conseguiu livrar-se do preconceito idealista de que a alma é algo totalmente diferente das coisas sensíveis. “Para o materialista”, diz Rau, “a distinção entre os conhecimentos a priori e a «coisa em si» é absolutamente supérflua: ele não interrompe em parte alguma a continuidade da natureza, não considera a matéria e o espírito coisas fundamentalmente diferentes, mas somente aspectos de uma mesma coisa, e por isso não necessita de nenhuns artifícios particulares para aproximar o espírito das coisas”264.

Toda a escola de Feuerbach, de Marx e de Engels criticou Kant do ponto de vista materialista negando qualquer idealismo e agnosticismo. Mach e Avenarius seguiram a linha filosófica que criticou Kant do ponto de vista humista e berkeleyano, a que se juntaram os machistas russos. Lénine denúncia mais uma vez a apresentação destas ideias como um desenvolvimento do marxismo. A estes últimos, aos machistas russo, Lénine responde dizendo que qualquer um “tem o sagrado direito de seguir o reaccionário ideológico que quiser”, mas que, tendo rompido radicalmente com os próprios fundamentos do marxismo em filosofia, não se podem reclamar de marxistas que apenas “completaram” Marx um bocadinho265.

Os imanentistas e os empiriocriticistas

Lénine faz também um exame da atitude mútua entre empiriocriticistas e imanentistas, mostrando que caminham de braços dados nas suas concepções fundamentais. Tornando explícitas as premissas gnosiológicas de que partem os imanentistas, Lénine concede a palavra aos principais representantes desta corrente filosófica: Leclair, Schuppe, Schubert-Soldern, Rehmke. Leclair, antes de inventar o termo “imanentista” chamava-se a si próprio, aberta e francamente, idealista crítico. Este autor, que luta contra a inclinação para o materialismo da maior parte dos naturalistas, apela: “voltemos atrás, ao ponto de vista do idealismo crítico, não atribuamos à natureza no seu conjunto e aos processos da natureza uma existência transcendente” (isto é, fora da consciência humana, clarifica Lénine); “então, para o sujeito tanto o conjunto dos corpos como o seu próprio corpo, na medida em que ele o vê e o percebe, juntamente com todas as suas modificações, será um fenómeno directamente dado de coexistências espacialmente ligadas e de sucessões no tempo, e toda a explicação da natureza se reduz à constatação destas coexistências e sucessões”266. Para Leclair, a natureza é um “fenómeno da

consciência”, não de um homem, mas do “género humano”267. Veja-se também Schuppe para quem “a

proposição «o ser é a consciência» significa que a consciência é inconcebível sem o mundo exterior, que, consequentemente, este último pertence à primeira, isto é, a ligação absoluta entre uma e outro […],

264A. Rau cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.150. 265V. I. Lénine, ibidem, p.155.

266Leclair cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.162. 267Cf. V. I. Lénine, ibidem.

ligação em que constituem o todo primordial único do ser”268. Isto é idealismo subjectivo, resume Lénine.

Schubert-Soldern considera que “em nenhum caso se pode opor ao espiritismo o materialismo das ciências da natureza, porque este materialismo, como vimos, é apenas um aspecto do processo mundial dentro da ligação espiritual universal”269. O reconhecimento da realidade objectiva, do mundo exterior é o

principal inimigo deste filósofo, afirma Lénine.

Lénine conclui: “O facto é que os imanentistas são rematados reaccionários, pregadores abertos do fideísmo, de um obscurantismo consumado. Não há um só deles que não tenha consagrado

abertamente os seus trabalhos mais teóricos sobre gnosiologia à defesa da religião e à justificação deste

ou daquele medievalismo”. Veja-se Leclair, que defende a sua filosofia como satisfazendo “todas as exigências de um espírito religioso”270, ou Schuppe, que afirma que se os imanentistas negam o

transcendente, Deus e a vida futura não se incluem de modo nenhum neste conceito271, diz Lénine, ou

Schubert-Soldern que deduz a pré-existência do nosso Eu antes do nosso corpo e a pós-existência do Eu (imortalidade da alma)272.

É a estes filósofos imanentistas cujas posições foram delineadas em traços gerais pelas citações precedentes que os empiriocriticistas manifestam o seu apreço. Esta convergência de posições é demonstrada por Lénine através de citações como a de Mach na qual este afirma que: “Vejo actualmente como toda uma série de filósofos – positivistas, empiriocriticistas, partidários da filosofia imanentista – e também muitos poucos naturalistas, sem nada saberem uns dos outros, começaram a abrir novos caminhos que, apesar de todas as diferenças individuais, convergem quase para um mesmo ponto”273.

Lénine analisa: em primeiro lugar, nota a “confissão excepcionalmente verídica” de que muitos poucos naturalistas são partidários da filosofia humista-berkeleyana, “pretensamente «nova», mas realmente muito velha”; em segundo lugar, considera extraordinariamente importante a opinião segundo a qual esta filosofia é uma ampla corrente, na qual os imanentistas estão em pé de igualdade com os empiriocriticistas e os positivistas, diz Lénine. Confirmando a afinidade de fundo que existe entre estas linhas filosóficas, também Avenarius afirma que a diferença entre ele e Schuppe “existe, talvez, só temporariamente”274. Petzoldt coloca sob uma mesma corrente Schuppe, Mach e Avenrius. Apenas Willy

foi, talvez, o único machista destacado que se procurou demarcar de tais conclusões imanentistas, diz Lénine.

Mas existe também reconhecimento no sentido inverso. O apreço dos imanentistas pelos empiriocriticistas pode ser verificado na afirmação de Schuppe na qual ele diz que “a minha concepção do pensamento concorda perfeitamente com a sua [de Avenarius] «experiência pura»”275, ou na 268W. Schuppe cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.163.

269Schulbert-Soldern cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.164. 270Leclair cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.162.

271Schuppe cit. por V. I. Lénine, ibidem.

272Cf. Schubert-Soldern cit. por V. I. Lénine, ibidem. Contra os sociais-democratas, Schubert-Soldern diz também, na Questão Social, que estes “ignoram o facto de que, sem o dom divino da infelicidade, não haveria felicidade”. Fica bem patente o seu obscurantismo de que falava Lénine.

273E. Mach cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.158. 274R. Avenarius cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.158-159. 275Schuppe cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.159.

Introdução programática publicada no primeiro número do órgão filosófico especial dos imanentistas

onde se lê: “Mesmo no campo dos próprios naturalistas se elevam já vozes de pensadores isolados para pregar contra a presunção crescente dos seus colegas e contra o espírito não filosófico que se apossou das ciências a natureza. Assim, por exemplo, o físico Mach...Forças frescas põem-se em movimento em todo o lado e trabalham para destruir a fé cega na infabilidade das ciências da natureza e começam a procurar outros caminhos para as profundezas do misterioso, a procurar uma melhor entrada na morada da verdade”276. Também do lado dos neocriticistas surge a mesma simpatia. No seu órgão, L'année philosophique, diziam como “é inútil falar da medida em que, com esta crítica da substância, da coisa, da

coisa em si, a ciência positiva do Sr. Mach concorda com o idealismo neocriticista”277. Contudo, os

machistas russos, não deixaram de procurar escamotear estas relações, envergonhados desta afinidade com os imanentistas.

Em que direcção cresce o empiriocriticismo?

Lénine analisa a direcção que toma o crescimento do empiriocriticismo que, como qualquer outra corrente ideológica, se desenvolve. “O seu crescimento numa ou noutra direcção”, diz Lénine, “ajudará, melhor do que longos raciocínios, a resolver a questão fundamental da verdadeira natureza desta filosofia”278. Os filósofos devem ser julgados não pelos rótulos que eles próprios se atribuem, mas pela

forma como resolvem as questões fundamentais, pelas pessoas com quem andam de mãos dadas e pelo que ensinaram aos seus discípulos, considera Lénine. Assim, para obter uma imagem do empiriocriticismo como corrente filosófica (e não como “colectânea de raridades literárias”, tendo até em conta o facto de que o eclectismo desta corrente gera inevitavelmente diversas interpretações), Lénine recorre ao estudo das posições de um conjunto de seguidores (reconhecidos) da corrente de Mach e Avenarius. Vejamos brevemente algumas citações, a título indicativo, que ficam necessariamente aquém do quadro mais completo dado por Lénine.

Mach recomenda Hans Cornelius. Este é um seu discípulo que chega à imortalidade e a Deus, repara Lénine. Para Cornelius, o materialismo transforma o homem num autómato uma vez que mina “a fé na liberdade das nossas decisões” e, para além disso, “não deixa lugar para a ideia de continuação da nossa vida após a morte”279, lamenta Cornelius. Lénine confronta esta com a afirmação de Bogdánov que

diz que não há absolutamente lugar para as ideias de Deus, do livre arbítrio e da imortalidade da alma na filosofia de Mach. Assim se vê quão erradas são as considerações dos machistas russos quanto ao fundo desta filosofia. Bogdánov ignora que esta corrente vai até ao fideísmo280.

276Revista de Filosofia Imanentista, t.I, Berlim, 1896, p. 6-9 cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.160. 277L'année philosophique, t. 15, 1904, p. 179. cit. por V. I. Lénine, ibidem.

278V. I. Lénine, ibidem, p.165.

279H. Cornelius cit. por V. I. Lénine, ibidem, p. 166.

280

Lénine mostra ainda como Petzoldt, indignado com as “falsidades” de Cornelius, procura refutá-las. A forma como o faz é uma “verdadeira pérola”, diz Lénine: “Petzoldt apercebeu-se da falsidade de

Hans Kleinpeter é igualmente reconhecido por Mach. Mach diz subscrever no essencial a exposição sistemática que Kleinpeter faz das suas (Mach) concepções. Veja-se alguns excertos dessa exposição: “toda a minha experiência […] são me dados [….] como uma parte da minha consciência”; “aquilo que chamamos físico é uma construção de elementos psíquicos”; “a convicção subjectiva, e não a certeza objectiva, é o único fim acessível de toda a ciência”; “a suposição da existência de outras consciências além da nossa é uma suposição que não pode nunca ser confirmada pela experiência”; “que se podem apresentar muitas teorias sobre um só e mesmo domínio de factos... isto é um facto tão bem conhecido do físico como incompatível com as premissas de qualquer teoria absoluta do conhecimento. E este facto está ligado ao carácter volitivo do nosso pensamento; e nele se exprime a independência da nossa vontade em relação às circunstâncias exteriores”281. E Lénine repete o argumento: “ajuizai agora da

ousadia das declarações de Bogdánov de que na filosofia de Mach «não há absolutamente lugar para o livre-arbítrio», quando o próprio Mach recomenda um indivíduo como Kleinpeter”282.

Outro filósofo que Mach reconhece seguir vias muito próximas das suas é Theodor Ziehen. Para Ziehen, só a “turba” é capaz de pensar que “as nossas sensações são suscitadas pelas coisas reais”. Para ele, “à entrada da teoria do conhecimento não pode haver nenhuma inscrição senão as palavras de Berkeley: «os objectos exteriores existem não por si, mas nas nossas mentes»”283. Petzoldt também

renegou Ziehen como idealista, constata Lénine. Mas, segundo Petzoldt, trata-se de um “mal-entendido” na interpretação das “concepções de Mach e Avenarius”284. Não, não se trata de um mal-entendido, mostra

Lénine. A presença do idealismo na corrente empiriocriticista é reconhecida não só pelos seus oponentes como pelos seus seguidores. Lénine ironiza: “pobres Mach e Avenarius! Não só os inimigos os caluniaram, acusando-os de idealismo e «até» (como se exprime Bogdánov) de solipsimo – não, também os amigos, os discípulos, os seguidores, os professores de ofício, compreenderam mal os seus mestres, num sentido idealista. Se o empiriocriticismo evolui transformando-se em idealismo, isto não prova de modo nenhum a falsidade das suas confusas premissas fundamentais berkeleyanas. Deus nos livre! Isto é Cornelius sem ser advertido, mas a sua maneira de combater esta falsidade é uma verdadeira pérola. Escutem: «Afirmar que o mundo é uma representação» (como afirmam os idealistas, não se riam!) «só tem sentido se com isto se quer dizer que o mundo é uma representação daquele que fala ou pelo menos de todos os que falam, isto é, que a sua existência depende exclusivamente do pensamento dessa pessoa ou dessas pessoas: o mundo só existe na medida em que esta pessoa o pensa, e quando ela não o pensa, o mundo não existe. Nós, ao contrário, fazemos depender o mundo não do pensamento de determinada pessoa ou de determinadas pessoas, ou ainda melhor e mais claramente: não do acto do pensamento, não de qualquer pensamento actual (real), mas do pensamento em geral e exclusivamente no sentido lógico. O idealista confunde uma coisa e outra e o resultado é um semi- solipsismo agnóstico, tal como o vemos em Cornelius». Este aniquilamento do idealismo mais se assemelha a um conselho sobre como melhor esconder o idealismo, diz Lénine e ironiza: “Dizer que o mundo depende do pensamento dos homens é uma falsidade idealista. Dizer que o mundo depende do pensamento em geral é positivismo moderno, realismo crítico, numa palavra, perfeito charlatanismo burguês! Se Cornelius é um semi-solipsita agnóstico, Petzoldt é um semi-agnóstico solipsita. Estais a esmagar uma pulga, senhores!”. ibidem, p.167.

281H. Kleinpeter cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.167-168. 282V. I. Lénine, ibidem, p.168.

283T. Ziehen cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.169. 284J. Petzoldt cit. por V. I. Lénine, ibidem.

apenas um pequeno «mal-entendido» […] Se Petzoldt conhecesse os partidários ingleses de Mach, teria de alargar muito a lista dos machistas que caíram (por «mal-entendido») no idealismo”285. (Lénine refere-

se a Karl Pearson e a William Clifford, idealistas reconhecidos e apreciados por Mach).

Um último apontamento sobre P. Carus. Este norte-americano dirige uma revista dedicada à propaganda da religião. A sua redacção afirma que “a ciência é uma revelação divina” e defende “a opinião de que a ciência pode realizar uma reforma da Igreja que conserve tudo o que a religião tem de verdadeiro, de são e de bom”. Este filósofo, que perfilha estas opiniões, é um admirador de Mach que considera que ambos pensam da mesma maneira. A ele Mach também faz referência. A divisa de Carus é, nota Lénine, “não agnosticismo, mas ciência positiva [...]”. Este exemplo mostra bem quão próxima está a