• Nenhum resultado encontrado

Lénine expõe a forma como o materialismo dialéctico resolve a questão da liberdade e da necessidade. Mostra como essa posição é inseparável dos fundamentos desta linha filosófica, isto é, como ela é inseparável do reconhecimento da realidade objectiva e das leis objectivas da natureza. Evidencia, assim, mais uma incoerência dos empiriocriticistas que pensam poder acolher e separar este aspecto da linha filosófica materialista das bases sobre que assenta sustentando simultaneamente posições idealistas e agnósticas. Lénine mostra as posições inconsequentes a que se chega caso se pretenda resolver esta questão sem conhecer ou compreender a dialéctica.

Engels diz que

“Hegel foi o primeiro a apresentar correctamente a relação entre a liberdade e a necessidade. Para ele, a liberdade é o conhecimento da necessidade. «A necessidade é cega só na medida em que

não é compreendida». A liberdade não consiste numa independência imaginária em relação às leis

da natureza, mas no conhecimento destas leis e na possibilidade, baseada neste conhecimento, de as fazer actuar metodicamente para fins determinados. Isto diz respeito tanto às leis da natureza exterior como às que regem a existência corporal e espiritual do próprio homem – duas classes de leis que podemos separar uma da outra, quando muito, na nossa representação, mas não na realidade. A liberdade da vontade não significa, portanto, senão a capacidade de decidir, com conhecimento de causa. Deste modo, quanto mais livre for um juízo de um homem em relação a uma determinada questão, maior será a necessidade com que é determinado o conteúdo desse juízo...A liberdade consiste no domínio sobre nós mesmos e sobre a natureza exterior, fundado no

240A. Bogdánov cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.141. 241V. I. Lénine, ibidem, p.142.

conhecimento das necessidades naturais.”242.

Lénine, examina, então, as premissas gnosiológicas em que assenta este raciocínio de Engels. Em primeiro lugar, o reconhecimento das leis da natureza, a necessidade da natureza (aquilo a que os empiriocriticistas chamam “metafísica”).

Em segundo lugar, considerando o conhecimento e a vontade do homem por um lado e a necessidade da natureza por outro, Engels toma a necessidade da natureza como o primário e a vontade e a consciência como o secundário. Engels, diz Lénine, não se preocupa em inventar “definições” da liberdade e da necessidade.

Em terceiro lugar, diz Lénine, Engels não duvida da existência da necessidade não conhecida pelo homem. Este é um ponto de vista que os empiriocriticistas não podem aceitar: “Conhecer a existência de uma necessidade não conhecida? Não será isto «mística», não será «metafísica», não será reconhecimento de «fetiches» e de «ídolos», não será a «kantiana coisa em si incognoscível»?”243,

pergunta Lénine, assim caracterizando o posicionamento daquela linha filosófica em relação ao materialismo. Lénine, respondendo aos machistas, faz notar a “identidade completa dos raciocínios de Engels sobre a cognoscibilidade da natureza objectiva das coisas e sobre a transformação da «coisa em si» em «coisa para nós», por um lado, e dos seus raciocínios sobre a necessidade cega, não conhecida, por outro”244. São inseparáveis. Gnosiologicamente, diz, não há nenhuma diferença entre a transformação da

“coisa em si” em “coisa para nós” e a transformação da necessidade cega, não conhecida, “necessidade em si” em “necessidade para nós”, conhecida, porque partem do mesmo ponto de vista fundamental, isto é, o reconhecimento materialista da realidade objectiva do mundo exterior e das suas leis objectivas, “sendo tanto este mundo como estas leis plenamente cognoscíveis para o homem, mas sem poderem nunca ser conhecidos até ao fim”245. Lénine dá um exemplo: não conhecemos a necessidade dos

fenómenos meteorológicos e nessa medida somos escravos do tempo; mas sem conhecer esta necessidade

sabemos que ela existe. E esse conhecimento vem-nos precisamente de onde nos vem o conhecimento de

que as coisas existem fora da nossa consciência e independentemente dela: “do desenvolvimento dos nossos conhecimentos, que mostra milhões de vezes a cada homem que a ignorância dá lugar ao saber quando um objecto actua sobre os nossos órgãos dos sentidos, e o contrário: o saber transforma-se em ignorância quando a possibilidade de tal acção é eliminada”246.

Em quarto lugar, Engels, no seu raciocínio, destaca Lénine, “aplica claramente o método do «salto vital» em filosofia, isto é, dá um salto da teoria para a prática”247. Isto é contrário ao que fazem os

machistas que separam a teoria da prática: “para eles uma coisa é a teoria do conhecimento, em que é preciso cozinhar com a maior subtileza verbal as «definições», e outra coisa completamente diferente é a

242F. Engels cit. por V. I. Lénine, ibidem, p.143. 243V. I. Lénine, ibidem.

244idem, ibidem. 245idem, ibidem, p.144. 246idem, ibidem. 247idem, ibidem.

prática”. Lénine continua:

“Em Engels, toda a prática humana viva irrompe na própria teoria do conhecimento, fornecendo um critério objectivo da verdade: enquanto não conhecemos uma lei da natureza, ela, existindo e actuando à margem, fora do nosso conhecimento, faz de nós escravos da «necessidade cega». Depois de tomarmos conhecimento desta lei, que actua (como Marx repetiu milhares de vezes)

independentemente da nossa vontade e da nossa consciência, tornamo-nos senhores da natureza.

O domínio sobre a natureza, que se manifesta na prática da humanidade, é o resultado de um reflexo objectivamente fiel no espírito do homem dos fenómenos e dos processos da natureza, é a prova de que este reflexo (nos limites daquilo que a prática nos mostra) é uma verdade objectiva, absoluta, eterna.”248

Assim, como mostra Lénine, “cada passo do raciocínio de Engels, quase literalmente cada frase, cada proposição, estão inteira e exclusivamente construídas sobre a gnosiologia do materialismo dialéctico, sobre premissas que são a refutação contundente de todos os disparates machistas acerca dos corpos como complexos de sensações […]”249. Os machistas não podem, por isso, sem cair (novamente)

em profunda incoerência, sem deixarem de ser inconsequentes, reter uma das aplicações do materialismo dialéctico (da liberdade e da necessidade) e defenderem posições agnósticas e idealistas. E podem ainda menos, no caso dos machistas russos, apresentar esta filosofia retirada “das eclécticas sopas dos pobres”, indo “buscar a Mach um bocadinho de agnosticismo e um nadinha de idealismo, misturando isto com um bocadinho de materialismo dialéctico de Marx” e dizer tratar-se do desenvolvimento do marxismo.

14. O empiriocriticismo, o seu desenvolvimento histórico e a sua correlação com outras correntes