• Nenhum resultado encontrado

II – O que há de idealismo na interpretação bohriana da mecânica quântica

2. A complementaridade de Bohr

Como forma de resolver os problemas colocados pelas novas descobertas da física, Bohr defende a ideia da complementaridade, que apresenta como um resultado necessário que emana directamente dos dados da experiência. Apresenta-a fundamentada numa determinada consideração sobre a relação objecto e instrumento de medida. Como Bohr recorda, no Internacional Physical Congress, em homenagem a Volta, em Como, Itália, em Setembro de 1927, onde apresentou pela primeira vez o ponto de vista da complementaridade: “eu defendi o ponto de vista convenientemente designado «complementaridade», adequado para incluir os traços característicos da individualidade dos fenómenos quânticos e, ao mesmo tempo, para clarificar os aspectos peculiares do problema observacional neste campo da experiência”494. A

entendidas como erro. A lei de Boyle diz que, a temperatura constante, o volume de um gás é inversamente proporcional à pressão. Regnault descobriu que esta lei não é válida em certos casos. Se Regnault tivesse adoptado a posição anti-dialéctica de Dühring, diz Engels, teria afirmado que a lei de Boyle é mutável, logo não é uma verdade genuína, logo não é verdade, logo é erro. Mas se o tivesse feito, teria cometido um erro bem maior do que aquele que está contido na lei de Boyle, que é aproximadamente verdadeira, isto é, que é verdadeira dentro de certos limites, que Regnault descobriu com as suas experiências. Cf. F. Engels, Anti-Dühring, in Karl Marx-

Frederick Engels Collected Works, New York, International Publishers, v.25, 1987, p. 84-85.

492Cf. H. Hörtz, et al., op. cit., p. 71.

493V.I. Lénine, Obras Escolhidas em 6 tomos, t.6 (Cadernos Filosóficos), Lisboa, Moscovo, Edições Avante- Edições Progresso, 1989, p. 178.

isto liga-se intimamente a convicção de Bohr de que os fenómenos, incluindo os fenómenos quânticos, só podem ser descritos em termos clássicos. A complementaridade traduz a ideia de que os resultados obtidos sob condições experimentais diferentes não podem ser compreendidos, reunidos, numa única imagem. Os fenómenos seriam complementares no sentido de que “apenas a totalidade dos fenómenos esgota a informação possível acerca dos objectos”495. Assim, as implicações epistemológicas da devida

consideração da nossa posição em relação à observação – para que o desenvolvimento da física teria chamado a atenção – obrigariam, diz Bohr, à renúncia das formas habituais de explicação. Em troca, a complementaridade ofereceria “meios lógicos” para a compreensão de novos campos da experiência496.

As novas descobertas na física conduziram à impossibilidade da sua explicação em termos das ideias clássicas da mecânica e do electromagnetismo, reconhece Bohr. A existência do quantum de acção é bastante estranha às leis clássicas da mecânica e do electromagnetismo e limita a sua validade essencialmente àqueles fenómenos que envolvem acções grandes quando comparadas com o valor de um único quantum, dado pela constante de Planck, diz. É o quantum de acção que impede a fusão dos electrões e núcleo do átomo numa massa neutra de extensão praticamente infinitesimal, o que deveria suceder de acordo com uma explicação clássica. A existência do quantum expressaria, então, de facto, uma nova característica de individualidade dos processos físicos497, diz Bohr. Foi o reconhecimento

daquela situação que sugeriu a descrição da ligação de cada electrão no campo à volta do núcleo como uma sucessão de processos individuais através dos quais o átomo é transferido de um estado estacionário para outro, emitindo radiação na forma de um único quantum, explica.

A descoberta do quantum de acção obrigaria a uma revisão do problema da observação. Se problemas da mesma natureza tinham já sido levantados noutras áreas do conhecimento, diz Bohr, esta situação não tinha precedentes na história da física a qual se teria baseado até então na assunção, bem adaptada para o domínio em questão, de que é possível discriminar entre o comportamento dos objectos e a sua observação498. Porém, “o ponto crítico é aqui o reconhecimento de que qualquer tentativa de

analisar, na forma habitual da física clássica, a «individualidade» dos processos atómicos, condicionada pelo quantum de acção, será frustrada pela inevitável interacção entre os objectos atómicos em causa e os instrumentos de medição indispensáveis para esse fim”499. Tal interacção coloca um “limite absoluto à

possibilidade de falar de um comportamento dos objectos atómicos que seja independente dos meios de observação”500. Em mecânica quântica, diz Bohr, “não estamos a lidar com uma renúncia arbitrária de

uma análise mais detalhada dos fenómenos atómicos, mas com o reconhecimento que tal análise é em

princípio [sublinhado de Bohr] excluída”501.

and Human Knowledge, New York, Dover Publications Inc, 2010 (republicação integral de Atomic Physics and Human Knowledge, New York, Science Editions Inc., 1961), p. 39.

495idem, ibidem, p. 40.

496idem, «Unity of Knowledge» (1967), in ibidem., p. 78.

497Cf. idem, «Biology and Atomic Physics» (1937), in ibidem, p. 17. 498Cf. idem, ibidem, p. 19.

499idem, ibidem.

500Cf. idem, «Natural Philosophy and Human Cultures» (1939), in ibidem, p. 25.

Em casos em que a acção envolvida é grande comparada com o quantum de acção, é possível uma subdivisão do fenómeno. Porém, de acordo com Bohr, se esta condição não se verifica, a acção dos instrumentos de medida no objecto sob investigação não pode ser ignorada e conduz à exclusão mútua dos vários tipos de informação necessários a uma “completa descrição mecânica”. Esta “aparente incompletude” da análise mecânica dos fenómenos atómicos é originada, em última análise, pela ignorância da reacção entre objecto e instrumento de medida, inerente a qualquer medição. Assim, na região em que o quantum de acção não pode ser desprezado, não é mais possível distinguir claramente entre o comportamento autónomo do objecto físico e a sua interacção inevitável com os outros corpos que servem de instrumentos de medida502. “Na física quântica, esta interacção forma, então, uma parte

inseparável do fenómeno”503. Esta situação é distinta daquela que se verifica na física clássica, em que a

escala de observação permite uma distinção entre o comportamento do objecto e do instrumento de medida, ou melhor, permite ignorar, a determinado nível, ou compensar, essa interacção entre objecto e instrumento de medida. A noção de complementaridade, diz Bohr, “serve para simbolizar a limitação fundamental, que encontramos na física atómica, da existência objectiva do fenómeno independente dos meios da sua observação”504.

O que a nova física nos obriga a fazer é, pois, notar as assunções inicialmente despercebidas. Mas esta situação não é restrita ao domínio da física. Para Bohr, o que a nova situação na mecânica quântica nos indica é de ordem mais geral, é a clarificação filosófica das pressuposições subjacentes a todo o conhecimento humano. Estamos perante a necessária adopção de toda uma nova atitude epistemológica, considera Bohr. As conclusões que Bohr retira do domínio experimental eleva-as, pois, a princípio epistemológico. O reconhecimento de tais assunções, a sua consideração explícita, seria, segundo Bohr, um passo na direcção da clareza, da eliminação das “arbitrariedades” e “ambiguidades” no uso dos conceitos505.

Assim, por não ser possível, no domínio quântico, estabelecer tal distinção entre objecto e instrumento de medida, continua Bohr, “os aparentemente incompatíveis tipos de informação acerca do comportamento do objecto sob exame que obtemos através de diferentes arranjos experimentais não podem claramente ser postos em conexão uns com os outros da maneira usual, mas podem, de forma igualmente essencial para uma consideração exaustiva de toda a experiência, serem vistos como «complementares» uns com os outros”506. Desta forma, dar conta de forma “não ambígua” dos fenómenos

quânticos obriga a incluir uma descrição de todas as características relevantes do arranjo experimental507. 502Cf. idem, «Causality and Complementarity», in Philosophy of Science, Vol. 4, no. 3 (Jul., 1937), p. 290.

503idem, «Quantum Physics and Philosophy» (1958), in Niels Bohr Collected Works, Vol. 7, Foundations of quantum physics II (1933-1958), Kalckar, J. ed., North-Holland, Amsterdam, 1996, p. 311.

504idem, «Light and Life» (1933), in Atomic Physics and Human Knowledge, New York, Dover Publications Inc, 2010 (republicação integral de Atomic Physics and Human Knowledge, New York, Science Editions Inc., 1961), p. 7.

505idem, «Causality and Complementarity», in Philosophy of Science, Vol. 4, no. 3 (Jul., 1937), p. 290. 506idem, ibidem, p. 291.

507Cf. idem, «Quantum Physics and Philosophy» (1958), in Niels Bohr Collected Works, Vol. 7, Foundations of quantum physics II (1933-1958), Kalckar, J. ed., North-Holland, Amsterdam, 1996, p. 311.

Cada resultado deve ser interpretado, não como uma informação acerca de propriedades independentes do objecto, mas como estando inerentemente ligado a uma dada situação experimental508. Assim, na

mecânica quântica é excluída a possibilidade de uma divisibilidade ilimitada dos fenómenos pela exigência de especificar as condições experimentais. Existe, pois, uma característica de totalidade, diz Bohr, típica dos fenómenos quânticos que encontra “a sua expressão lógica na circunstância de que qualquer tentativa de uma subdivisão bem definida obrigaria a uma mudança no arranjo experimental incompatível com a definição do fenómeno sob investigação”509. Será, pois, a exclusão mútua de

quaisquer dois procedimentos experimentais que permitirá a definição não ambígua das quantidades físicas complementares510. Pondo ao contrário, só é possível evitar ambiguidades, contradições, se se

excluir mutuamente quaisquer dois procedimentos experimentais.

Em mecânica quântica, estamos perante uma renúncia, em cada arranjo experimental, de um ou do outro dos dois aspectos da descrição dos fenómenos físicos (a posição ou o momento, o tempo ou a energia...), a combinação dos quais caracteriza o método da física clássica e que, consequentemente, neste sentido, podem ser considerados como complementares entre si. Isto deve-se essencialmente, continua Bohr, à impossibilidade de, no domínio quântico, se controlar com precisão a reacção do objecto nos instrumentos de medida, isto é, a transferência de momento no caso das medições de posição e o deslocamento, no caso de medições do momento511. Não está em causa, de acordo com Bohr, a ignorância

do valor de certas quantidades físicas, mas sim a impossibilidade definir estas quantidades de forma não ambígua. A mecânica quântica é completa, argumenta Bohr, porque é uma “utilização racional de todas as possibilidades de uma interpretação não ambígua das medidas compatível com a interacção finita e incontrolável entre os objectos e os instrumentos de medição no domínio da teoria quântica. De facto, é apenas a exclusão mútua de quaisquer dois procedimentos experimentais, permitindo a definição não ambígua de quantidades físicas complementares, que fornece espaço para novas leis físicas, a coexistência das quais pode parecer, à primeira vista, irreconciliável com os princípios básicos da ciência. É precisamente esta situação inteiramente nova respeitante à descrição dos fenómenos físicos que a noção de complementaridade pretende caracterizar”512.

Esta situação é contrária àquela que se nos apresenta na física clássica em que todas as propriedades características de um objecto podem ser, em princípio, determinadas por um único arranjo experimental, embora diferentes experiências sejam convenientes para o estudo de diferentes aspectos do fenómeno. Dados assim obtidos podem ser combinados numa imagem consistente do comportamento do objecto. Na mecânica quântica isto não é possível. “As evidências sobre os objectos atómicos obtidas por diferentes arranjos experimentais exibem um novo tipo de relação complementar. De facto, deve ser

508Cf. idem, «Natural Philosophy and Human Cultures» (1939), in Atomic Physics and Human Knowledge, New York, Dover Publications Inc, 2010 (republicação integral de Atomic Physics and Human Knowledge, New York, Science Editions Inc., 1961), p. 26.

509idem, «Quantum Physics and Philosophy» (1958), in Niels Bohr Collected Works, Vol. 7, Foundations of quantum physics II (1933-1958), Kalckar, J. ed., North-Holland, Amsterdam, 1996, p. 311.

510Cf. idem, «Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality be Considered Complete?», in Physical

Review, Vol. 48 (Oct. 1935), p. 700.

511Cf. idem, ibidem, p. 699. 512idem, ibidem, p. 700.

reconhecido que tais evidências, que aparecem contraditórias quando a combinação numa única imagem é tentada, esgotam todo o conhecimento possível acerca do objecto”513. Isto é, as contradições só surgem

quando se tenta combinar numa única imagem acerca do objecto os resultados obtidos em diferentes arranjos experimentais. Tais resultados representam “aspectos igualmente essenciais de qualquer conhecimento acerca do objecto em questão[...]”514, mas “não podem ser combinados numa única

imagem[...]”515. Das palavras de Bohr retiramos que, na mecânica quântica, não é possível uma imagem

consistente do objecto.

Pelo facto de, na mecânica quântica, a interacção entre objecto e instrumento de medida não poder ser desprezável, Bohr traça aqui uma distinção fundamental entre a descrição clássica e quântica dos fenómenos. Esta circunstância conduz a que, na mecânica quântica, sejamos obrigados a discriminar o que deve ser tratado como objecto ou como instrumento de medida: “Esta necessidade de discriminar, em cada arranjo experimental, entre aquelas partes do sistema físico considerado que devem ser tratadas como instrumentos de medida e aquelas que constituem os objectos sob investigação pode dizer-se constituir uma distinção principal entre a descrição clássica e quântica dos fenómenos físicos”516.

As informações acerca do objecto assim obtidas, isto é, através de diferentes arranjos experimentais, podem ser caracterizadas de “complementares”. É a introdução do ponto de vista da complementaridade que permite compatibilizar, “logicamente”, resultados aparentemente contraditórios obtidos por diferentes arranjos experimentais517. A complementaridade aparece como uma forma, ou a

forma, de resolver contradições; segundo Bohr, como forma de evitar “contradições aparentes” com que o conhecimento humano se depara. O ponto de vista da complementaridade seria aquele através do qual a mecânica quântica poderia aparecer como uma descrição completamente racional dos fenómenos físicos com que nos deparamos nos processos atómicos518. No entanto, segundo Bohr, a complementaridade não

restringe os nossos esforços de pôr perguntas à natureza na forma de experiências; apenas caracteriza as respostas que podemos receber de tal inquirição.

Espaço e tempo vs momento e energia

De acordo com Bohr, a “coordenação” espácio-temporal de um acontecimento e os teoremas gerais de conservação da dinâmica são complementares. Ou, de forma mais concreta, a coordenada e o

513idem,«Quantum Physics and Philosophy» (1958), in Niels Bohr Collected Works, Vol. 7, Foundations of quantum physics II (1933-1958), Kalckar, J. ed., North-Holland, Amsterdam, 1996, p. 311.

514idem, «Natural Philosophy and Human Cultures» (1939), in Atomic Physics and Human Knowledge, New York, Dover Publications Inc, 2010 (republicação integral de Atomic Physics and Human Knowledge, New York, Science Editions Inc., 1961), p. 26.

515idem, ibidem, p. 26.

516idem, «Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality be Considered Complete?», in Physical

Review, Vol. 48 (Oct.1935), p. 701.

517Cf. idem, «Causality and Complementarity», in Philosophy of Science, Vol. 4, no. 3 (Jul., 1937), p. 291. 518Cf. idem, «Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality be Considered Complete?», in Physical

momento de uma partícula encontram-se numa relação complementar, assim como o tempo e a energia. “Qualquer procedimento imaginável com vista à coordenação no espaço e no tempo dos electrões no átomo irá envolver inevitavelmente uma essencialmente incontrolável troca de momento e energia entre o átomo e as agências de medição […]. Inversamente, qualquer investigação de tais regularidades, a descrição das quais implica as leis de conservação de energia e momento, irá, em princípio, impor uma renúncia no que diz respeito à coordenação espácio-temporal dos electrões individuais no átomo”519. Tal

combinação é possível e característica da mecânica clássica onde é possível determinar, por exemplo, a posição e a energia de uma partícula. Mas deixa de o ser ao nível quântico.

Consideremos as medições destinadas a obter uma descrição do curso espácio-temporal de um acontecimento físico. Tal consiste “em última análise, no estabelecimento de uma série de conexões não ambíguas entre o comportamento do objecto e as hastes e os relógios que definem o sistema de referência”, diz Bohr. Só se pode falar de um comportamento espácio-temporal do objecto autónomo das condições de observação, considera, se se puder ignorar completamente as interacções entre o objecto e os instrumentos de medida, as quais inevitavelmente acompanham o estabelecimento daquelas conexões. Como no domínio quântico essa interacção desempenha um papel fundamental no aparecimento dos próprios fenómenos, ela não pode, ao contrário do que acontece na mecânica clássica, ser ignorada, pelo que deixamos de poder combinar grandezas que, a este nível de investigação vêm, afinal, revelar-se complementares. Assim – Bohr concretiza – o uso de hastes e relógios para fixar o sistema de referência torna impossível, “por definição”, ter em conta a energia e momento transferidos para eles.

Inversamente, as leis quânticas cuja formulação assenta essencialmente na aplicação dos conceitos de momento e energia apenas podem aparecer sob condições de investigação nas quais uma descrição detalhada do comportamento espácio-temporal do objecto é excluída520.

Tomemos uma situação experimental concebida para prever a posição de uma partícula. O arranjo consiste num diafragma com uma fenda e num alvo (como, por exemplo, uma placa fotográfica), ambos fixos num suporte que define o sistema de referência521. (Medir a posição da partícula significa

estabelecer uma correlação entre o seu comportamento e o instrumento rigidamente fixo no suporte que define o sistema de referência. Aqui, a largura da fenda corresponde à incerteza na posição da partícula). Quando a partícula passa pela fenda, a partícula transfere momento para o diafragma – objecto e instrumento de medição interagem. Sucede que a transferência de momento entre partícula e diafragma é, diz Bohr, por princípio, incontrolável. Bohr explica: o momento trocado entre a partícula e o diafragma (bem como com outras partes do arranjo) passa também para o suporte comum – desta forma, eliminamos voluntariamente qualquer possibilidade de ter em conta estas reacções separadamente para previsões que

519Cf. idem, «Biology and Atomic Physics» (1937), in Atomic Physics and Human Knowledge, New York, Dover Publications Inc, 2010 (republicação integral de Atomic Physics and Human Knowledge, New York, Science Editions Inc., 1961), pp19.

520Cf. idem, «Causality and Complementarity», in Philosophy of Science, Vol. 4, no. 3 (Jul., 1937), p. 291. 521Ver idem, «Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality be Considered Complete?», in Physical

digam respeito ao resultado final da experiência522. Assim, mesmo que o momento da partícula seja

totalmente conhecido antes da passagem, a difracção da partícula pela fenda (ou melhor, de acordo com Bohr, a difracção pela fenda da onda plana que simbolicamente representa o estado da partícula) implica uma incerteza no momento da partícula após a sua passagem pelo diafragma. E essa incerteza no momento é tanto maior quanto menor for a fenda (o que equivale a dizer: quanto menor for a incerteza na sua posição). Os mesmos problemas são descritos por Bohr para a situação experimental inversa concebida para medição do momento, na qual o diafragma não está rigidamente fixado no suporte.

Os argumentos decisivos quanto às medições do tempo em mecânica quântica são, diz Bohr, completamente análogos aos que dizem respeito à medição das posições. Da mesma forma que a transferência de momento do objecto a partes distintas do arranjo experimental é completamente incontrolável, também é a transferência de energia: “é excluído, por princípio, controlar a energia que é transferida para os relógios sem interferir essencialmente com o seu uso como indicadores do tempo”523.

Tempo e energia encontram-se, tal como a posição e o momento, numa relação de complementaridade. “Tal como na questão acima discutida do carácter mutuamente exclusivo de qualquer uso não ambíguo na teoria quântica dos conceitos de posição e momento, é, em último caso, esta a circunstância que implica a relação de complementaridade entre qualquer descrição temporal detalhada dos fenómenos atómicos por um lado e as características não clássicas da estabilidade intrínseca dos átomos, desvendadas pelo estudo das transferências de energia nas reacções atómicas, por outro lado”524.

O uso do microscópio envolveria os mesmos problemas observacionais. Esta é outra situação experimental em que se manifestaria esta mesma relação complementar entre as grandezas espácio- temporais (coordenadas e tempo) e dinâmicas (momento e energia). A medição da posição de um electrão através do uso de radiação electromagnética de elevada frequência, de acordo com as relaçõesE=hν e

p=hk , irá estar ligado a uma troca de momento entre o electrão e as componentes do microscópio,

tanto maior quanto maior a precisão pretendida para a medição da posição525. Assim, quanto maior a

precisão pretendida para a medição da posição, maior a energia da radiação incidente necessária, logo