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370idem, ibidem.

16. O empiriocriticismo e o materialismo histórico

Lénine também se detém sobre as posições dos machistas no que concerne à história, ou, de outra maneira, no que concerne à aplicação do materialismo dialéctico aos processos históricos: o materialismo histórico. Assinalaremos apenas alguns aspectos abordados por Lénine acerca desta questão.

Após analisar “as excursões dos empiriocriticistas alemães ao domínio das ciências sociais”, Lénine conclui que nelas não se encontra nada mais do que as mesma velhas ideias sob uma terminologia nova e sistematização empiriocriticista: “trajo pretensioso de subterfúgios verbais, alambicados artifícios silogísticos, escolástica refinada – numa palavra, tanto em sociologia como em gnosiologia, o mesmo conteúdo reaccionário sob o mesmo rótulo berrante”423.

Os machistas russos, relembra Lénine, dividem-se em dois grandes grupos: os que “são completos e consequentes adversários do materialismo dialéctico, tanto em filosofia como em história”, e os que pretendem ser marxistas e se esforçam por asseverar que o machismo é compatível com o materialismo histórico de Marx e de Engels424.

Bogdánov, que se insere neste último grupo, afirma que “a socialidade é inseparável da consciência. O ser social e a consciência social são, no sentido exacto destas palavras, idênticos”. Lénine responde: esta proposição é falsa. Trata-se de uma deturpação do materialismo no espírito do idealismo. “O ser social e a consciência social”, esclarece Lénine, “não são idênticos, exactamente como

419idem, ibidem, p. 235. 420idem, ibidem. 421idem, ibidem. 422idem, ibidem, p. 236. 423idem, ibidem, p. 244. 424idem, ibidem, p. 238.

não são idênticos o ser em geral e a consciência em geral”425. Se pretendesse ser materialista, Bogdánov

deveria dizer que a consciência reflecte o ser – esta é uma tese geral de todo o materialismo, sublinha Lénine. “O reflexo pode ser a cópia aproximadamente fiel do reflectido, mas é absurdo falar aqui de identidade”426 e “é impossível não ver a sua ligação imediata e indissolúvel com a tese do materialismo

histórico: a consciência social reflecte o ser social”427. A afirmação da identidade do ser e da consciência é

idealismo expresso.

Lénine sublinha a importância da descoberta das leis das modificações que se dão no ser social pela produção e pela trocas de produtos, da descoberta, “nas suas grandes linhas”, da “lógica objectiva destas modificações e do seus desenvolvimento histórico – objectiva não no sentido de que uma sociedade de seres conscientes, de pessoas, pudesse existir e desenvolver-se independentemente da existência dos seres conscientes […], mas no sentido de que o ser social é independente da consciência

social das pessoas”428. E continua:

“O facto de que viveis e exerceis uma actividade económica, de que procriais e fabricais produtos, de que os trocais, dá origem a uma cadeia objectivamente necessária de acontecimentos, uma cadeia de desenvolvimento, independente da vossa consciência social, nunca apreendida por esta na totalidade, A tarefa mais elevada da humanidade é apreender esta lógica objectiva da evolução económica (da evolução do ser social) nos seus traços gerais e essenciais, a fim de adaptar a ela, tão nítida, clara e criticamente quanto possível, a sua consciência social e a consciência de todas as classes avançadas de todos os países capitalistas.”429

Lénine dá ainda um outro exemplo acerca de Bogdánov no qual ele, a pretexto de uma investigação marxista, reveste os resultados anteriormente obtidos com uma terminologia biológica e energética, sem acrescentar nada de novo. No livro III do Empiriomonismo, Bogdánov afirma: “Podemos formular da seguinte maneira a ligação fundamental da energética e da selecção social: Todo o acto de

selecção social representa um aumento ou uma diminuição da energia do corpo social a que se refere. No primeiro caso, temos uma 'selecção positiva', no segundo uma 'selecção negativa'”430. Isto, para Lénine,

são disparates que se fazem passar por marxismo, são algo “estéril, morto, escolástico”, uma “enfiada de termos biológicos e energéticos que não dão nem podem dar absolutamente nada no campo das ciências sociais”. “Nem uma sombra de investigação económica concreta, nem uma alusão ao método de Marx, ao método dialéctica e à concepção materialista do mundo, mera invenção de definições, tentativas de as ajustar às conclusões acabadas do marxismo”431. Bogdánov continua: “O rápido desenvolvimento das

forças produtivas da sociedade capitalista é indubitavelmente um aumento da energia do todo social...”, “mas o carácter desarmónico deste processo leva a que ele culmine numa 'crise', num gasto enorme de

425idem, ibidem, p. 244-245. 426idem, ibidem, p. 245. 427idem, ibidem. 428idem, ibidem, p. 246. 429idem, ibidem. 430idem, ibidem, p. 247-248. 431idem, ibidem, p. 248.

forças produtivas, numa brusca diminuição da energia: a selecção positiva é substituída pela selecção negativa”.

Lénine comenta que isto não é mais do que pregar uma “etiqueta biológico-energética em conclusões já prontas acerca das crises, sem acrescentar nenhum material concreto, sem esclarecer a natureza das crises. Tudo isto com a melhor das intenções, porque o autor quer confirmar e aprofundar as conclusões de Marx, mas de facto dilui-as com uma escolástica morta e insuportavelmente aborrecida. De «marxista» só há aqui a repetição de uma conclusão já conhecida, e toda a sua «nova» fundamentação, toda esta «energética social» e «selecção social» não são mais do que um amontoado de palavras” ou, usando outra expressão de Lénine, de “termos falhos de conteúdo”432. Lénine continua constatando a

inutilidade desta tentativa de Bogdánov porque a aplicação dos conceitos de “selecção”, de “energia”, “balanço energético”, “assimilação” e “desassimilação”, etc., às ciências sociais “não passa de uma frase

vazia”. “Na realidade”, diz Lénine, “não é possível fazer nenhuma investigação dos fenómenos sociais,

nenhum esclarecimento do método das ciências sociais por meio destes conceitos. Nada mais fácil do que colar uma etiqueta «energética» ou «biológico-sociológica» a fenómenos como crises, revoluções, luta de classes, etc., mas também nada mais estéril, escolástico, morto, do que esta ocupação”433.

Marx também critica Lange, não sem uma ponta de sarcasmo, por empreender um movimento semelhante ao que observamos em Bogdánov. Escreve Marx a Kugelmann: “O Sr. Lange faz-me grandes elogios...com o fim de se apresentar a si como um grande homem. É que o Sr. Lange fez uma grande descoberta. Toda a história pode ser subordinada a uma única grande lei natural. Esta lei natural resume- se na frase 'Struggle for life', luta pela vida (a expressão de Darwin assim empregada torna-se uma frase oca), e o conteúdo desta frase é a lei malthusiana da população, ou melhor, da superpopulação. Portanto, em vez de analisar esta 'Struggle for life' tal como se manifesta historicamente nas diferentes formas sociais, basta transformar cada luta concreta na frase 'Struggle for life' , e esta frase na fantasia malthusiana acerca da população. Convenhamos que é um método muito convincente – para a ignorância empolada, pretensamente científica e bombástica e para a preguiça mental”434. Lénine clarifica que a base

desta crítica não é a introdução específica do malhusianismo na sociologia, “mas em que a transferência dos conceitos biológicos em geral para as ciências sociais é uma frase”435, independentemente de ser feita

com “boas” intenções ou com o objectivo de apoiar conclusões sociológicas falsas.

Ao contrário de Feuerbach, que foi “materialista em baixo e idealista em cima”, Bogdánov foi idealista em baixo e materialista em cima, diz Lénine. Marx e Engels, que cresceram a partir de Feuerbach, esforçaram-se por levar a construção da filosofia materialista até cima, isto é, diz Lénine, não à gnosiologia materialista, mas à concepção materialista da história. “Por isso, nas suas obras Marx e Engels acentuaram mais o materialismo dialéctico do que o materialismo dialéctico, insistiram mais no materialismo histórico do que no materialismo histórico”436. Acontece que os machistas russos que 432idem, ibidem.

433idem, ibidem.

434K. Marx cit. por V. I. Lénine, ibidem, p. 248. 435V. I. Lénine, ibidem, p. 249.

pretendem ser marxistas, tal como Bogdánov, abordaram a questão num período histórico diferente: a filosofia burguesa especializava-se particularmente na gnosiologia, prestava uma maior atenção à reconstituição do idealismo em baixo e não do idealismo em cima, conclui Lénine, pelo que, pelo menos o positivismo em geral e o machismo em particular dedicaram pouca atenção à filosofia da história. “Os nossos machistas”, diz Lénine referindo-se assim aos machistas russos, “não compreenderam o marxismo, porque lhes aconteceu abordá-lo, por assim dizer, do outro lado, e eles assimilaram – e por vezes não tanto assimilaram como aprenderam de cor – a teoria económica e histórica de Marx, sem terem compreendido os seus fundamentos, isto é, o materialismo filosófico”437. Assim, “gostariam de ser

materialistas em cima, mas não sabem desembaraçar-se de um idealismo confuso em baixo!”438.

Também em Suvórov – que escreve, com outros autores os Ensaios sobre a Filosofia do

Marxismo, mas que são, na verdade, contra, como mostra Lénine – se encontram raciocínios semelhantes

aos de Bogdánov. “O artigo de Suvórov”, a que Lénine se refere, “é tanto mais interessante nestas condições”, diz, “quanto o autor não é empiriomonista” (como Bogdánov), “nem empiriocriticista, mas simplesmente «realista»”439. Assim, releva o que há, não de diferente, mas de comum entre eles contra o

materialismo dialéctico. “A comparação dos argumentos sociológicos deste «realista» com os argumentos de um empiriomonista”, diz Lénine, “ajudar-nos-á a descrever a sua tendência comum”440.

Vejamos as afirmações de Suvórov:

“Na gradação das leis que regulam o processo mundial, as leis particulares e complexas reduzem- se às leis gerais e simples e todas elas se subordinam à lei universal do desenvolvimento, a lei da

economia das forças. A essência desta lei consiste em que qualquer sistema de forças é tanto mais capaz de conservação e desenvolvimento quanto menor for o gasto, quanto maior for a acumulação e quanto melhor o gasto servir a acumulação. As forças do equilíbrio móvel, que há

muito tempo fizeram nascer a ideia de uma racionalidade objectiva (sistema solar, ciclo dos fenómenos terrestres, processo da vida), formam-se e desenvolvem-se precisamente devido à conservação e acumulação da energia que lhes é inerente, devido à sua economia interna. A lei da economia das forças é o princípio unificador e regulador de todo o desenvolvimento – inorgânico, biológico e social”441.

Lénine comenta a enorme facilidade com que os “positivistas” e “realistas” russos fabricam leis “universais”: “Só é pena que estas leis não sejam nada melhores do que as que Eugen Dühring fabricava com a mesma rapidez e facilidade. A «lei universal» de Suvórov é uma frase tão empolada e vazia de sentido como as leis universais de Dühring”. Lénine explica: “Tentai aplicar esta lei ao primeiro dos três domínios indicados pelo autor: o desenvolvimento inorgânico. Vereis que não conseguireis aplicar aqui nenhuma «economia de forças» além da lei da conservação e da transformação da energia, quanto mais aplicar «universalmente». E Lénine pergunta o que é que ficou, além desta lei, no domínio do

437idem, ibidem, p. 250. 438idem, ibidem. 439idem, ibidem, p. 251. 440idem, ibidem.

desenvolvimento inorgânico; pergunta onde estão os complementos ou as novas descobertas que permitiram a Suvórov “aperfeiçoar” a lei da conservação e transformação da energia em lei da “economia das forças”. E conclui que tais novos factos ou descobertas não existem. Ele simplesmente, para fazer efeito, diz Lénine, “pegou na pena e lançou no papel uma nova «lei universal» da «filosofia real-monista”

442.

O mesmo em relação ao segundo domínio do desenvolvimento mencionado por Suvórov, o biológico. Pergunta Lénine: “Aqui, em que o desenvolvimento dos organismos tem lugar através da luta pela existência e da selecção, é a lei da economia das forças ou a «lei» da dilapidação das forças que é universal? Que importa! A «filosofia real-monista» pode entender de uma maneira o «sentido» da lei universal num domínio e doutra maneira noutro, por exemplo, como desenvolvimento dos organismos

superiores a partir dos inferiores. Pouco importa que devido a isto a lei universal se torne uma frase vazia;

em contrapartida, o princípio do monismo é respeitado”443.

O mesmo em relação ao terceiro domínio – o social. Aqui já se pode entender a “lei universal” num terceiro sentido, “como desenvolvimento das forças produtivas”, continua Lénine. “É por isso que é uma «lei universal», para que se possa aplicar a tudo o que se queira”444, ironiza.

Citemos ainda um último exemplo. Segundo Suvórov, “o desenvolvimento das forças produtivas corresponde ao crescimento da produtividade do trabalho, à diminuição relativa dos gastos e à elevação da acumulação da energia”... “isto é um princípio económico. Deste modo, Marx pôs na base da teoria social o princípio da economia das forças...”445. Lénine não pôde deixar de ironizar e, ao fazê-lo, mostrar

o conteúdo vazio de tais afirmações, mostrar que estamos perante artifícios verbais: “vejam como é fecunda a «filosofia real-monista»: dá uma fundamentação energética do marxismo […] Como Marx tem uma economia política, ruminemos a este propósito a palavra «economia» e chamemos ao produto da ruminação «filosofia real-monista»!446

Note-se a diferença para o método de Marx que se baseia no estudo dos processos concretos. Diz Lénine: “Não, Marx não pôs na base da sua teoria nenhum princípio da economia das forças […] Marx deu uma definição perfeitamente exacta do crescimento das forças produtivas e estudo o processo concreto deste crescimento. Mas Suvórov inventou uma palavra nova para designar o conceito analisado por Marx e inventou uma muito infeliz, apenas confundindo as coisas. Porque Suvórov não explicou o que significa a «economia das forças», como medi-la, como aplicar este conceito, que factos precisos e determinados abrange, e não se pode explicar porque é uma embrulhada”447.

442V. I. Lénine, ibidem, p. 252. 443idem, ibidem.

444idem, ibidem.

445Suvórov cit. por V. I. Lénine, ibidem. 446V. I. Lénine, ibidem.