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Chegados a este ponto, espero estar respondida uma questão que com elevada probabilidade (e denunciando estranheza) terá assolado a mente de alguns que, por uma razão ou por outra tomaram contacto com o tema da presente dissertação: Lénine e mecânica quântica, o que tem Lénine a ver com a mecânica quântica?

Espero que se tenha tornado evidente que as questões que Lénine levanta e desenvolve em

Materialismo e Empiriocriticismo têm uma relação profunda e actual com os problemas filosóficos da

mecânica quântica e da ciência dos nossos dias. Não só pelas linhas gerais que traça de uma teoria do conhecimento materialista dialéctica, que se expõe e desenvolve em oposição ao idealismo, mas também pelo próprio debate de ideias específico que nessa obra decorre: é um debate historicamente localizado, é certo, mas o que lá se diz acaba por revelar correspondências muito interessantes (e reveladoras) com as questões presentes no debate filosófico actual em torno da mecânica quântica. É de particular interesse, tendo em conta a hipótese de que parte a presente dissertação, a análise a que Lénine procede sobre o “idealismo físico”, isto é, a interpretação e utilização idealistas dos resultados das ciências da natureza do século passado.

Lénine é defrontado com uma linha filosófica, o empiriocriticismo, uma corrente positivista, cujos partidários apresentavam contra o materialismo um conjunto de argumentos dados como novos e modernos. Lénine mostra, então, como aquelas mesmas concepções surgem precisamente em filósofos consequentemente idealistas, os quais, juntamente com os materialistas, concorrem na definição das correntes fundamentais em filosofia. Argumentos contra a existência de uma realidade objectiva independentemente da consciência – como se encontram nos empiriocriticistas, nos “positivistas modernos” – estão presentes, como mostra Lénine, naqueles mesmos que pretendem defender a religiosidade e a fé. A corrente agnosticista, cujos argumentos serão também utilizados pelos machistas, procura situar-se acima da resposta à questão (dando o problema por irresolúvel) da origem das nossas sensações: se é a consciência (idealismo) ou se é o mundo exterior independente da consciência (materialismo).

No que diz respeito ao problema da constituição do saber, para o materialismo filosófico, é a matéria o que se encontra na origem das nossas sensações. A mesma posição adoptam, de uma forma geral e espontânea, os cientistas, ao considerarem que as suas sensações são originadas pelo meio exterior.

O empiriocriticismo, por seu turno, assume, nos seus fundamentos, a posição idealista de considerar que a única coisa que podemos tomar por real são as sensações: estas são o dado primário. Para Mach e Avenarius, o mundo é a sensação. Ir para além das sensações, é metafísica. Esta posição conduz ao solipsismo, isto é, à conclusão de que todo o mundo é apenas representação minha. Entre os filósofos que partilham esta posição, há os que se assumem idealistas e os que se pretendem fazer passar por materialistas.

Fundando-se em premissas idealistas, o empiriocriticismo não deixará mais tarde de tentar conciliar-se com as ciências da natureza para o que necessitará de incluir algumas conclusões de cunho materialista. Essas tentativas traduzem-se, nomeadamente, na introdução da expressão “elementos” (Mach), nas chamadas séries dependente e independente da experiência ou na coordenação de princípio (Avenarius). Tanto o idealismo inicial desta doutrina, como o esforço posterior de introduzir elementos materialistas é reconhecido, como mostra Lénine, por vários autores seus contemporâneos. No entanto, como evidencia Lénine, trata-se de tentar conciliar o inconciliável (porque ou se assume o ponto de vista que vai da matéria para a consciência ou que vai da consciência para a matéria).

A sua introdução consiste numa tentativa de resolver alguns dos problemas que decorrem do facto daquela filosofia apresentar conclusões solipsistas decorrentes das premissas idealistas sobre que assenta (os corpos são complexos de sensações) e que entram em contradição com as ciências da natureza que se erigem sobre um materialismo espontâneo, isto é, sobre a assumpção espontânea de que o mundo existe primária e independentemente de quem o pensa, de que o objecto existe sem o sujeito, de que a sensação é o resultado da acção da matéria sobre os nossos órgãos dos sentidos (e que a filosofia materialista coloca conscientemente na sua base).

Um dos momentos em que estas contradições se verificam é quando esta filosofia se defronta com o facto da existência da natureza antes do homem. Para resolver este problema, Avenarius criará a solução do “termo central potencial ” para salvar a coordenação indissolúvel entre o Eu e o meio. Esta solução, segundo Lénine, é de tal forma mística e obscura que deixa as portas abertas ao fideísmo.

Da mesma forma, quando se põe a questão de saber qual a origem do pensamento, a filosofia empiriocriticista dá uma resposta oposta à das ciências da natureza e da filosofia materialista. O empiriocriticismo, por via dos seus principais representantes, nega que o cérebro seja o órgão do pensamento, que o pensamento seja uma função do cérebro. O dualismo entre espírito e corpo é eliminado (defende-se a ligação indissolúvel entre o Eu e o meio), não de maneira materialista, mas da maneira idealista, isto é, concedendo a precedência ao pensamento (o objecto não existe sem o sujeito). Na defesa desta posição, feita também por Avenarius, para além de uma linguagem confusa, professoral e escolástica, que resulta numa forma de ocultar erros e inconsistências, reencontramos a mesma estratégia de argumentação: combatendo supostamente o idealismo em defesa de um “realismo ingénuo”, cai-se novamente no idealismo, facto reconhecido, como Lénine indica, por um conjunto vasto de filósofos de diferentes tendências.

Mas, como Lénine mostra, estas tentativas, pretendendo colocar-se acima do materialismo e do idealismo, têm apenas como resultado uma filosofia ecléctica e incoerente que não se liberta do idealismo subjectivo de que parte e o solipsismo, isto é, o reconhecimento apenas do indivíduo que pensa, é a consequência inevitável.

A propósito da réplica a Tchernov e a Bazárov, Lénine expõe um conjunto de aspectos fundamentais da teoria do conhecimento materialista dialéctica, nomeadamente no que concerne a relação existente entre as nossas representações do mundo e esse mesmo mundo.

Lénine, em acordo com Marx e Engels, afirma a cognoscibilidade do mundo e a prática como o critério que comprova essa mesma possibilidade. Nega, portanto, quaisquer diferenças de princípio entre o fenómeno e a “coisa em si” e chama “invenções filosóficas” à imposição de barreiras ou limites especiais entre um e outro. Afirma o conhecimento como um processo dialéctico, como um processo no qual da ignorância nasce o conhecimento.

Além disso, esclarece que a verdade objectiva significa a existência dos objectos (isto é, existência independente da nossa consciência) reflectidos verdadeiramente pelo pensamento. Sublinha que tomar por idênticos o objecto e as nossas representações desse objecto, isto é, afirmar que “a representação sensorial é precisamente a realidade que existe fora de nós” é uma posição característica do idealismo e do agnosticismo. Para os materialistas, as nossas representações são imagens da realidade existente fora de nós.

Lénine define a verdade objectiva como o conteúdo das representações humanas que não depende do sujeito. A questão de saber se existe a verdade objectiva não deve ser confundida, por um lado, com a questão do critério da verdade objectiva – a prática –, nem com a questão de saber se a verdade objectiva pode ser expressa integralmente ou apenas de forma aproximada – esta é a importante questão da relação entre a verdade absoluta (expressão da verdade objectiva que é absoluta, integral, incondicional) e da verdade relativa (expressão da verdade objectiva que é apenas relativa, aproximada).

Lénine mostra que a definição da verdade como forma organizadora da experiência humana corresponde à negação de um conteúdo de verdade independente do sujeito e, consequentemente, à negação da verdade objectiva. A negação da verdade objectiva conduz, por sua vez, ao fideísmo, isto é, abre as portas a todas as formas místicas e religiosas como “verdadeiras” pois também elas são experiências sociais organizadas.

As sensações são a fonte do nosso conhecimento. Para os materialistas, é a realidade objectiva a fonte das nossas sensações. As nossas representações são o reflexo da realidade objectiva impressa nos nossos órgãos dos sentidos. Os agnósticos declaram impossível saber se existe uma realidade objectiva como fonte das nossas sensações ou declaram-na incognoscível: negam, assim, a verdade objectiva.

Os fundamentos do empiriocriticismo, que é uma mistura ecléctica de subjectivismo e de agnosticismo, conduzem àquele tipo de conclusões de espírito clericalista: a definição dos corpos como

complexos de sensações (subjectivismo puro) exclui a realidade objectiva (a realidade existente independentemente do sujeito sensível) e, consequentemente, a verdade objectiva.

Lénine define o conceito de matéria como uma categoria filosófica que designa a realidade objectiva que existe independentemente do sujeito e que é dada ao homem através das suas sensações. Esta categoria filosófica não deve ser confundida, como fazem os machistas, com a modificação do nosso conhecimento acerca de uma ou outra propriedade da matéria. A discussão em torno da aceitação ou rejeição do conceito de matéria remonta ao início da filosofia e não pode envelhecer, diz Lénine, pois esta é a questão das fontes do nosso conhecimento. A aceitação do conceito de matéria significa a aceitação da realidade objectiva. Considerar as nossas sensações como imagens dessa realidade objectiva significa a aceitação da verdade objectiva. E isto é situar-se no ponto de vista da teoria materialista do conhecimento. Os representantes do empiriocriticismo, do positivismo moderno, negam o conceito de matéria como a realidade objectiva independente do sujeito e por ele reflectida nas suas sensações. Partem precisamente da linha oposta ao materialismo definindo a matéria em função das sensações, do Eu, do “termo central”. Ou seja, não a tomam como o dado primário, mas sim secundário, revelando assim a sua tendência idealista.

O problema da verdade é uma das questões filosóficas mais importantes. Vimos que Lénine

sublinha que o materialismo reconhece a verdade objectiva, isto é, um conteúdo nas representações humanas que não depende do sujeito. A questão subsequente de saber se o pensamento humano é capaz de exprimir essa verdade objectiva de forma absoluta ou relativa só é resolúvel dialecticamente, tal como o é, consequentemente, a relação entre a verdade e o erro.

De um ponto de vista materialista dialéctico, o pensamento humano é ilimitado pela sua natureza e limitado pela sua realização individual e pela realidade num dado momento. Esta contradição é apenas resolúvel numa série de gerações humanas praticamente infindável (Engels). O conhecimento humano nunca esgota o objecto, da mesma forma que apenas de forma aproximada o quadro “coincide” com o modelo. (Dietzgen). Mas, para os materialistas dialécticos, a verdade absoluta existe e compõe-se da soma de verdades relativas e é indiscutível que nos aproximamos dela. Aqui se traça a diferença entre a dialéctica e o relativismo o qual defende que todos os nossos conhecimentos são relativos e nega a existência de um modelo objectivo do qual os nossos conhecimentos relativos são reflexo. Reconhecer a verdade objectiva implica reconhecer a verdade absoluta. Esta é uma posição materialista. Não o fazer, adoptando uma posição relativista, implica cair no agnosticismo ou no subjectivismo.

O materialismo coloca a prática na base da teoria do conhecimento. Para isto chama Lénine a atenção. É o critério da prática que permite distinguir as ilusões da verdade objectiva. Lénine recorda as palavras de Marx segundo as quais “colocar fora da prática a questão de saber «se ao pensamento humano pertence a verdade objectiva» é escolástica”. Mas a prática, acrescenta Lénine, não pode confirmar nem

refutar completamente uma representação: este critério é suficientemente indeterminado para impedir a transformação do conhecimento num dogma e suficientemente determinado para refutar as posições idealistas e agnósticas.

O idealismo e o agnosticismo – que são obrigados a admitir que, na sua prática, os homens assumem uma posição materialista – procuram, então, separar e remover a prática da teoria do conhecimento. (Mas tal filosofia assim construída, separada da prática, é uma “especulação morta”, “falsa”). Com esta separação, abre-se, consequentemente, caminho à identificação (tal como Mach faz) da verdade objectiva com as ilusões.

Da mesma forma, a questão da “utilidade” ou do “êxito” dos nossos conhecimentos não pode ser separada da verdade objectiva – como o fazem as correntes não materialistas – pois o conhecimento só é efectivamente útil na medida em que reflecte essa mesma verdade objectiva.

A questão da causalidade e da necessidade é reconhecida por Lénine como uma questão fundamental, importante para a definição de uma linha filosófica.

Para os materialistas, a causalidade é objectiva, isto é, existe e pertence ao domínio dos próprios processos da natureza e que a consciência humana – como parte (ínfima) da natureza que é – é capaz de apreender e reflectir com exactidão aproximada. O reconhecimento da causalidade objectiva está, para os materialistas, intimamente ligado ao reconhecimento da realidade objectiva.

Em sentido oposto, para os idealistas não existe causalidade objectiva, isto é, não é na própria natureza que podem ser encontradas as conexões causais, mas é o pensamento humano, a consciência, que confere ordem à torrente dos fenómenos, caóticos em si mesmos. Esta posição decorre da atribuição idealista do primado, na relação entre ser e consciência, a esta última. Tal linha filosófica subjectivista que deduz a ordem da natureza da razão acaba por conduzir ao fideísmo, mais ou menos atenuado.

Os empiriocriticistas Mach e Avenarius (entre outros filósofos) adoptam esta linha filosófica na questão da causalidade considerando a necessidade como grau de probabilidade com que se esperam os efeitos (Avenarius) ou considerando que a única necessidade existente é lógica (Mach), para dar alguns exemplos. Entre os filósofos que perseguem esta mesma linha na questão da causalidade encontram-se Pearson (para quem a necessidade se encontra no mundo dos conceitos), Petzoldt (com a exigência apriorítica de univocidade), Willy (que defende a necessidade como característica puramente lógica, verbal), Poincaré (para quem as leis da natureza são convenções criadas pelo homem por comodidade), etc. Em todas estas posições é possível encontrar afinidades com a linha de Hume e de Kant, umas vezes expressamente admitidas pelos próprios autores, outras pelos partidários daquelas mesmas linhas. Mas independentemente das diferentes variantes e afinidades de cada uma destas posições, o que é importante, considera Lénine, é o estabelecimento daquilo que elas têm em comum entre si e que é a negação da causalidade objectiva.

De um ponto de vista materialista não metafísico, isto é, dialéctico, é importante considerar a relação, dialéctica, entre causa e efeito que Engels aborda no Anti-Dühring: causa e efeito são

representações que só têm significado como tais se aplicados a um caso particular; quando considerada a conexão geral estas representações mudam constantemente de posição.

Lénine também se debruça sobre a problemática associada ao tempo e ao espaço. Para os materialistas, o tempo e o espaço existem objectivamente, isto é, a sua existência não depende da humanidade, não depende da consciência. Não são apenas conceitos. É claro que a humanidade formula os seus conceitos de espaço e de tempo e que estes, tal como o conhecimento em geral, estão em permanente modificação e progressão e reflectem uma realidade objectiva. Ora, o facto dos conceitos de espaço e de tempo se modificarem com o avanço do conhecimento não refuta de forma alguma a sua existência objectiva. Essa modificação nos conceitos não autoriza, do ponto de vista do materialismo, nenhuma perspectiva relativista sobre o tempo e o espaço.

Opinião contrária têm correntes idealistas e agnósticas que se caracterizam por posições como tomarem o tempo e o espaço como sistemas ordenados de séries de sensações (Mach); por considerarem que o tempo e o espaço são dados pelo homem à natureza por razões de comodidade (Poincaré); que estes não têm existência real, que não se encontram nas coisas, mas na maneira de os homens as perceberem (Pearson); que são formas de coordenação social da experiência de várias pessoas (Bogdánov).

Assim, como resume Lénine, o problema gnosiológico fundamental consiste em saber se o espaço e o tempo são reais ou ideais.

Mach procura bater-se contra o idealismo franco e aberto quando este retira conclusões explicitamente fideístas (veja-se se o exemplo da tentativa de exploração fideísta do espaço de quatro dimensões). Mas quando o espaço e o tempo não são entendidos materialistamente, isto é, como objectivamente existentes, deixa-se, inevitavelmente, a porta aberta a tais conclusões.

Lénine, perante empiriocriticistas que procuraram acolher a solução materialista dialéctica da liberdade e da necessidade, mostra como esta solução desta questão é inseparável das premissas materialistas dialécticas sobre que assenta, pelo que, acolhê-la e fazê-la conviver com teses agnósticas e idealistas é mais um sinal do eclectismo e incoerência dos machistas.

Ao fazê-lo, traz à luz a relação dialéctica entre a liberdade e a necessidade, a concepção da liberdade como conhecimento da necessidade (em que a necessidade é colocada como o primário e a vontade como o secundário), a existência da “necessidade cega” que se transforma em necessidade conhecida tal como a “coisa em si” se transforma em “coisa para nós”, e a concepção de uma teoria do conhecimento na qual a prática humana irrompe e é critério objectivo de verdade.

Lénine analisa também o empiriocriticismo em relação com as outras correntes filosóficas. Mais do que explorar as diferenças entre diferentes agnósticos, entre diferentes positivistas, interessa perceber o que entre eles há de comum, perceber a divergência fundamental com o materialismo.

Enquanto os materialistas criticam Kant pelo seu idealismo, pelo estabelecimento de uma diferença fundamental ente o fenómeno e a coisa em si, pela dedução da causalidade das leis apriorísticas do pensamento, os empiriocriticistas criticam Kant pelas suas concessões ao materialismo, isto é, por não ter depurado a experiência suficientemente (Avenarius), no fundo, por ter ainda admitido a substância. Mach e Avenarius seguiram a linha filosófica que criticou Kant do ponto de vista humista e berkeleyano.

Lénine revela também o apreço mútuo demonstrado entre empiriocriticistas e imanentistas e a convergência de posições. Mostra como Mach e Avenarius apreciam e são apreciados por filósofos que defendem a imortalidade da alma e que combatem a “fé cega na infabilidade das ciências da natureza” pugnando por uma “melhor entrada para a morada da verdade”.

A observação do sentido do desenvolvimento da corrente empiriocriticista, mais do que longos raciocínios, ajudará a resolver a questão fundamental da natureza desta filosofia, dizia Lénine. Lénine mostra, então, como os discípulos desta corrente, tomando as suas premissas fundamentais, desembarcam em posições reconhecidamente idealistas, facto que os machistas russos como Bogdánov têm dificuldade em reconhecer. Bogdánov é o exemplo de como é possível ocultar posições idealistas sob roupagens e pretensões materialistas. Lénine mostra como a “experiência socialmente organizada” de Bogdánov é uma porta aberta ao clericalismo.

Lénine critica, de um ponto de vista materialista, a teoria dos símbolos de Helmholtz. E mostra, mais uma vez, como os empiriocriticista fizeram a crítica a Helmholtz – que vacilava entre uma postura materialista e idealista – pelo lado oposto e de mãos dadas com os imanentistas. Mostra como a teoria dos símbolos introduz um elemento desnecessário de agnosticismo: enquanto que a imagem, não sendo igual ao modelo, pressupõe a realidade objectiva daquilo que se reflecte, o símbolo é tão-só um sinal convencional. O empiriocriticista Kleinpeter, por seu turno, protestava com Helmholtz por este pressupor a existência de objectos do mundo exterior, por ter, diz, uma “compreensão errada das palavras massa, força, etc.” pois “isto são apenas conceitos, produtos da nossa fantasia, e de modo nenhum realidades existentes fora do pensamento”.

A crítica a Dühring e a Dietzgen revela, não só os mesmos dois lados opostos dessa mesma crítica, mas também a deturpação do marxismo feita por alguns machistas. A este respeito, Lénine sublinha que Marx e Engels “sempre condenaram o mau materialismo (e, principalmente, o antidialéctico), mas condenaram-no do ponto de vista de um materialismo mais elevado, mais desenvolvido, do materialismo dialéctico, e não do ponto de vista do humismo ou do berkeleyanismo”653.

Lénine analisa a essência da “crise na física” que se enfrentava no início do século XX. Tal crise decorria de novas descobertas científicas que abalavam os princípios fundamentais da física. As leis da mecânica já não se podiam aplicar a todos os fenómenos da física agora conhecidos. Dessas novas descobertas e do abalo das leis fundamentais foram retiradas conclusões gnosiológicas. As tendências idealistas em filosofia aproveitaram esta situação para rejeitar a ciência como a via para o conhecimento da realidade objectiva defendendo o seu carácter

653V.I. Lénine, Materialismo e Empiriocriticismo, Notas Críticas Sobre uma Filosofia Reaccionária, Lisboa, Moscovo, Edições Avante-Edições Progresso, 1982, p.181.

meramente instrumental, meramente simbólico. Lénine estabelece a ligação entre uma determinada escola da nova física e o renascimento do idealismo filosófico. Os físicos organizaram-se em diferentes escolas de acordo com as suas tendências gnosiológicas (traduzindo duas linhas filosóficas fundamentais opostas). Lénine mostra como, de um lado, se encontravam cientistas que se procuravam ater ao reconhecimento da existência da realidade objectiva e à possibilidade de as suas teorias científicas constituírem uma aproximação a um conhecimento cada vez mais