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ALTERAÇãO DO REGISTRO CIvIL – TRANSEXUAL

No documento Revista V. 106 n. 2 (páginas 135-139)

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mente incompatível com a forma como se apresenta em sociedade. Invocando o princípio da dignida- de da pessoa humana, pugnou pelo provimento do recurso.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se desfavoravelmente ao pleito, sob o argumento de que a sentença reclamada se encontra em perfeita harmonia com a jurisprudência deste Tribunal de Justiça.

O e. Relator, Des. Flavio Rostirola, rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa, por en- tender desnecessária a prova requerida pelo autor, uma vez que o juízo de primeiro grau efetiva- mente reconheceu a sua transexualidade.

Ao examinar o mérito, notabilizou, inicialmente, que a República Federativa do Brasil pos- sui, entre seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana, que consiste no núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo, representando, portanto, o valor supremo que deve informar a criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa, sobretudo dos direitos e das garantias fundamentais.

especificamente em relação ao caso dos autos, assim discorreu o i. Relator:

(...) de acordo com os documentos de fls. 19/20, observa-se que o Autor, que conta, atual- mente, com 19 (dezenove) anos de idade, encontra-se em atendimento no Hospital univer- sitário de Brasília – HuB – desde fevereiro de 2013, comparecendo a sessões semanais indi- viduais de psicoterapia comportamental, havendo apresentado quadro de transexualismo – cID 64.0 –, estando em processo de redesignação sexual e de gênero. A folha de evolução, acostada à fl. 19 dos autos, esclarece que o paciente não se identifica com o gênero masculi- no, atribuído no nascimento, e deseja realizar a transformação corporal para adequar-se ao gênero feminino, com o qual se identifica psicologicamente. O documento de fl. 39, expedi- do pelo HuB, informa que o Requerente encontra-se apto a fazer a cirurgia de redesignação sexual e mudar de gênero, já havendo passado por todas as etapas do processo.

Ainda, em consulta ao sítio eletrônico deste egrégio, observa-se que, em ação ajuizada pelo Autor objetivando alteração de prenome – autos nº 2013.01.1.163757-5 –, deferiu-se o pedido para que fosse alterado o prenome do Requerente de D. para c., determinando- -se que fosse averbada a alteração à margem do assento de nascimento do Autor (TJDFT, 3ª Turma cível, Acórdão nº 841303, Rel. Des. Flavio Rostirola, DJe 27/01/2015, p. 395).

Sobre o conceito de transexualidade, o e. Relator colacionou o seguinte esclarecimento de marco Aurélio Lopes Ferreira da Silva Schweizer:

O transexual é a pessoa que não se identifica com o seu corpo biológico, sentindo-se como se estivesse ocupando um corpo de sexo físico que não correspondesse ao seu. ele rejeita de forma sistemática e incontroversa o seu sexo, havendo uma absoluta descon- formidade psíquica com o seu corpo físico. O transexual realmente sente-se como uma pessoa de sexo oposto ao que possui, rejeitando todas as características do seu sexo físico (Pode o transexual alterar o seu nome e sexo no registro civil de pessoas naturais? In Re- vista de Direito Privado, v. 44, out. 2010, DTR/2010/816, p. 137).

Acrescentou o i. Relator que o transexual experimenta a condição de ser considerado bio- logicamente de um gênero sexual, em razão da sua genitália, cromossomos e hormônios; porém, psicologicamente, identifica-se com gênero sexual diverso, gerando uma incongruência entre a re- alidade física e a psicológica. Dessa forma, atualmente, os elementos identificadores do sexo não podem ser limitados à conformação da genitália do indivíduo, presente no momento do nascimen-

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to, devendo ser considerados outros fatores, como o psicológico, biológico, cultural e social, para que haja a caracterização sexual.

Também informou que o conselho Federal de medicina reconhece a transexualidade como um transtorno de identidade sexual, identificado pela cID 10 F 64.0, considerando a cirurgia de re- designação sexual como uma solução terapêutica.

nada obstante a possibilidade da realização da cirurgia para a modificação do sexo, o i. Rela- tor ressaltou que, somente após a alteração do prenome e do designativo de sexo no registro civil, os transtornos e constrangimentos que sofre uma pessoa transexual podem ser totalmente afastados, na medida em que viabiliza a sua efetiva integração na sociedade, com o reconhecimento e respeito à sua autodeterminação sexual.

contudo, invocando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, assentou que a alteração no registro civil do transexual somente possui amparo legal após a realização de cirurgia de redesig- nação sexual. nesse sentido, transcreveu o seguinte julgado da corte Superior de Justiça:

DIReITO cIvIL. RecuRSO eSPecIAL. TRAnSeXuAL SuBmeTIDO À cIRuRGIA De ReDe- SIGnAçãO SeXuAL. ALTeRAçãO DO PRenOme e DeSIGnATIvO De SeXO. PRIncÍPIO DA DIGnIDADe DA PeSSOA HumAnA.

(...) - A situação fática experimentada pelo recorrente tem origem em idêntica proble- mática pela qual passam os transexuais em sua maioria: um ser humano aprisionado à anatomia de homem, com o sexo psicossocial feminino, que, após ser submetido à ci- rurgia de redesignação sexual, com a adequação dos genitais à imagem que tem de si e perante a sociedade, encontra obstáculos na vida civil, porque sua aparência morfológica não condiz com o registro de nascimento, quanto ao nome e designativo de sexo. - conservar o “sexo masculino” no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como mor- fológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo fe- minino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhe- cer o seu direito de viver dignamente.

- Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadei- ra função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido (STJ, 3ª Turma, Resp 100.398/SP, Rel. min. nancy Andrighi, DJe 18/11/2009).

Ressaltou, outrossim, as seguintes considerações de marco Aurélio Lopes Ferreira da Sil- va Schweizer:

não há como se entender qual seria a razão de se chegar ao extremo de se mudar o sexo do transexual em seu registro civil, quando este sequer fez a cirurgia para mudar o seu sexo para ficar com a aparência condizente ao que pretende que passe a constar em seu registro civil, mantendo suas características masculinas ou femininas originais, quando poderia alterá-la cirurgicamente, já que, sendo um transtorno de identidade, muito mais drástico para o transexual é ter em seu corpo as feições físicas que a natureza lhe deu, não condizente com o seu sexo psíquico, do que simplesmente ter um documento com nome e sexo condizente a este (Pode o transexual alterar o seu nome e sexo no registro civil de pessoas naturais? In Revista de Direito Privado, v. 44, out. 2010, DTR/2010/816, p. 137).

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Também ponderou o i. Relator que a alteração da designação sexual no registro civil pode implicar diversas consequências jurídicas e sociais, como, por exemplo, as questões referentes à aposentadoria, que possui regras diferenciadas para homem e mulher.

Relativamente aos constrangimentos que o apelante alega sofrer em razão da sua identidade social feminina divergente em relação ao designativo sexual masculino no registro civil, reproduziu o seguinte excerto da manifestação do órgão ministerial de primeira instância:

(...) a manutenção do sexo masculino até a realização das etapas do programa de cirurgias não lhe trará maiores constrangimentos, haja vista que, na carteira de identidade, documen- to comumente utilizado para identificação, não consta designação do sexo da pessoa (TJDFT, 3ª Turma cível, Acórdão nº 841303, Rel. Des. Flavio Rostirola, DJe 27/01/2015, p. 395).

Por outro lado, apontou que o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por maioria, repercus- são geral no tema do Re 670422, que discute a possibilidade de alteração de gênero no assento de registro civil de transexual, mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. O mérito da questão ainda se encontra pendente de exame pela Suprema corte.

Também salientou que está em tramitação, na câmara dos Deputados, o PL 70/1995, que ad- mite a mudança do prenome e do sexo mediante autorização judicial, desde que o requerente tenha se submetido à intervenção cirúrgica de alteração de sexo.

A eg. 3a Turma, com fulcro nos argumentos apresentados no voto do Desembargador Rela-

R EVI STA DE D OUTRI NA E J URI SPRUD êNCI A . 50. B RAS íLI A . 106 (2). JURI SPRUD êNCI A / JAN- JUN 2015 Acórdão 868563 Des Roberval Casemiro Belinati

Relator – 2ª Turma Criminal

RECONHECIDO O ARREPENDIMENTO EFICAZ, MOSTRA-SE INVIÁVEL A INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DO ARREPENDIMENTO, SOB PENA DE vIOLAÇãO AO PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM

O ministério Público ofereceu denúncia imputando à ré a suposta prática do crime de tentativa de homicídio qualificado pelo emprego de fogo (art. 121, § 2º, inciso III, c/c o art. 14, inciso II, do cP).

Segundo a peça acusatória, a ré, de forma consciente e voluntária, fa- zendo uso de álcool, ateou fogo em seu companheiro, provocando-lhe lesões. O juiz de primeiro grau desclassificou o crime para o de lesão cor- poral gravíssima (art. 129, § 2º, inciso Iv, do cP) e a condenou à pena de 2 anos e 4 meses de reclusão, no regime inicial aberto.

em razões recursais, pugnou a defesa pela incidência da atenuante genérica do arrependimento (art. 65, inc. III, alínea b, do cP), em razão de a ré ter tentado minorar as consequências de seus atos, buscando apagar o fogo e auxiliando a vítima a se molhar.

O e. Relator, Desembargador Roberval Belinati, assentiu que a ré efetivamente tentou evitar as consequências da sua conduta. contudo, observou que tal circunstância já foi devidamente valorada pelo juiz de primeiro grau ao efetuar a desclassificação do crime de tentativa de ho- micídio qualificado para o de lesão corporal gravíssima, com base no ar- rependimento eficaz.

Pontificou que o arrependimento do agente, a depender do caso concreto, pode-se enquadrar em um ou outro instituto jurídico.

No documento Revista V. 106 n. 2 (páginas 135-139)

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