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NA PONDERAÇÃO DE VALORES CONSTITUCIONAIS, O DIREITO À MO RADIA NãO PODE SOBREPOR-SE AO INTERESSE E AO DIREITO DA

No documento Revista V. 106 n. 2 (páginas 165-169)

DIREITO À MORADIA – OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA

NA PONDERAÇÃO DE VALORES CONSTITUCIONAIS, O DIREITO À MO RADIA NãO PODE SOBREPOR-SE AO INTERESSE E AO DIREITO DA

COLETIVIDADE EM POSSUIR UM MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO (CF, ART. 225, CAPUT) E UM ADEQUADO ORDENAMENTO URBANO (CF, ART. 182, CAPUT), SOB PENA DE GRAVE DESEQUILÍBRIO DO SISTEMA NOR- MATIvO DE REGULAÇãO SOCIAL

em ação de conhecimento ajuizada contra o Distrito Federal e a Agência de Fiscalização do Distrito Federal – AGeFIS, a autora, sob a ale- gação de que estaria sofrendo ameaça de demolição de sua residência, pleiteou o reconhecimento do seu direito de permanecer no imóvel ou, subsidiariamente, a sua remoção para outro local condigno.

Invocando a aplicação do direito constitucional à moradia, pro- pugnou o fato de já residir nesse terreno há mais de trinta anos, bem como a inexistência de recursos financeiros para conseguir outro lugar para mo- rar com a sua família.

Os réus, em contestação, defenderam a regularidade do ato admi- nistrativo, com base no dever de polícia da Administração Pública, uma vez que a autora teria edificado em área pública sem a devida licença para construção. Quanto ao pedido de remoção para outro imóvel, sustentaram que ela deveria se submeter aos programas habitacionais do Distrito Fe- deral, como qualquer cidadão.

Julgado improcedente o pedido pelo juízo de primeiro grau, a au- tora interpôs apelação, argumentando a inexistência de interesse público imediato no ato demolitório.

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O e. Relator, Desembargador Alfeu machado, assinalou, inicialmente, que o direito à moradia, não obstante se tratar de um direito social, conforme disposto no art. 6º da constituição Federal, cuja eficácia é imediata, exige definição de políticas públicas, classificando-se, por isso, como uma norma de aplicabilidade mediata. em respaldo, colacionou doutrina de Gilmar Ferreira mendes:

Há normas constitucionais, relativas a direitos fundamentais, que, evidentemente, não são autoaplicáveis. carecem da interposição do legislador para que produzam todos os seus efeitos. As normas que dispõem sobre direitos fundamentais de índole social, usu- almente, têm a sua plena eficácia condicionada a uma complementação pelo legislador (curso de Direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 286).

com espeque nesses fundamentos, consignou que do direito constitucional à moradia não emerge o dever de o estado fornecer a toda e qualquer pessoa um imóvel, mas sim de implementar políticas públicas voltadas a atender a uma comunidade, por intermédio de planos habitacionais, competindo aos interessados sua inscrição e participação nos programas sociais em conformidade com o que estiver legalmente estabelecido.

Seguindo essa linha de raciocínio, destacou que, nos termos do art. 30, inciso vIII, e do art. 182, § 2º, da constituição Federal, incumbe ao Poder Público a responsabilidade de promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, devendo combater, por conseguinte, construções irregulares erigidas em área pública.

Sob o entendimento de que a questão deve ser examinada à luz de todo o sistema normativo e de que o interesse de ordem particular não pode prevalecer em detrimento do interesse social, assim asseverou o e. Relator:

É importante trazer à baila, também, que, na ponderação de valores constitucionais, o direito à moradia não pode se sobrepor ao interesse e direito da coletividade em possuir um meio ambiente equilibrado (art. 225, caput, da constituição Federal) e um adequado ordenamento urbano (art. 182, caput, da constituição Federal), sob pena de grave dese- quilíbrio do sistema normativo de regulação social. nem mesmo a ausência ou insufi- ciência de políticas públicas voltadas à outorga do direito social de moradia previsto no art. 6º da constituição Federal autorizam a potestatividade com a qual a apelante veio a ocupar terreno público e nele edificar sem autorização administrativa ou planejamento do desenvolvimento urbano da cidade (TJDFT, 3a Turma cível, Acórdão nº 847276, APc

20120110573975, Rel. Des. Alfeu machado, DJe 12/02/2015, p. 115).

Salientou, ainda, que, conforme dispõem os arts. 17 e 178 da Lei Distrital nº 2.105/1998, a Administração Pública deve tomar todas as medidas necessárias para realizar um controle preven- tivo e repressivo em relação ao surgimento de edificações em desacordo com as normas urbanísticas e ambientais. Também observou que a referida Lei contempla uma hipótese de exceção à permissão de demolição: quando a área ocupada irregularmente for passível de regularização. Todavia, veri- ficou que nos autos não consta qualquer documento que possa comprovar que o local esteja sendo objeto de estudo de regularização.

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Dessa forma, entendeu o i. Relator que os réus agiram em total conformidade com a lei, limitando-se ao exercício do poder de polícia. Para corroborar esse posicionamento, citou jurispru- dência deste Tribunal de Justiça, inclusive o seguinte aresto:

ADmInISTRATIvO. PROceSSO cIvIL. cOnSTRuçãO em áReA IRReGuLAR POR PARTI- cuLAR. InTImAçãO DemOLITÓRIA DO PODeR PúBLIcO. eXeRcÍcIO ReGuLAR DO PO- DeR De POLÍcIA PeLA ADmInISTRAçãO PúBLIcA.

O deferimento da pretensão recursal, em antecipação de tutela, pressupõe a existência de prova inequívoca da verossimilhança das alegações e do fundado receio de dano que não comporte reparação.

É lícita a atuação da Administração Pública, no exercício de seu Poder de Polícia, no sen- tido de coibir a ocupação desordenada de área pública, bem como a construção de habita- ção em desacordo com as normas legais.

O ato administrativo expedido pela Agência de Fiscalização do Distrito Federal – AGeFIS, que determina a demolição imediata de obra construída irregularmente em área pública, goza do atributo da autoexecutoriedade, nos termos do art. 178 do código de edificações do Distrito Federal (Lei Distrital nº 2.105/98). Assim, praticado em conformidade com a Lei, não há que se falar em qualquer arbitrariedade apta a afastar sua existência, validade ou eficácia. Agravo de instrumento não provido (TJDFT, 6ª Turma cível, Acórdão nº 725166, AGI 20130020172380, Relatora Desa. Ana maria Duarte Amarante Brito, DJe 22/10/2013, p. 131).

Finalizou o seu voto tecendo as seguintes considerações:

Desse modo, não vislumbro, no caso dos autos, qualquer arbitrariedade ou violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade ou lesão aos direitos fundamentais à moradia e da dignidade da pessoa humana, na medida em que o ato foi praticado no exercício do poder de polícia, que goza dos atributos da autoexecutoriedade, discriciona- riedade e coercibilidade, a permitir que o Poder Público restrinja direitos individuais, em nome da proteção ao interesse público (TJDFT, 3ª Turma cível, Acórdão nº 847276, APc 20120110573975, Rel. Des. Alfeu machado, DJe 12/02/2015, p. 115).

Por sua vez, a i. Revisora, Desembargadora Fátima Rafael, pronunciou-se favoravelmente ao pleito da apelante.

Para tanto, frisou a clara tolerância da Administração Pública quanto à ocupação da área rei- vindicada, bem como a inocorrência de manifestação específica dos réus sobre a urgência na demoli- ção da construção erguida no imóvel. nesse particular, destacou a seguinte lição de Fredie Didier Jr.:

A Fazenda Pública submete-se ao ônus da impugnação especificada, pois nem sempre as causas que lhe dizem respeito versam sobre direitos indisponíveis; basta citar o exemplo da ação civil pública em que um ente público é réu: nessa situação, o interesse público está, preponderantemente, do lado ativo, não se admitindo a negação geral, conduta que se pode reputar temerária, quando provinda de um ente público (curso de Direito Processual civil: Teoria Geral do Processo e Processo de conhecimento. ed. Podivm, 10. ed., p. 481).

enfatizou que, embora o lote ocupado pela autora seja destinado a depósito, armazenagem, comércio atacadista e varejista, indústrias e oficinas, os réus não se desincumbiram de comprovar que, após o ato demolitório, a área seria efetivamente utilizada para um desses fins. Prosseguiu, in verbis:

enquanto não concretamente destinada à função social a que servirá a área pública em que reside a Apelante, sem objeções do Poder Público, revelam-se drásticas e desarrazoadas as medidas administrativas voltadas para a desocupação e demolição de obras toleradas por mais de trinta anos, pois afetam diretamente o direito à moradia de pessoas carentes.

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nesse aspecto, o longo período de ocupação pacífica na área pública, não impugnada pelo Poder Público, demonstra que a atuação estatal não está pautada nas regras da segurança jurídica e da boa-fé.

Portanto, por expressa determinação constitucional, a função social da propriedade, so- bretudo o direito à moradia de famílias carentes, não pode ser olvidado pela Adminis- tração Pública em sua atuação estatal (TJDFT, 3ª Turma cível, Acórdão nº 847276, APc 20120110573975, Rel. Des. Alfeu machado, DJe 12/02/2015, p. 115).

Para corroborar esse entendimento, citou o seguinte julgado desta eg. corte de Justiça:

PROceSSO cIvIL e ADmInISTRATIvO. ceRceAmenTO De DeFeSA. IneXISTêncIA. mÉRITO. OBRIGAçãO De nãO FAzeR. AGeFIS. InTImAçãO DemOLITÓRIA. áReA PAS- SÍveL De ReGuLARIzAçãO. PRIncÍPIO DA PROPORcIOnALIDADe. ORDem De nãO PROceDeR À DemOLIçãO.

1. Repele-se a tese de cerceamento de defesa, ante o indeferimento da oitiva de testemu- nhas, uma vez que a questão repousa na ocupação irregular de área pública, fato alcança- do pelas demais provas apresentadas na instrução processual.

2. Havendo incongruência entre as razões motivadoras da AGeFIS e o objetivo do ato, repele-se a pretensa demolição sob argumento de legítima atuação da Administração Pública, sobretudo diante das especificidades do caso que a Administração sequer indicou os motivos pelos quais a área não seria passível de regularização.

3. enfatiza-se que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventu- almente fixada, a chamada reserva legal, mas também sobre a compatibilidade das res- trições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.

4. Ademais, in casu, malgrado a intimação demolitória haja sido tipificada pelo agente da AGeFIS como resultante da ausência de licença para construção, restou evidenciado que o motivo determinante do ato havia sido a suposta invasão de área pública.

5. Deu-se provimento ao apelo, para julgar procedente o pedido, determinando-se à AGeFIS – Agência de Fiscalização do Distrito Federal que se abstivesse de demolir a edifi- cação existente nos imóveis descritos na peça vestibular (TJDFT, 3ª Turma cível, Acórdão nº 838396, APc 20130111264660, Rel. Des. Flavio Rostirola, DJe 12/12/2014, p. 184).

Por fim, asseverou a i. Revisora que o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular “não dá guarida a atos administrativos repentinos e desarrazoados que afrontam os di- reitos fundamentais à moradia e à função social da propriedade.”

A e. vogal, Desembargadora Ana cantarino, após pedido de vista dos autos, decidiu acom- panhar o voto do i. Relator.

Assim, a eg. 3ª Turma cível, por maioria, negou provimento ao recurso da autora, mantendo a sentença vergastada em todos os seus termos.

R EVI STA DE D OUTRI NA E J URI SPRUD êNCI A . 50. B RAS íLI A . 106 (2). JURI SPRUD êNCI A / JAN- JUN 2015 Acórdão 859780 Des Waldir Leôncio Lopes Júnior Relator – 2ª Turma Cível

DISCUSSãO DA CAUSA DEBENDI DE ChEQUE

É POSSÍVEL, EXCEPCIONALMENTE, A INVESTIGAÇÃO DA CAUSA DE-

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