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CLEPTOMANIA – MEDIDA DE SEGURANÇA

No documento Revista V. 106 n. 2 (páginas 145-148)

O FATO DE O INIMPUTÁvEL JÁ SE SUBMETER A TRATAMENTO MÉDICO POR CONTA PRÓPRIA NãO AFASTA A OBRIGATORIEDADE DA MEDI- DA DE SEGURANÇA, UMA VEZ QUE O SEU OBJETIVO PRINCIPAL É O RESGUARDO DA ORDEM SOCIAL E NãO APENAS O TRATAMENTO DA ENFERMIDADE MENTAL

Detida por um segurança após ter subtraído três vestidos, uma blusa e um par de sapatos, de quatro lojas diferentes, a acusada foi denun- ciada como incursa nas penas do delito de furto em continuidade delitiva, nos termos do art. 155, caput, c/c art. 71, ambos do código Penal.

concluindo pela comprovação da inimputabilidade da ré, por sofrer de transtorno relacionado ao controle dos impulsos, a cleptomania, o juiz de primeiro grau julgou improcedente a pretensão punitiva estatal e a absol- veu com fundamento no art. 386, vI, do código de Processo Penal. contudo, aplicou-lhe a medida de tratamento ambulatorial, por prazo indetermina- do, na forma do art. 97, §§ 1º e 2º, do código Penal, fixando o prazo mínimo de 1 (um) ano para a realização do exame de cessação da periculosidade.

em apelação, a defesa sustentou a atipicidade da conduta. com base na alegação de que teria sido ínfima a lesão ocorrida ao bem jurídico tutela- do, alegou a inexistência de justificativa para a intervenção do Direito Penal, tampouco para a aplicação da medida de segurança. Também defendeu a in- cidência dos princípios da intervenção mínima, igualmente conhecido como

ultima ratio, e da subsidiariedade do Direito Penal. De forma mais veemente,

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que a ré já estaria sendo devidamente cuidada em clínica particular e de que o tratamento oficial em nada poderia melhorar o seu quadro clínico.

A e. Desembargadora Relatora, nilsoni de Freitas, iniciou o seu voto afastando a tese da atipicidade da conduta.

enfatizou que os bens subtraídos – três vestidos, uma blusa e um par de sapatos – totalizavam uma quantia superior a R$ 1.000,00 (mil reais), valor que não poderia ser considerado insignificante.

A seu ver, também não há se falar em ofensividade mínima da conduta, tampouco em compor- tamento desprovido de periculosidade social, visto que a ré, até ser detida pela segurança do local após a última prática delitiva, conseguiu subtrair bens de quatro estabelecimentos comerciais diferentes.

Para reforçar o seu entendimento pela inocorrência da atipicidade material da conduta, a i. Relatora trouxe a cotejo o seguinte julgado desta corte de Justiça:

1. O princípio da insignificância pressupõe a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação e reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente, o que não se vislumbra no caso concreto.

2. O valor da avaliação dos bens furtados (R$ 665,90), apesar de não ser expressivo quan- do consideradas as condições da vítima – um hipermercado –, também está longe de ser irrisório, na medida em que se aproxima do valor do salário-mínimo (TJDFT, 3a Turma

criminal, Acórdão nº 830805, APR 20140110148488, Relator Designado Desembargador Jesuino Rissato, DJe de 12/11/2014, p. 107).

Também concluiu pela inaplicabilidade dos princípios da intervenção mínima, igualmente conhecido como ultima ratio, e da subsidiariedade do Direito Penal.

Pontificou que os referidos princípios são dirigidos principalmente ao legislador, uma vez que, através da sua atividade, pode limitar o poder incriminador do estado, com vistas à eliminação de possíveis arbítrios e ao impedimento da criação de tipos penais iníquos ou desnecessários à ma- nutenção da ordem jurídica.

como o caso dos autos investiga possível ocorrência do crime de furto, mostra-se indis- cutível, para a Relatora, a necessidade da proteção do bem jurídico abrangido pelo tipo penal, não existindo qualquer distorção na atividade legislativa ao incriminar a referida conduta e exigir a atuação do Poder Judiciário.

A propósito, apontou o seguinte julgado deste Tribunal de Justiça:

O princípio da adequação social, assim como o da intervenção mínima, orienta o legis- lador a distinguir as condutas consideradas socialmente adequadas daquelas que me- recem a repressão do Direito Penal, mas não tem o condão de revogar os tipos penais incriminadores já positivados (TJDFT, 2a câmara criminal, Acórdão nº 600659, APR

20110910066552, Relator Desembargador Souza e Avila, DJe de 04/07/2012).

em último ponto, a defesa pugnou a revogação da medida de segurança determinada, por entender suficiente a comprovação da realização do tratamento da doença mental da acusada em clínica particular.

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A i. Relatora frisou que a característica primordial da medida de segurança consiste na pro- teção da sociedade contra a possibilidade de que sejam perpetradas novas ações criminosas pelo autor do fato. Por conseguinte, as condições estabelecidas pelo juízo da execução penal devem per- durar enquanto não for devidamente constatada a cessação da periculosidade do acusado.

Trouxe à colação as lições de Guilheme de Souza nucci e Basileu Garcia, respectivamente:

(...) o inimputável não sofre juízo de culpabilidade, embora com relação a ele se possa falar em periculosidade, que, no conceito de nelson Hungria, significa um estado mais ou menos duradouro de antissociabilidade, em nível subjetivo. Quanto mais injustos penais o inimputável comete, mais demonstra sua antissociabilidade (código Penal comentado, 12. ed., editora Revista dos Tribunais, p. 569).

(...) as medidas de segurança não traduzem castigo. Foram instituídas ao influxo do pen- samento da defesa coletiva, atendendo à preocupação de prestar ao delinquente uma assistência reabilitadora (...) as medidas de segurança não se voltam a pública animad- versão, exatamente porque não representam senão meios assistenciais e de cura do in- divíduo perigoso, para que possa readaptar-se à coletividade (citado por Rogério Greco, curso de Direito Penal, parte geral, v. I, editora Impetus, 10. ed., p. 675 e verso).

Também destacou o seguinte precedente deste egrégio Tribunal:

comprovada a ocorrência de fato típico e antijurídico, e afastada a culpabilidade ante a condição de inimputabilidade do réu, impõe-se a aplicação de medida de segurança. não é dado ao estado-Juiz furtar-se do dever de aplicar a medida cabível, tendo em vista que a finalidade não é apenas conceder ao réu o tratamento adequado, mas tam- bém promover a defesa social, baseado no juízo de periculosidade do agente (TJDFT, 2a

Turma criminal, Acórdão nº 547280, APR 20070810071194, DJe 18/11/2011, p. 403).

A i. Relatora enfatizou que o fato de a acusada já se submeter a tratamento médico por conta própria não afasta a obrigatoriedade da medida de segurança, uma vez que sua aplicação decorre de imposição legal e tem por objetivo, além do tratamento da inimputável, o resguardo da ordem social.

Observou, ainda, que não poderia o estado delegar à inimputável ou à sua família a necessi- dade de submetê-la a tratamento ambulatorial, a fim de prevenir a prática de novos injustos penais. Desse modo, assentou que “a única forma de assegurar a submissão ao tratamento é por meio da imposição da medida de segurança que lhe foi aplicada.”

A Desembargadora Relatora, nilsoni de Freitas, finalizou o seu voto considerando correta a medida de segurança aplicada, consistente no tratamento ambulatorial pelo prazo mínimo de um ano, dado que o crime não foi cometido com grave ameaça ou violência à pessoa, a ré já se submete a tratamento psiquiátrico voluntário e é auxiliada por seus familiares.

com alicerce nos fundamentos expostos pela e. Relatora, a 3ª Turma criminal negou provi- mento ao recurso defensivo.

R EVI STA DE D OUTRI NA E J URI SPRUD êNCI A . 50. B RAS íLI A . 106 (2). JURI SPRUD êNCI A / JAN- JUN 2015 Acórdão 845220 Desa Fátima Rafael Relatora – 3ª Turma Cível

COLÉGIO MILITAR DOM PEDRO II

No documento Revista V. 106 n. 2 (páginas 145-148)

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