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FERTILIZAÇãO IN vITRO – FALTA DE INFORMAÇãO

No documento Revista V. 106 n. 2 (páginas 188-192)

IMPÕE-SE A CONDENAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇãO EM DECORRÊNCIA DE FERTILIZAÇãO IN VITRO REA- LIZADA EM hOSPITAL PÚBLICO SEM O CONSENTIMENTO ESPECÍFICO DA GENITORA EM RELAÇÃO AO IMPLANTE DE CINCO EMBRIÕES E AOS RISCOS INERENTES AO PROCEDIMENTO

em ação de indenização ajuizada em desfavor do Distrito Federal, reclamou a autora negligência de servidores públicos por não terem lhe informado sobre os efetivos riscos da fertilização in vitro a que se subme- teu em um hospital público.

conforme consta dos autos, a autora, pessoa simples, aos trinta e oito anos de idade, mãe de dois filhos, com as trompas laqueadas, dese- jando ter um filho com seu novo companheiro, procurou o programa de reprodução humana do Hospital materno Infantil de Brasília – HmIB, com a finalidade de viabilizar esse projeto familiar.

Realizada a fertilização in vitro, com a implantação de cinco óvu- los fecundados, nasceram prematuramente, em 12 de fevereiro de 1999, quíntuplos, dos quais um faleceu logo após o parto, outro nasceu com hi- drocefalia e um terceiro com derrame cerebral.

A autora afirmou, na peça inicial, que não foi devidamente infor- mada sobre os riscos inerentes ao procedimento da fertilização artificial e que não teria aceitado se soubesse da possibilidade do nascimento de cinco filhos. Aduziu que duas crianças nasceram com problemas em ra- zão da multigemelaridade. Também alegou não ter condições financeiras para prover o mínimo necessário para a sobrevivência dos seus filhos e que ficou impossibilitada de trabalhar em razão do cuidado especial por

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eles exigido, especialmente por aqueles que nasceram com sequelas. com base nesses argumentos, requereu o reconhecimento da responsabilidade do estado e a indenização correlata.

O juiz de primeiro grau julgou procedente o pedido para condenar o Distrito Federal a pagar a cada um dos autores (a genitora e os dois filhos com problema de saúde) indenização por danos ma- teriais, correspondente à pensão mensal de 3 (três) salários-mínimos, a contar do evento danoso, além de indenização a título de danos morais, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

O Relator, Desembargador J. J. costa carvalho, após afastar preliminares suscitadas, passou a examinar se efetivamente teria ocorrido ato ilícito a ensejar a responsabilidade civil do estado.

Primeiramente, entendeu o ilustre Desembargador pela impossibilidade de se acatar a ale- gação de ignorância do casal a respeito dos riscos advindos do procedimento, uma vez que, apesar de a autorização assinada por eles estar redigida em linguagem técnica e de difícil compreensão para leigos, eles participaram de avaliações clínicas e psicológicas, bem como de palestras, nas quais fo- ram esclarecidas todas as etapas do processo de fertilização.

Também destacou o fato de a genitora ter ficado sob tratamento para hiperovulação du- rante dois meses e que a gestação gemelar é um risco próprio e conhecido dos procedimentos de inseminação artificial.

Quanto às crianças nascidas com problemas de saúde, o e. Desembargador entendeu não ter ficado comprovado o nexo de causalidade entre as sequelas e o procedimento realizado ou a multigemelaridade.

Ponderou que, apesar de a Resolução 1.358/1992 do conselho Federal de medicina, vigente à época dos fatos, recomendar o implante de no máximo quatro embriões, os médicos optaram pela colocação de cinco em virtude da idade avançada da paciente (39 anos) e da má qualidade dos embriões, com possibilidade remota de que todos viessem a se desenvolver. Ressaltou, ainda, que tal forma de proceder teve como respaldo pareceres e estudos científicos, nos quais não se observa qualquer indicação de causas de possíveis intercorrências.

Por fim, concluiu que as pretensões de indenização por danos morais e materiais são im- procedentes, na medida em que não houve erro ou má prestação de serviço, tampouco relação de causalidade entre as sequelas e o procedimento de fertilização.

O Revisor, Desembargador Sérgio Rocha, também afastou as preliminares suscitadas, mas, no mérito, divergiu do e. Desembargador J. J. costa carvalho.

Apesar de entender que a concordância, por si só, não seria capaz de afastar a responsabili- dade pelos danos advindos da escolha de técnica inadequada, o Desembargador Sérgio Rocha desta- cou que, conforme o laudo da perícia realizada pelo Instituto de medicina Legal, a autora não tinha condições de entender a linguagem técnica do termo de consentimento que assinou.

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Também consignou o i. Revisor que a participação da autora em palestras que orientam ge- nericamente os integrantes do Programa de Reprodução Assistida não supre a falta de consenti- mento claro e específico, principalmente quanto à inserção dos cinco embriões, conforme já exigia a Resolução 1.358/1992.

Para fortalecer a conclusão pelo efetivo desconhecimento da autora sobre os riscos envol- vidos, o e. Revisor destacou o seguinte trecho de uma matéria jornalística publicada à época dos fatos: “ela nunca imaginou que a decisão de procurar auxílio médico pra driblar a infertilidade – provocada pela laqueadura que fez há 10 anos – resultasse no nascimento de quíntuplos. ‘não fomos informados pelo médico.’”

Ressaltou, ainda, que o descumprimento da recomendação da Resolução 1.358/1992 para o im- plante de no máximo quatro embriões, ainda que justificável tecnicamente, apenas reforçou a necessi- dade de que o consentimento da autora ocorresse com menção expressa ao implante de cinco embriões. Quanto à alegada inexistência de nexo causal entre a técnica de fertilização empregada e as lesões cerebrais sofridas pelas crianças, concluiu o i. Revisor que os laudos periciais do Instituto de medicina Legal são contraditórios, in verbis:

De um lado, admitem que a gemelaridade pode levar a prematuridade e a sequelas neu- rológicas. De outro, sem dizer a causa das lesões cerebrais, na medida em que apenas apontam causas prováveis, descartam que a gemelaridade e a prematuridade tenham sido a causa das lesões cerebrais sofridas pelos autores/apelados (TJDFT, 2ª Turma cí- vel, Acórdão nº 832410, APO20010110802944, Relator Designado Desembargador Sérgio Rocha, DJe de 22/01/2015, p. 315).

Diante dessa incongruência, sobrelevou o relatório apresentado pela Rede Sarah de Hospi- tais, que afirma com clareza que a gemelaridade quíntupla se inclui entre os fatores de risco para as lesões sofridas pelas crianças, bem como o testemunho do médico do Setor de Reprodução Humana do Hospital Regional da Asa Sul – HRAS, que deixa claro que, quanto maior o número de embriões, maiores são as chances de sequelas nos fetos.

Para corroborar o entendimento pela comprovação do nexo de causalidade, ressaltou o se- guinte trecho do parecer do ministério Público:

(...) Assim, embora a perícia não possa afirmar que os problemas físicos e mentais dos menores autores foram em decorrência exclusiva da quantidade de embriões, certo é que, indubitavelmente, por ação dos prepostos do estado, o risco foi aumentado e não consentido. nesse ponto, veja-se que a autorização assinada pela mãe é genérica e desprovida de informações bem como, como constatado no laudo, a referida autora não tem capacidade de compreensão dos termos ali constantes (TJDFT, 2ª Turma cí- vel, Acórdão nº 832410, APO20010110802944, Relator Designado Desembargador Sérgio Rocha, DJe de 22/01/2015, p. 315).

em relação ao valor da pensão mensal fixada para os autores por danos materiais, o e. Re- visor entendeu ser razoável a sua redução de três salários-mínimos para um salário-mínimo, uma vez que nenhum deles exercia atividade remunerada.

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Quanto ao valor fixado, a título de danos morais, de R$ 30.000 (trinta mil reais), o Desem- bargador Sérgio Rocha concluiu pela adequação da quantia arbitrada, suficiente para oferecer uma digna compensação aos autores e punir o réu por sua conduta lesiva.

Por fim, considerando a complexidade da causa, majorou o valor dos honorários advocatí- cios de R$ 3.000,00 (três mil reais) para R$ 7.000,00 (sete mil reais).

A i. vogal, Desembargadora Leila Arlanch, acompanhou o voto do Desembargador Revisor. Assim, a eg. 2ª Turma cível, por maioria, deu parcial provimento ao recurso interposto pelo Distrito Federal e total provimento ao recurso interposto pelos autores, nos termos do voto profe- rido pelo i. Desembargador Sérgio Rocha.

R EVI STA DE D OUTRI NA E J URI SPRUD êNCI A . 50. B RAS íLI A . 106 (2). JURI SPRUD êNCI A / JAN- JUN 2015 Acórdão 852246 Des Jair Soares

Relator Designado – 6ª Turma Cível

No documento Revista V. 106 n. 2 (páginas 188-192)

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