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Ambientes e Contextos de Aprendizagem: suas Implicações nas Abordagens, Concepções e Orientações para o Estudo

Ensino Superior

Capítulo 2 – Compreender a Aprendizagem dos Estudantes do Ensino

4. Ambientes e Contextos de Aprendizagem: suas Implicações nas Abordagens, Concepções e Orientações para o Estudo

Apesar de alguma consistência presente nos hábitos de estudo dos estudantes, a investigação inicial não esqueceu a influência do contexto e dos conteúdos de ensino.

A literatura parece indicar que são vários os factores existentes no ambiente de aprendizagem, além dos relativos aos próprios estudantes, que afectam a forma como aprendem e estudam.

Como vimos, o interesse por estes domínios tem sido bem documentado por autores como Biggs (1999a, 1999b), Entwistle (1998a), Prosser e Trigwell (1999) e Ramsden (1997), entre outros.

Ao reflectirem sobre a natureza disciplinar da aprendizagem, alguns autores (Anderson, 1997; Hounsell, 1988; Ramsden, 1997) observaram que as comunidades académicas nas quais os estudantes estão integrados possuem, até certo ponto, as suas próprias normas, valores, discursos e práticas. É neste sentido que surge a necessidade de alargar a concepção de uma aprendizagem de qualidade, no sentido de incluir aquilo que os estudantes podem aprender em áreas/domínios particulares. Sobre este assunto, McCune (2003) refere-se à importância de descrever a riqueza, profundidade e complexidade daquilo que os estudantes podem aprender pelo envolvimento num determinado domínio científico e num contexto específico. No entender da autora, este conhecimento pode incluir qualquer assunto que seja explicitamente ensinado ou tacitamente integrado pelos estudantes.

Importa, por isso, perceber até que ponto as abordagens à aprendizagem funcionam como respostas ao contexto, mais do que como características individuais, considerando que o facto de um estudante modificar a sua abordagem não implica,

necessariamente, uma espécie de regressão, assumindo-se antes como o efeito que os contextos disciplinares exercem na aprendizagem.

Em termos dos contextos disciplinares, Ramsden (1988a) teorizou que as abordagens superficial e profunda se caracterizavam por manifestações diferentes em função dos domínios académicos. Esta assunção estaria de acordo com a natureza de dependência do contexto formulada por Marton e Säljö. Säljö (1982) acreditava que as concepções eram específicas dos contextos, argumentando que a aprendizagem assume significado, em parte, como resultado do ambiente social específico – os estudantes tentam interpretar o que lhes é exigido, numa situação particular, com base em acontecimentos vivenciados anteriormente. A título de exemplo, Ramsden sugeriu que nos domínios das ciências, uma abordagem profunda a uma tarefa podia inicialmente exigir uma análise dos detalhes, o que isoladamente podia parecer-se com uma abordagem superficial. Pelo contrário, na área das humanidades, o autor argumenta que uma abordagem profunda envolve usualmente a construção de significados pessoais desde o início da realização da tarefa.

Também Entwistle (1997a) considera que os investigadores necessitam de reformular as abordagens à aprendizagem, em função dos contextos disciplinares em questão. O autor (Entwistle, 1995a) concretiza, afirmando que enquanto que nas humanidades, e nas ciências sociais em geral, as construções individuais podem reflectir a experiência pessoal de uma forma muito mais significativa do que nas ciências exactas; quando estudam ciência, os alunos chegam à compreensão dos conceitos de formas idiossincráticas – utilizando as suas representações resultantes da abstracção de pontos de vista distintos.

Hazel & Waterhouse, 2000; Hazel, Prosser & Trigwell, 2002), tem sido sistematicamente assumida a dicotomia profunda/superficial.

Destacamos, pela particularidade das áreas científicas estudadas, as investigações de Booth (1992) e de Drew, Bailey e Shreeve (2002).

Booth (1992) estudou o desempenho de estudantes em tarefas de programação de computadores, tendo identificado quatro abordagens distintas: uma abordagem expedita (na qual um programa anterior, que podia servir os objectivos da tarefa actual, era identificado), uma abordagem construtiva (elementos de programas realizados anteriormente eram organizados em conjunto, para encontrar uma solução), uma abordagem operacional (centrada naquilo que o programa ia exigir que os estudantes realizassem) e uma abordagem estrutural (inicialmente centrada no problema e não nas especificações do programa). De acordo com McCune (2003), as duas primeiras abordagens podiam ser consideradas superficiais por natureza, enquanto que as duas últimas seriam classificadas de profundas.

Drew e colaboradores (2002), por seu turno, trabalharam com estudantes da área de desenho de projectos de moda. Também estes autores encontraram quatro abordagens, cada uma constituída por uma combinação de intenções e estratégias qualitativamente distintas. Tais intenções decorriam desde o desenvolvimento de uma competência técnica, até à produção de um desenho, passando pela criação das suas próprias concepções. As estratégias associadas diziam respeito à centralização no produto, no processo de desenho e, por fim, em conceitos. Em lugar de tentarem integrar estas concepções na classificação tradicional, os autores situaram as abordagens num continuum, com as abordagens profunda e superficial presentes em cada um dos extremos.

Outras investigações têm também procurado identificar as abordagens à aprendizagem utilizadas pelos estudantes em contextos particulares. Refiram-se os trabalhos de Marshall (1995), Case (2000) e Case e Gunstone (2002, 2003), cujo objectivo era identificar as abordagens características de um determinado contexto, mais do que assumir a presença da dicotomia clássica profunda/superficial (Marton & Säljö, 1984). No sentido original utilizado por Marton e Säljö (1976a, 1976b), as abordagens profunda e superficial remetem para o envolvimento imediato do estudante numa tarefa concreta de aprendizagem – são exemplos de tarefas, a leitura de um texto académico ou a resolução de um problema matemático.

Também Trigwell e Ashwin (2003) defendem que falar no efeito do contexto significa que os estudantes têm que desenvolver formas apropriadas de apreender os conteúdos particulares, os objectivos e os métodos de ensino.

Entwistle (2000) descreve um modelo explicativo no qual distingue três grupos de variáveis: características dos estudantes, do ensino e do departamento ou faculdade. Entre as características dos estudantes, o autor refere-se ao conhecimento adquirido anteriormente, às capacidades intelectuais, ao estilo de aprendizagem, à personalidade, às atitudes face às aulas, à motivação, aos hábitos de trabalho e às competências de estudo. As características de ensino dizem respeito ao nível, estrutura, clareza, explicação, entusiasmo e empatia para ensinar. O desenho do curso e os objectivos, materiais de ensino, procedimentos de avaliação, liberdade de escolha e apoio às competências de estudo, remetem para as características do departamento ou faculdade. Mais recentemente, Entwistle e Entwistle (2003) estenderam este modelo e incluíram um maior número de ambientes de ensino-aprendizagem.

No entender do autor, ainda que seja claro que o mesmo estudante utiliza diferentes abordagens em situações distintas, podemos observar tendências gerais para adoptar abordagens particulares, relacionadas com diferentes exigências disciplinares e com as experiências educacionais anteriores. Deste modo, podemos falar em variabilidade e consistência como características do conceito.

Sobre este assunto, McCune (2003) defende que a investigação sobre os ambientes de aprendizagem resulta de um extenso corpo de estudos qualitativos e quantitativos sobre a compreensão da aprendizagem na perspectiva do estudante (Biggs, 1987a, 2003; Entwistle, 1997b, 1998a, 2000; Entwistle & McCune, 2004; Entwistle & Ramsden, 1983; Marton & Säljö, 1976a, 1976b, 1997; Prosser & Trigwell, 1999; Tait et al., 1998). Na perspectiva destes autores, as abordagens identificadas descrevem formas qualitativamente diferentes de estudar e de aprender, em parte como resposta às percepções dos estudantes sobre o contexto de ensino-aprendizagem (Biggs, 2003; Entwistle, 2000; Prosser & Trigwell, 1999; Ramsden, 1997).

Além das influências do ambiente de ensino-aprendizagem, a literatura também tem sugerido a existência de outras influências nas abordagens à aprendizagem e ao estudo. Vejam-se os objectivos subjacentes ao esforço do estudante em monitorizar e regular a sua própria aprendizagem. São vários os autores que consideram a actividade metacognitiva ou auto-reguladora como exercendo um impacto significativo nas abordagens à aprendizagem (Boekaerts, Pintrich & Zeidner, 2000; McKeachie, 1990; Pintrich & Garcia, 1991, 1994; Vermunt, 1996, 1998). O Quadro 10 apresenta estes aspectos das abordagens.

Quadro 10 – Aspectos das Abordagens à Aprendizagem e ao Estudo Abordagem Profunda

Intenção de compreender ideias por si mesmo

Estabelecer relações entre tópicos Relacionar o que é aprendido com o mundo exterior

Procurar padrões e princípios subjacentes Encontrar evidências e relacioná-las com as conclusões

Examinar a lógica e os argumentos de uma forma cautelosa e crítica

Tornar-se activamente interessado nos conteúdos da disciplina

Monitorizar o estudo

Manter o estudo bem centrado

Monitorizar a compreensão e debruçar-se sobre qualquer problema

Monitorizar e desenvolver competências genéricas

Monitorizar e aumentar a qualidade do trabalho produzido

Abordagem Superficial

Intenção de cumprir com os requisitos mínimos da disciplina

Estudar sem reflectir sobre os objectivos ou as estratégias

Tratar os conteúdos como partes de conhecimento que não se relacionam Memorizar sem compreender

Aceitar ideias sem as questionar

Organização e esforço no estudo Organizar o estudo

Gerir o tempo e o esforço de forma eficaz Manter o nível de concentração

Fonte: Adaptado de McCune (2003, p. 3).

De acordo com McCune (2003) a forma como os estudantes reflectem sobre e regulam a sua aprendizagem, parece ser influenciada pelas suas crenças em relação à aprendizagem, em geral, e à natureza das tarefas académicas nas quais se envolvem, em particular. A literatura indica uma diversidade característica das concepções de aprendizagem e das tarefas específicas – como por exemplo a escrita de ensaios – e sugere que estas concepções podem influenciar, quer as abordagens à aprendizagem, quer as percepções do ambiente de ensino-aprendizagem (Campbell, Smith & Brooker,

1988; Prosser & Webb, 1994; Van Rossum & Schenk, 1984; Säljö, 1982). Foi também possível observar em diversos estudos relações entre os objectivos gerais dos estudantes e as suas abordagens, resultantes em parte do esforço de regulação da aprendizagem: esta seria característica de estudantes que desejam atingir os objectivos a que se propuseram (Beaty et a., 1997; Morgan, Gibbs & Taylor, 1980; Morgan, Taylor & Gibbs, 1982; Vermunt, 1996, 1998).

Estamos, portanto, na presença de influências recíprocas de natureza complexa, que exercem um impacto significativo na aprendizagem dos estudantes.

O crescimento substancial das investigações centradas na aprendizagem dos estudantes, tem sido fundamentalmente no sentido de promover uma melhor compreensão do fenómeno da aprendizagem com base nas influências do contexto (Eklund-Myrskog, 1998). Mais especificamente, a investigação na área tem-se dedicado à forma como os participantes no processo interpretam a aprendizagem. A este propósito, Vermunt (2005) afirma que o modo como os estudantes aprendem é o resultado da interacção entre a pessoa e o ambiente em que vive. Neste sentido, as influências pessoais dão origem a consistências na aprendizagem, enquanto que as influências contextuais ou ambientais são responsáveis pela variabilidade sistematicamente encontrada.

No âmbito da abordagem fenomenográfica, foram desenvolvidos alguns estudos com vista a descrever as concepções individuais de aprendizagem. Säljö (1982) descobriu que as concepções de aprendizagem de alguns estudantes eram modificadas pelo facto de a aprendizagem requerida ser diferente de aprendizagens anteriores.

De acordo com Eklund-Myrskog (1998), a grande maioria da pesquisa fenomenográfica na área foi conduzida em países ocidentais como a Suécia (Säljö, 1979), o Reino Unido (Giorgi, 1985; Martonm et al., 1993), a Holanda e a Finlândia

(Eklund-Myrskog, 1997), bem como a Austrália (Prosser, Trigwell & Taylor, 1994). O interesse em analisar a importância do contexto nas concepções de aprendizagem dos estudantes tem conduzido, nos últimos anos, a estudos paralelos na Ásia, em África e na América do Sul – são estudos de referência os de Marton, Dall’Alba e Tse (1992), Pratt (1992) e Wen e Marton (1993) na China; Marton, Watkins e Tang (1997), em Hong Kong; Watkins e Regmi (1992), no Nepal; Watkins e Akande (1994), na Nigéria e Nagle e Marton (1993), no Uruguai. Alguns destes estudos assumem características diferenciadas devido ao facto de os questionários serem frequentemente utilizados como o método de recolha de dados. Não obstante, o objectivo principal é idêntico, ou seja, estudar as concepções individuais de aprendizagem mas em condições diferentes das dos países ocidentais (Eklund-Myrskog, 1996, 1998).

Quer nos estudos qualitativos, quer optando por metodologias quantitativas, foi possível identificar uma variação semelhante nas concepções e a questão é sempre a de saber se estas são contextualmente dependentes (Dahlin & Regmi, 1995; Marton et al., 1997; Eklund-Myrskog, 1997).

Alguns resultados têm apontado no sentido em que a cultura não determina o conteúdo da concepção de aprendizagem em termos absolutos. Contudo, o contexto de aprendizagem parece de facto influenciar quais os aspectos da concepção que são acentuados e quais os que são deixados para trás e desvalorizados (Martin & Ramsden, 1987; Van Rossum, Deijkers & Hamer, 1985; Van Rossum & Schenk, 1984).

Importa não esquecer que ainda que tenham sido encontradas diferenças nas abordagens ao estudo, adoptadas por estudantes particulares, em diversas situações de aprendizagem, não é claro se é possível induzir mudanças desejáveis através de intervenções específicas.

A questão que se coloca é a seguinte: será que vale a pena ajudar os estudantes a melhorarem as suas competências de aprendizagem, mesmo quando existem condições constrangedoras no próprio desenho do curso ou da disciplina?

Para Gibbs (1981) é possível desenvolver competências de aprendizagem que permitam lidar com as exigências das tarefas e adaptar-se a essas mesmas exigências. Newble e Entwistle (1986) defendem que a ênfase deveria ser colocada no processo de aprendizagem e não em procedimentos particulares. Coles (1990) considera a necessidade de os estudantes olharem para o que e o como aprendem, se pretendermos melhorar as competências de estudo. Além de Coles (1985, 1990), também Newble e Clarke (1986, cit. in Sobral, 1997) descrevem uma abordagem superficial à aprendizagem baseada em comportamentos de memorização como uma característica de estudantes que frequentam curricula tradicionais. Por outro lado, o desenvolvimento de uma abordagem profunda e de competências de aprendizagem auto-dirigida pode ser encorajado por métodos de resolução de problemas, em que os estudantes são confrontados com problemas relevantes, numa sequência de aprendizagem contextualizada (Coles, 1991; Dolmans & Schmidt, 1994, cit. in Sobral, 1997).

Outros autores (Beekhoven, De Jong & Van Hout, 2003) entendem os factores ao nível individual e os programas de estudo como determinantes para o progresso na forma como os alunos estudam, chamando a atenção para o interesse crescente pela variação no estudo em função do curso frequentado. Mais questões se nos colocam: será que aspectos tão diferentes como os curricula, a instrução e as características da população estudantil influenciam o progresso no estudo? Será o controlo dos factores individuais suficiente? Estes aspectos remetem-nos para a investigação sobre os modelos de integração, a qual se tem desenvolvido sobretudo nos países nórdicos e nos Estados Unidos da América (veja-se o modelo de Tinto (1987). Uma análise

multivariada destes factores realizada por Beekhoven e colaboradores (2003) veio demonstrar a existência de uma percentagem grande de variância entre cursos no que se refere ao progresso no estudo.

Estas perspectivas enfatizam a concepção dos estudantes em termos de abordagens à aprendizagem, de percepções do contexto e das exigências dos cursos. Do ponto de vista da investigação, esta perspectiva foi designada de segunda ordem por Van Rossum e Schenk (1984), da qual resultaram os dois conceitos-chave a que nos temos reportado: abordagem à aprendizagem e concepção de aprendizagem.

5. Bases Conceptuais dos Instrumentos de Medida das Abordagens ao