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Ensino Superior

Capítulo 3 – Factores Explicativos do Sucesso Académico

4. Avaliação do desenvolvimento cognitivo – alguns instrumentos de referência

4.3. Parker Cognitive Development Inventory – PCD

Para medir o desenvolvimento cognitivo em jovens adultos, Parker, baseando-se no Esquema de Desenvolvimento Intelectual e Ético de Perry, construiu um instrumento que engloba três dimensões (subescalas): Religião, Carreira e Educação. O instrumento, designado de Parker Cognitive Development Inventory – a versão original data de 1984, mas neste trabalho baseámo-nos na versão de Parker e Hood, de 1997 – e validado para a população estudantil universitária portuguesa por Ferreira e Bastos, em 1995 – Inventário de Desenvolvimento Cognitivo de Parker (adiante designado IDCP.) –, tem sido progressivamente utilizado em estudos de avaliação do desenvolvimento cognitivo de estudantes de universidades portuguesas (Bastos, 1993, 1998; Bastos & Gonçalves, 2000; Ferreira & Hood, 1991; Ferreira, 1990; Pereira, 2002; Simões, 1994; Viveiros, 2000).

O PCDI constituiu uma primeira tentativa de criar uma medida objectiva do desenvolvimento cognitivo, tendo por base alguns pressupostos que passamos a referir (Parker & Hood, 1997):

(a) a teoria de Perry sobre o desenvolvimento cognitivo enfatiza as diferenças qualitativas nos padrões de desenvolvimento, em vez de se reportar às diferenças quantitativas que ocorrem no comportamento – os itens foram, assim, construídos com

vista a obter respostas de natureza dedutiva que representam o “como se pensa” e não “o que se faz”;

(b) Perry não encontrou, nas suas investigações, muitos estudantes na primeira nem na última posições do modelo, pelo que só foram considerados no instrumento itens que representam as sete posições do meio;

(c) a teoria de Perry tenta compreender as estruturas cognitivas que os indivíduos utilizam para construir o conhecimento, os valores e a responsabilidade. Deste modo, na construção do inventário, os autores tentaram ancorar cada item numa destas três dimensões conceptuais;

(d) os itens representativos das três dimensões (educação, carreira e religião) foram incluídos para representar as várias posições, as áreas de conteúdo e os três temas.

O objectivo do inventário era o de observar a evolução dos diferentes modos de pensamento em estudantes do ensino superior, supondo-se que as posições nos diferentes níveis se modifiquem à medida que se vai avançando na escolaridade: decréscimo do pensamento dualista e aumento gradual do pensamento relativista e de compromisso ou investimento.

O inventário inclui 150 itens medidos numa escala de tipo likert com quatro pontos. Os estudantes respondem a uma série de afirmações expressando o seu total desacordo ou o total acordo. Os itens repartem-se equitativamente pelas três dimensões relativas à educação, à religião e à carreira. Para cada uma das dimensões são considerados três níveis de desenvolvimento – dualismo/absolutismo, relativismo e compromisso/investimento no relativismo. A combinação destes três níveis com as três

dimensões resulta em nove classificações, quantificadas globalmente através da soma dos itens das dimensões ponderadas por nível (Medeiros et al., 2002).

De acordo com Hood e Deopere (2002), quando os instrumentos de Perry, especificamente o PCDI, são objectivamente pontuados, os alunos do 3º e 4º anos parecem ser menos dualistas no pensamento, e mais relativistas do que os estudantes que frequentam o 1º ano do ensino superior. Refiram-se alguns estudos em que este facto foi constatado, nomeadamente os de Hood, Ferreira e Zhang (1998), White e Hood (1989) e Zhang e Hood (1998).

Porque nenhuma teoria está isenta de críticas, terminamos este ponto com uma referência às limitações apontadas por diversos autores.

Bastos (1998), chama a atenção para algumas críticas dirigidas a Perry, baseando-se nos trabalhos de King e Kitchener (1986), Parker (1984) e Sprinthall e Collins (1994).

Na verdade, ainda que Perry (1981), considerasse que uma percentagem significativa dos estudantes (75%) atingia as posições 7 e 8 do Modelo proposto, estudos realizados posteriormente por King e Kitchener (1986) e King e Bauer (1988) não identificaram nenhum estudante finalista nestas posições, tendo estas sido consideradas meramente teóricas.

Sprinthal e Collins (1994), por seu turno, referem-se às questões abertas colocadas aos estudantes, cujos relatos eram não raras vezes demasiado extensos, o que conduzia a um enorme gasto de tempo para análise e codificação dos dados das entrevistas.

Para Ferreira e Ferreira (2001), apesar do interesse da comunidade científica por este modelo explicativo, importa pensar nas questões da operacionalização e da avaliação da passagem entre posições, bem como na existência (ou não) do nível do

compromisso no relativismo. Na verdade, tal como Parker observou (1984), parece existir alguma dificuldade em relação à medida das posições, sobretudo em grandes amostras. Além disso, o nível do compromisso no relativismo, parece não caracterizar um aumento da complexidade cognitiva, mas sim um assumir de compromissos no final de um curso ou ao longo da vida (Pascarella & Terenzini, 1991).

Também King (1977) e Kitchener e King (1981), ao criticarem a proposta de Perry, consideraram que as posições de 1 a 5 se relacionavam com a dimensão cognitiva, enquanto que as posições 6 a 9 remetiam apenas para a descrição de aspectos do desenvolvimento da identidade, isto é, para o assumir de compromissos.

Por um lado, assumem-se como necessários mais estudos de validação, principalmente com objectivos de validação transcultural; por outro lado, serão convenientes eventuais reformulações e adaptações dos instrumentos utilizados para avaliar o desenvolvimento cognitivo com base no modelo de Perry. Não podemos, contudo, deixar de destacar o contributo do autor para a compreensão do jovem estudante universitário, tendo em consideração o rigor e a pertinência do trabalho desenvolvido para a produção deste modelo.

A generalidade das investigações apresentadas ao longo deste capítulo tem na base o modelo de desenvolvimento psicossocial de Erikson (1968), o modelo de desenvolvimento moral de Kohlberg (1969) e o modelo de desenvolvimento intelectual e ético de Perry (1970). Cada um destes modelos pode ser utilizado, de acordo com Zhang (1999a, 1999b), para estudar aspectos específicos do desenvolvimento dos estudantes ao longo da frequência do ensino superior.

Na verdade, estas teorias parecem ser unânimes em defender que a resolução das crises desenvolvimentais é encorajada por aquilo que se designa de “dissonância óptima” (Evans, 1999; Evans, 2003). Este conceito é definido como um nível de desconforto moderado no crescimento, em relação ao funcionamento do sujeito. Kohlberg (1969), por exemplo, reflectindo sobre as implicações práticas do modelo de desenvolvimento moral, defendia que a melhor forma de conseguir que os estudantes se desenvolvam moralmente é desafiando-os com dilemas morais (Zhang, 1999a). Perry (1970), ao adoptar uma abordagem epistemológica, construiu uma teoria que procurou especificamente traçar o desenvolvimento dos estudantes em termos do modo como atribuíam sentido às suas próprias experiências. Trata-se, como vimos, de um esquema teórico de nove posições que descreve as fases pelas quais os estudantes passam, desde uma visão simplista e categórica do mundo, até à tomada de consciência da natureza contingente do conhecimento e da relativização dos valores, bem como à formulação e afirmação dos seus próprios compromissos. Perry (1970) acreditava que as formas individuais de raciocínio iam além do domínio dos conteúdos: um estudante utiliza o raciocínio que permanece consistente, independentemente do conteúdo apresentado. Também as formas de raciocínio menos adaptadas são substituídas, progressivamente, por outras mais adequadas. Deste modo, os sujeitos deverão ocupar uma posição desenvolvimental cognitiva dominante, em determinados períodos das suas vidas. Um

terceiro aspecto determinante diz respeito ao desenvolvimento das formas de raciocínio como resultado da interacção entre as expectativas dos sujeitos e o ambiente. À medida que os estudantes vão avançando no curso, transitam de níveis inferiores de raciocínio para outros superiores e com um grau de complexidade maior.

Ao contrário de outros teóricos do desenvolvimento que acreditavam que os estádios cognitivos tinham na base sequências invariantes que não se definem culturalmente, Perry (1970) adoptou uma perspectiva interaccionista, argumentando que o ambiente institucional se relaciona com os estudantes, encorajando-os a desenvolver- se cognitivamente (Ferreira & Ferreira, 2001; Medeiros et al., 2002).

Ainda que a investigação sobre os constructos teóricos de Perry e as suas aplicações se encontre bem documentada na literatura sobre o desenvolvimento (Parker, 1984; Zhang, 1999b; Zhang & Watkins, 2001), são escassos os estudos fora do contexto original da investigação (Copes, 1980; Erwin, 1983; Knefelkamp & Slepitza, 1978; Moore, 1994). Outras investigações tentaram analisar as diferenças em diversas populações, limitando-as às questões de género (Baxter-Magolda, 1998).

Ao longo dos últimos 30 anos, temos assistido a uma separação entre as dimensões afectiva/motivacional e cognitiva do desenvolvimento e ao aparecimento de muitas investigações sobre a forma como o estudante se modifica e desenvolve ao longo da frequência de uma instituição de ensino superior, bem como sobre as experiências curriculares que parecem estar na base dessas mudanças (Pascarella & Terenzini, 1991). Uma parte substancial dessa literatura tem enfatizado o desenvolvimento psicossocial e cognitivo do estudante, sugerindo não só que este se desenvolve de uma forma holística (em que a mudança numa área do crescimento é sempre acompanhada de mudanças noutros domínios), mas também que existem fontes de influência do desenvolvimento

que são, também elas, holísticas (Astin, 1993; Kuh, 1993, 1995; Pace, 1984; Pascarella & Terenzini, 1991).

Autores como Pascarella (1985) e Pascarella e Terenzini (1991) defendiam que a frequência do ensino superior contribui de uma forma significativa para a aprendizagem e para o desenvolvimento cognitivo, por um lado, e para a maturidade e o desenvolvimento da identidade, por outro. Também Flowers, Osterlind, Pascarella e Pierson (2001) constataram que os estudantes do ensino superior adquirem aprendizagens significativas, principalmente nos últimos anos de frequência universitária. Autores como Terenzini, Pascarella e Blimling (1996), Terenzini, Springer, Pascarella e Nora (1995), Pascarella e Terenzini (1991), Terenzini e Wright (1987), Astin (1977, 1993) e Terenzini, Springer, Yaeger, Pascarela e Nora (1996) encontraram resultados semelhantes. É sobre as questões da aprendizagem e da forma como esta se processa que iremos tratar no capítulo que se segue.