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Ensino Superior

Capítulo 2 – Compreender a Aprendizagem dos Estudantes do Ensino

1. Questões de conceptualização

1.1. Estilos e Estratégias de Aprendizagem

Ao longo dos últimos 30 anos, os investigadores têm considerado a existência de numerosas dimensões para os conceitos de estilo e de estratégias. Importa referir que, na generalidade dos casos, os autores desenvolveram os seus próprios instrumentos para avaliação dos contextos em que trabalhavam, atribuindo designações específicas aos estilos e às estratégias de estudo e de aprendizagem. Na prática, o resultado terá sido o

aparecimento de uma grande quantidade de designações para um mesmo constructo, dando assim a ideia da existência de múltiplas dimensões do mesmo.

Na literatura sobre o conceito de estilo, os estilos de aprendizagem são considerados como uma espécie de estratégias gerais (Busato, Prins, Elshout & Hamak, 1998).

A este propósito, um dos primeiros autores de referência foi Messick (1976), ao sugerir que o estilo diz respeito à forma como uma tarefa é desempenhada, reflectindo a personalidade do indivíduo. No seu entender, tanto os estilos como as estratégias são heurísticos, no sentido em que orientam a descoberta e a resolução de problemas, mas diferem ao nível da generalização e do funcionamento (Messick, 1984). Os estilos implicam uma orientação geral para as tarefas e para as situações, enquanto que as estratégias remetem para tipos particulares de tarefas e de acontecimentos.

Esta é uma distinção crucial pois remete para problemas conceptuais. De facto, cada conceito possui fundamentos teóricos distintos e encerra em si diferenças funcionais.

Na tentativa de sistematizar o trabalho neste domínio, Riding e Cheema (1991) consideraram duas dimensões diferentes de estilo e uma família de estratégias de aprendizagem: a dimensão wholist-analytic que remete para a percepção do todo ou das partes em separado (Guilford, 1967; Witkin, 1959, 1964); e a dimensão verbal-imagery, relativa ao pensamento por palavras ou por imagens (Richardson, 1977; Riding & Taylor, 1976)2. No que diz respeito às estratégias, os autores reportam-se ao modelo das abordagens à aprendizagem de Biggs (1987a) e ao trabalho de Kolb (1977) sobre os diferentes tipos de aprendizes.

Também Pask (1976) utilizou uma definição semelhante na análise dos estilos de aprendizagem dos estudantes do ensino superior, remetendo-os para um uso psicológico mais restrito. O autor investigou a forma como os estudantes desempenhavam tarefas extensas e complexas, que requeriam a demonstração de compreensão. Pask (1976) introduziu dois novos conceitos na literatura sobre a aprendizagem: o de compreensão e o de aprendizagem operativa, tendo identificado estratégias holist e serialist3, que acabou por considerar como suficientemente estáveis, enquanto estilos de aprendizagem (Pask, 1988).

Outros autores, Marton e Säljö (1976a), caracterizavam os estilos de aprendizagem como processamentos de nível superficial ou profundo. Schmeck (1983) reportava-se a variáveis como o processamento profundo, o processamento elaborativo, a retenção de factos e o estudo metódico.

Também Kolb (1976, 1984) se dedicou ao estudo do constructo, considerando que este remete para diferentes tipos de aprendizagem: experiência concreta, observação reflexiva, conceptualização abstracta e experimentação activa.

Em 1978 Kolb propôs uma teoria sobre os estilos de aprendizagem – Teoria da Aprendizagem Experiencial – para aplicação específica a contextos educacionais. A teoria refere-se a quatro tipos distintos de estilos: convergente, divergente, assimilador e acomodador. Os indivíduos convergentes seriam conceptualizadores abstractos e com interesse pela experimentação activa, usando o raciocínio indutivo na análise de problemas específicos. Estes sujeitos aprendem ao aplicar o conhecimento a problemas, sendo capazes de produzir modelos hipotéticos. Os divergentes preferem experiências concretas e a observação reflexiva. Têm facilidade para aprender a partir da experiência, uma vez que consideram sempre a existência de múltiplas perspectivas; interessam-se

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pelos outros e são imaginativos e emocionais. Os assimiladores são conceptualizadores abstractos e observadores reflexivos e tendem a aprender sistematizando a informação em teorias unificadoras. Contudo, reflectem acerca dessas teorias sem grande interesse pela sua aplicação prática. Os acomodadores preferem a experiência concreta e a experimentação activa, apreciando particularmente correr riscos; aprendem também melhor fazendo (Kolb, 1978).

A Figura 1 permite uma melhor compreensão da estrutura que está na base da teoria de Kolb.

Figura 1 – Estilos de aprendizagem

Observação reflexiva ASSIMILADOR DIVERGENTE Conceptualização Experiência abstracta concreta CONVERGENTE ACOMODADOR Experimentação activa

Fonte: Adaptado de Bitran, Zúniga, Lafuente, Viviani & Mena (2003, p. 1071).

Ao classificar estes quatro aprendizes em função da forma como adquirem informação, torna-se clara a distinção entre aprendizes abstractos (assimilador e convergente) e aprendizes concretos (divergente e acomodador). No que se refere ao modo como processam a informação, Kolb falava em aprendizes reflexivos (assimilador e divergente) e num outro par que entendia como activo (convergente e acomodador).

Em 1992, Vermunt publicou um trabalho sobre as diferentes formas de aprendizagem dos estudantes, afirmando que o modo como um estudante aprende deve ser designado de estilo de aprendizagem. O autor descreve o conceito de estilo de aprendizagem tendo em conta quatro aspectos distintos: estratégias de processamento, estratégias de regulação, modelos mentais de aprendizagem e orientações para a aprendizagem (Vermunt, 1992, 1995). No que se refere às estratégias de processamento, tratam-se de actividades de pensamento que os estudantes utilizam para processar informação, de forma a obterem determinados resultados de aprendizagem. As estratégias de regulação (de natureza metacognitiva) constituem actividades para monitorizar, planear e controlar as estratégias de processamento e os próprios processos de aprendizagem. Os modelos mentais podem ser considerados concepções que os estudantes possuem sobre os processos de aprendizagem. Por último, as orientações para a aprendizagem remetem para os objectivos pessoais, as intenções, as expectativas e as dúvidas que os estudantes podem experienciar ao longo do seu percurso académico.

Vermunt (1995) acaba por conceptualizar o estilo de aprendizagem num sentido muito mais amplo do que, por exemplo, autores como Kolb (1984), Pask (1988) e Schmeck, Geisler-Brenstein e Cercy (1991), para quem a tónica deveria ser colocada nas actividades cognitivas.

Em estudos com alunos universitários, Vermunt (1996, 1998) identificou quatro estilos de aprendizagem, os quais representam combinações distintas das concepções de aprendizagem, das orientações, das estratégias de regulação e de processamento: undirected, reproduction directed, application directed e meaning directed.4 Os estudantes caracterizados por um estilo undirected apresentam alguns problemas em processar material para estudar, experienciando dificuldades com a quantidade de

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Optámos por não traduzir estas designações, não só pela dificuldade de encontrar sinónimos na língua portuguesa, mas também porque consideramos a tradução prejudicial ao sentido original dos termos.

material de estudo e com a discriminação daquilo que é importante e do que não é – não são, por isso, capazes de construir e integrar conhecimentos; estudar é difícil e têm medo de falhar nos estudos. Estudantes com um estilo reproduction directed possuem comportamentos de estudo dirigidos principalmente para a reprodução do que é aprendido nas aulas, com vista a obter sucesso. Consideram a aprendizagem como uma transferência de conhecimento, que procuram memorizar e reproduzir nos momentos de avaliação. Geralmente, regulam-se externamente, sendo os conselhos e os sinais dos professores de particular relevância. Estudantes com um estilo application directed tentam ajustar o que aprendem a contextos actuais e do mundo real, procurando ligações entre a teoria e a prática. Consideram que aprenderam quando conseguem aplicar os conhecimentos – podemos falar em comparações possíveis com os aprendizes convergentes e assimiladores de Kolb (1984). Por fim, estudantes com um estilo de aprendizagem meaning directed querem perceber o significado dos materiais de estudo, interrelacionar o que aprenderam e desenvolver, de uma forma crítica, a sua própria perspectiva sobre as coisas. Concentram-se naquilo que lhes parece interessante e importante e a regulação é interna.

Mais recentemente, Vermunt (2005) afirma que na última década tem existido um debate contínuo sobre a terminologia no campo da aprendizagem do estudante, no qual Entwistle e Biggs têm desempenhado um papel crucial. Inicialmente, Entwistle (1988a) falava em orientações de realização, significativa, reprodutiva e não-académica e Biggs (1987a, 1993a) reporta-se a abordagens à aprendizagem (superficial, profunda e de alto rendimento/realização) – os modelos teóricos construídos por estes autores serão analisados em detalhe na segunda secção deste capítulo.

aparece muitas vezes combinado com o de estilo de aprendizagem. No seu entender, a diferença fundamental entre estratégias e estilos reside no facto de aquelas se referirem a combinações ou conjuntos de actividades que as pessoas preferem utilizar na resolução de problemas específicos, enquanto que um estilo remete para rotinas de processamento de informação que podem ser relacionadas com os traços de personalidade. Assim, um estilo de aprendizagem é, de certa forma, algo mais abrangente do que uma estratégia, na medida em que inclui diferentes estratégias, bem como factores motivacionais e de personalidade. À semelhança de autores como Biggs (1993a) e Marton e Säljö (1976a, 1976b), a distinção aqui é feita em termos de estratégias profundas (dirigidas para a compreensão do significado das tarefas e para uma certa curiosidade intelectual) e superficiais (centradas em informações superficiais como sejam factos, exemplos e ilustrações). Hoeksema (1995) associa a estratégia superficial explicitamente aos estilos de aprendizagem undirected e reproduction directed e a estratégia profunda ao estilo meaning directed de Vermunt (1992).

Também Sternberg (1997) tentou integrar os modelos existentes sobre os estilos, referindo-se em particular aos estilos de aprendizagem centrados na actividade (Biggs, 1979; Dunn & Dunn, 1978; Entwistle, 1981; Kolb, 1978; Marton & Säljö, 1976a, 1976b; Renzulli & Smith, 1978; Schmeck, 1983). Trata-se de perspectivas orientadas para a acção, que colocam a tónica nos tipos de actividades em que as pessoas se envolvem em diferentes alturas das suas vidas (por exemplo, na escola e no trabalho).

Para Sternberg (1997) um estilo descreveria a forma como o sujeito prefere fazer algo. As estratégias, por sua vez, implicam operações que permitam minimizar o erro durante o processo de tomada de decisão (Sternberg & Grigorenko, 2001). Para estes autores, num nível mais básico, os estilos e as estratégias poderão ser distinguidos pelo grau de consciência envolvido: os estilos operam sem qualquer consciência individual,

enquanto que as estratégias envolvem uma escolha consciente de alternativas. No geral, o termo estratégias é utilizado para situações dependentes da tarefa ou do contexto; o estilo implica um maior grau de estabilidade, situando-se entre a capacidade e a estratégia. Sternberg (1997) acrescenta que o estilo tem provavelmente uma base fisiológica e é moderadamente fixado. Em contraste, as estratégias constituem formas de lidar com situações e tarefas que podem ser aprendidas e desenvolvidas. Tratam-se, por isso, de métodos particulares de utilizar os estilos de aprendizagem para, assim, tirar o melhor partido das situações para as quais estes não são idealmente convenientes.

Ainda que o conceito de estilos tenha sofrido, ao longo dos tempos, sucessivas modificações e adquirido diversos significados, a definição original segundo a qual o estilo se refere a padrões habituais ou formas preferenciais de fazer algo – que são consistentes ao longo do tempo e em áreas distintas de actividade – permanece até hoje (Sternberg, 2001).

Percebemos que existem de facto estilos diferentes, os quais ajudam a compreender a variação no desempenho que não pode ser explicada pelas capacidades, e que pode ser importante em vários cenários da vida real.

Autores como Marton, Säljö e Meyer defendem que os estilos de aprendizagem se assumem como estruturas e não como processos, pelo que não se trata de algo negociável nem sensível ao contexto, mas sim de uma estrutura estática e individual. Pelo contrário, quando falamos em estratégias e, mais concretamente, em abordagens à aprendizagem ou orientações para o estudo, parecem existir dois sentidos diferentes: por um lado, tratam-se de processos adoptados antes de algo ocorrer e que determinam directamente o objectivo de aprendizagem; por outro lado, parecem ser predisposições

refere Entwistle), tais como quando os estudantes são inquiridos através de um questionário sobre como aprendem usualmente. Refiram-se, a este propósito, os trabalhos de Biggs, Entwistle e Ramsden e, ainda Schmeck.

2. Como Aprendem os Estudantes: Relações entre os Conceitos de