• Nenhum resultado encontrado

Ensino Superior

Capítulo 2 – Compreender a Aprendizagem dos Estudantes do Ensino

5. Bases Conceptuais dos Instrumentos de Medida das Abordagens ao Estudo e das Concepções de Aprendizagem

5.1. O Study Process Questionnaire – SPQ (Biggs, 1987b)

De acordo com Biggs (1993a) o protótipo do SPQ, cujo trabalho se iniciou nos anos 60, é originário do modelo de processamento da informação mas a teoria foi sendo modificada, como já referimos, resultando no aparecimento da perspectiva SAL. Na época muitas investigações sugeriam a existência de correlações pequenas mas consistentes e positivas entre os factores de personalidade e o desempenho académico (Biggs, 2003). Para Biggs (1978) o desempenho podia ser previsto através da mediação do comportamento de estudo dos estudantes. Especificamente, sugeria-se que factores como os estilos cognitivos, a personalidade e os valores, enfatizavam de forma diferente as estratégias de codificação e de ensaio (Biggs, 1976), o que conduzia a diferentes formas de estudar. Estas últimas determinavam os objectivos de aprendizagem. O Study Behaviour Questionnaire (SBQ, Biggs, 1976), que combina dez escalas, foi o primeiro produto deste trabalho. Foram consideradas como dimensões do comportamento de estudo (Biggs, 1987a, p. 7): a aspiração académica (aluno pragmático, orientado para a carreira, que encara a universidade como um meio para atingir os seus fins pessoais); o interesse académico (aluno intrinsecamente motivado para quem o estudo se assume como um fim em si mesmo); o neuroticismo académico (confusão e angústia causadas pelas exigências escolares); a internalidade (o aluno encara a realidade como algo que é independente de quaisquer autoridades de natureza externa); as técnicas de estudo e de organização (o aluno trabalha arduamente, revendo os esquemas que constrói com regularidade); a estratégia de reprodução (é dada atenção primordialmente aos factos, aos detalhes, aprendendo de memória); a dependência (o aluno raramente questiona os professores, necessitando pouco de apoio); a assimilação significativa (remete para a leitura em profundidade, onde o aluno relaciona o material novo com os conhecimentos

anteriores que já detém, orientando-se para a obtenção do significado); a ansiedade face à avaliação (o aluno preocupa-se muito com os diversos momentos da avaliação, receando fracassar); e, por fim, a abertura (relaciona-se com a concepção da Universidade como um local onde se questionam valores).

Um dos problemas relativos a este questionário, remetia para o número excessivo de escalas, sendo difícil perceber qual das 10 formas de estudar era mais relevante para o ensino e qual conduzia a objectivos mais desejáveis e sob que condições. Segundo Biggs (1993b, 2001) a teoria do processamento da informação que estava na base deste instrumento não proporcionava uma base conceptual que explicasse estas e outras questões. O SBQ foi assim alvo de reformulações sucessivas e as diversas análises factoriais, realizadas com diferentes amostras, permitiram extrair uma solução de três factores: reprodução, internalização e organização. Nos seus trabalhos, Biggs (1978) chegou à conclusão que os itens do questionário se agrupavam numa estrutura Valor-Motivo-Estratégia. Por outras palavras, existia um grupo de itens de cada factor relativo a valores, outro grupo remetia para motivos (componente afectiva) e, por fim, o grupo das estratégias (componente cognitiva). O quadro que segue apresenta as dimensões do SPQ original.

Quadro 11 – O SPQ original: Dimensões, Motivos e Estratégias Utilizing15 Internalizing16 Achieving Motivo Medo de falhar Interesse intrínseco Realização Estratégia Visão limitada, aprende por

rotina

Maximiza o significado

Uso eficaz do espaço e do tempo

A similaridade entre os conceitos de utilizing e internalizing e os conceitos de superficial e profunda de Marton e Säljö (1976a, 1976b) é, na opinião de Biggs (2001), apenas aparente – a componente motivacional nas dimensões do SPQ assume paralelismos com a componente intencional nas abordagens profunda e superficial dos autores.

Ainda que Marton e Säljö utilizassem o termo abordagem à aprendizagem para se referirem àquilo que os estudantes de facto fazem quando lidam com uma tarefa, no SPQ e no ASI perguntava-se aos estudantes o que faziam habitualmente quando estudavam e aprendiam.

Para Biggs (2001) o termo seria usado para se referir a dois aspectos distintos: (a) o processo adoptado durante a aprendizagem, que determina directamente o objectivo de aprendizagem, e (b) as predisposições para adoptar processos particulares.17 O autor recupera de Entwistle o conceito de orientações ao referir-se a preferências ou predisposições para utilizar uma abordagem em particular. Assim, as descrições a que nos referimos aplicam-se quer a abordagens, quer a orientações.

Considerando a necessidade de modificações e ajustamentos no questionário, Biggs construiu novas versões do questionário: o Study Process Questionnaire (SPQ), destinado a alunos do ensino superior e o Learning Process Questionnaire (LPQ), para alunos do ensino secundário.

Originalmente, o SPQ era constituído por 80 itens, relativos a dez aspectos do comportamento de estudo. Posteriormente, Biggs reduziu o SPQ a seis escalas relativas a motivos e estratégias, com vista a avaliar as abordagens à aprendizagem dos alunos (superficial, profunda e de realização/alto rendimento). Para além destas três dimensões,

17

Em 1988, Entwistle referia-se a estas últimas como “orientações” para a aprendizagem, usualmente endereçadas por questionários como o ASI e o SPQ. Contudo, o termo orientação não obteve grande consenso, ainda que o conceito de abordagem permanecesse ambíguo, relativo a actividades desempenhadas quando se aprendia uma tarefa específica, ou a preferências no uso de certos tipos de actividades.

foram ainda considerados mais dois factores: uma conjugação do motivo profundo e de alto rendimento/realização com a estratégia profunda, e uma combinação entre motivo superficial e de realização com uma estratégia superficial (Biggs & Rihn, 1984). Na perspectiva dos autores, estamos na presença de diferentes modos de encarar a aprendizagem, sendo que os alunos podem sempre optar por um tipo de abordagem ou por vários tipos em simultâneo.

De acordo com Biggs (2001) ainda que os estilos de aprendizagem sejam modificáveis, actuam no essencial como variáveis independentes, portadoras de alguma estabilidade intrínseca. Por outras palavras, determinam os acontecimentos que se seguem, de forma que, se o que se segue for uma tarefa compatível, o desempenho é favorável; se se tratar de uma tarefa incompatível, o desempenho é débil. No que se refere às altas e baixas pontuações no SPQ, por outro lado, espera-se que os estudantes modifiquem os seus motivos e as suas estratégias à medida que as suas percepções de contexto também mudam. Mais ainda, a ideia é que afectem e sejam afectadas pelo contexto. O SPQ original, enquanto instrumento com três factores (cada um dos quais com as respectivas sub-escalas de motivos e de estratégias), pretendia reflectir intenções e percepções prevalecentes e não traços pessoais.

Biggs (1985) fala ainda em actividade de meta-aprendizagem para designar a combinação motivo/estratégia, concebendo-a como um sub-processo da metacognição, na medida em que remete para o conhecimento que os alunos possuem dos seus motivos pessoais e para a capacidade de controlo na escolha e utilização de estratégias de aprendizagem (Biggs, 1985; Biggs & Telfer, 1987).

Mais recentemente, alguns estudos que investigam as abordagens à aprendizagem tal como definidas pelo modelo 3P têm-se centrado nas relações com o

construção de novas versões do SPQ (Watkins & Murphy, 1994). As investigações sobre a estrutura factorial do instrumento e do modelo subjacente (Bolen, Wurm & Hall, 1994; Niles, 1995; O’Neil & Child, 1984) e sobre as diferenças individuais em função da idade e do género (Sadler-Smith & Tsang, 1998; Watkins & Hattie, 1985; Wilson, Smart & Watson, 1996) têm também despertado o interesse de diversos investigadores. De referir que nas investigações realizadas em culturas diferentes daquelas para que o instrumento foi originalmente construído, tem sido demonstrado que o SPQ é fidedigno e válido para medir as abordagens à aprendizagem dos estudantes. De acordo com Zhang e Sternberg (2000), o estudo da validade do SPQ tem assumido duas formas: uma remete para a análise da sua estrutura interna; a outra diz respeito à comparação do SPQ com outros instrumentos. Ainda que alguns estudos suportem a estrutura proposta por Biggs de que existem três factores no SPQ (Bolen et al., 1994; O’Neil & Child, 1984), outras investigações têm demonstrado a presença de apenas dois factores (Entwistle, 1981; Marton & Booth, 1997; Niles, 1995; Watkins & Dahlin, 1997).

No que diz respeito às relações entre o SPQ e outros instrumentos são escassos os estudos conhecidos (Kember & Gow, 1990; Murray-Harvey, 1994; Wilson et al., 1996).