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Ensino Superior

Capítulo 3 – Factores Explicativos do Sucesso Académico

2. Contributos das Teorias e Modelos do Desenvolvimento Psicossocial

2.2. O Modelo dos Sete Vectores de Arthur Chickering

Um outro autor que importa aqui referir é Chickering (1969, 1976; Chickering & Reisser, 1993), o qual, em termos conceptuais, foi influenciado pelos trabalhos de Erikson, Sanford e Heath, especificamente no que diz respeito à terminologia utilizada e aos conceitos explicativos do desenvolvimento.

No seu entender importa, por um lado, ter em conta o desenvolvimento psicossocial do estudante e, por outro, a qualidade dos contextos académicos e a sua influência na promoção do desenvolvimento. Na verdade, para Chickering o impacto do curso, do currículo, dos professores, dos colegas ou das condições habitacionais, varia em função da história, do desenvolvimento, das capacidades e das características pessoais dos alunos. Porque se trata de um modelo de referência – alguns autores chegam mesmo a classificá-lo de “modelo ‘modal’ “ (Ellison & Simon, 1973, p. 50, cit. in Ferreira & Ferreira, 2001).

Chickering (1969), baseando-se nos trabalhos de Erikson (1959, 1968), concebeu um modelo de desenvolvimento psicossocial para o estudante do ensino superior em que o processo se concretiza através de uma sequência ordenada e pré- determinada de estádios (Ferreira & Castro, 1994), que assumem uma determinada ordem. Numa descrição minuciosa do desenvolvimento do jovem adulto, o autor caracteriza aquilo que designa de sete vectores ou dimensões de desenvolvimento: (1) sentido da competência; (2) gerir as emoções; (3) autonomia em direcção à independência; (4) identidade; (5) relações interpessoais; (6) sentido da vida; (7) integridade.

A resolução de tarefas de desenvolvimento características de um vector funciona como preparação para as tarefas que se seguem, próprias de outro vector. Na verdade, para Chickering (1969, 1976) os primeiros três vectores tendem a ascender em simultâneo, previamente aos outros quatro vectores.

Ao contrário de outros autores, Chickering opta pelo termo vector, e não estádio ou fase. No seu entender, o termo tem implícito um certo dinamismo, direcção e magnitude, ainda que, na verdade, o sentido do desenvolvimento seja melhor expresso por “uma espiral ou por degraus do que por uma linha recta” (Chickering, 1969, p. 8).

Mais tarde, Chickering e Reisser (1993) afirmam que os vectores pretendem, de facto, representar “estradas principais que se percorrem e que favorecem a individualização – a descoberta e o refinamento do modo único de ser” (p. 35). Os autores acabam por modificar a sequência estrutural inicialmente proposta por Chickering, nomeadamente em relação ao grau de importância dos vectores 5 (desenvolver as relações interpessoais) e 3 (desenvolver a autonomia).

O sucesso na sua resolução dependerá sempre de factores de ordem psicológica, biológica e social. Ainda que as mudanças ocorram em qualquer jovem, considera-se que os contextos educativos são sempre facilitadores dessas mudanças e assumem um papel determinante na integração social dos jovens (Bastos, 1998).

De acordo com Chickering (1969) o prolongamento da escolaridade até ao ensino superior estaria na base da concepção de um novo período de desenvolvimento, onde ocorrem determinadas mudanças e ajustamentos que lhe são característicos. Trata- se, para muitos estudantes, da última oportunidade para se operarem mudanças significativas antes de surgirem as responsabilidades e de encontrarem a estabilidade em termos sociais, interpessoais e profissionais – as modificações ocorreriam em relação às atitudes, valores, interesses, objectivos, aspirações, planos futuros, clareza e domínio dos impulsos e emoções, auto-conceito, interacção pessoal e competência intelectual.

O autor, em conjunto com McCormick (Chickering & McCormick, 1973), desenvolveu alguns estudos tendo em vista observar a relação entre o desenvolvimento da personalidade do jovem adulto e a experiência que a frequência das instituições de ensino superior proporcionava, tendo encontrado alguns factores que pareciam sofrer modificações significativas em função das práticas de ensino que eram utilizadas. Refiram-se a este propósito: a autonomia, a auto-aprendizagem, a complexidade intelectual e a expressividade, às quais se associavam as actividades intelectuais de síntese, de análise e de interpretação.

No entender de Chickering a interacção entre professores e alunos parecia assumir especial relevância, bem como a própria discussão e a colocação de questões nas situações mais variadas, tais como a sala de aula ou situações de natureza informal. Neste âmbito, chama a atenção para o facto de ser maior a possibilidade de ocorrência

destas interacções em instituições de dimensões relativamente pequenas, onde mais facilmente se observam relações de maior proximidade entre professores e estudantes.

Para Chickering, quando nos reportamos à faixa etária do jovem adulto relativa à frequência do nível de ensino superior, estamos a falar de um período muito especial, cujo objectivo principal é o desenvolvimento da identidade (Chickering, 1969; Chickering & Reisser, 1993). Contudo, este desenvolvimento não é possível sem o contributo dos contextos que o estudante vivencia, nomeadamente no meio universitário.

Influenciado também pela perspectiva de Sanford (1962, 1966), Chickering considera que o ambiente universitário é um desafio, possuindo funções de suporte do desenvolvimento do indivíduo (Medeiros et al., 2002). Não obstante, também o indivíduo pode contribuir para a transformação do ambiente em que se insere. O autor parte do pressuposto de que diferentes níveis de interacção do jovem adulto com o meio podem levar a experiências diversas, das quais se retiram as mais variadas influências e significados de natureza social e emocional. Estes significados acabam por ser utilizados pelo indivíduo para afectar e modificar reciprocamente o ambiente.

Na base da teoria, Chickering concebe o desenvolvimento psicossocial em função de dois princípios: o desenvolvimento ocorre através de ciclos de diferenciação e de integração, e o impacto que as experiências exercem está dependente das características do indivíduo (Chickering, 1969).

As investigações de Chickering demonstraram a existência de diferenças, ao nível das tarefas que permitem o desenvolvimento dos vectores, entre alunos que frequentam os primeiros anos do ensino superior e alunos que frequentam os dois últimos anos. Em relação aos primeiros, observa-se uma maior preocupação com as

emoções e autonomia), enquanto que o desenvolvimento da identidade, das relações interpessoais, do sentido da vida e da integridade, são tarefas tipicamente características dos últimos anos de frequência do ensino superior (Medeiros et al., 2002).

De acordo com Chickering e Reisser (1993) a resolução com sucesso dos três primeiros vectores assume um carácter de necessidade para o desenvolvimento da identidade, sendo a construção desta última fundamental para a resolução dos últimos vectores.

Para Ferreira e Ferreira (2001) encontramos no modelo de Chickering, à semelhança do que se verificou noutras perspectivas (nomeadamente na de Erikson), uma ordem sequencial de tarefas de natureza psicossocial e uma bipolaridade crítica. Na verdade, a teoria de Chickering é frequentemente entendida, entre as teorias do desenvolvimento psicossocial, como a mais atractiva e com maior poder explicativo relativamente a esta fase da vida. Para os autores, trata-se de uma perspectiva bastante abrangente e holística, pela interligação que preconiza entre os vectores do desenvolvimento e os contextos educativos. Não obstante, os autores destacam, à semelhança de Chickering, algumas dificuldades de natureza metodológica, que se prendem com o facto de, em termos tradicionais, as instituições de ensino superior valorizarem excessivamente a dimensão cognitiva do desenvolvimento.

Assim, também esta perspectiva apresenta algumas limitações e não está isenta de críticas. Chickering acaba por descurar os aspectos cognitivos do desenvolvimento, remetendo-os exclusivamente para uma dimensão do primeiro vector. Uma outra crítica refere-se à constituição dos vectores, nomeadamente à ausência de especificação dos comportamentos e atitudes que os definem (Widick, Parker & Knefelkamp, 1978). Para Ferreira e Hood (1990) alguns vectores são definidos de forma mais ou menos

específica, mas outros são demasiado abrangentes e, portanto, menos claros, sendo permeáveis às mais diversas interpretações. Ainda de destacar o facto de cada vector ser descrito quase exclusivamente em termos de resoluções positivas, raramente sendo consideradas decisões desfavoráveis ou desadequadas (Medeiros et al., 2002).

Por fim, Ferreira e Ferreira (2001) referem-se ao facto de Chickering não delinear os processos particulares e as alterações que ocorrem em cada vector, por um lado, e de não aludir aos processos motivacionais, sugerindo, apenas, que os vectores se desenvolvem quando as condições são desafiantes.

Apesar de tudo, estas críticas não são suficientes para a recusa ou enfraquecimento conceptual da teoria, devendo antes ser entendidas como um desafio para mais investigações sobre a temática do desenvolvimento psicossocial.