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Ensino Superior

Capítulo 3 – Factores Explicativos do Sucesso Académico

3. Teorias e Modelos do Desenvolvimento Cognitivo

3.2. O Modelo de Reflexão Epistemológica de Baxter-Magolda

No quadro das abordagens ao desenvolvimento cognitivo, Baxter-Magolda (1992) defende uma perspectiva de análise do pensamento pós-formal.

A autora, através da realização de estudos longitudinais e transversais, procurou analisar a perspectiva dos estudantes face ao conhecimento, reportando-se a cinco domínios: (1) o papel do aluno, (2) dos colegas, (3) dos professores, (4) da avaliação e (5) a natureza do conhecimento. Estes domínios assumem-se como padrões ou modos de conhecimento distintos: conhecimento absoluto, conhecimento de transição, conhecimento independente e conhecimento contextualizado.

Da investigação resultaram diferentes padrões de conhecimento que terão conduzido à construção do Modelo de Reflexão Epistemológica. O quadro 1 descreve, de uma forma sucinta, as características de cada um dos padrões.

Domínios Conhecimento Absoluto Conhecimento de Transição Conhecimento Independente Conhecimento Contextualizado

Papel do Aluno Obtém conhecimento através do

professor

Compreende o conhecimento Pensa por si próprio

Partilha pontos de vista com os outros

Elabora a sua própria perspectiva

Contrapõe e compara perspectivas

Pensa mediante a análise de problemas

Integra e aplica o conhecimento

Papel dos Colegas Partilham material didáctico

Explicam uns aos outros o que aprenderam

Proporcionam interacções activas

Partilham pontos de vista que servem como fonte de conhecimento

Melhoram a aprendizagem proporcionando contributos de qualidade.

Papel do Professor Comunica os conhecimentos de

modo adequado

Assegura que os estudantes compreendem o conhecimento

Usa métodos que têm em vista atingir a compreensão

Emprega métodos que ajudem a aplicar o conhecimento

Promove o pensamento independente

Promove a troca de opiniões

Promove a aplicação do conhecimento contextualizado Promove a discussão crítica de perspectivas

Aluno e professor criticam-se mutuamente

Papel da Avaliação Fornece instrumentos para

mostrar ao professor e o que foi aprendido

Mede a compreensão dos estudantes relativamente a uma determinada matéria

Recompensa o pensamento independente

Mede rigorosamente a competência

Estudantes e professor trabalham em direcção a um objectivo comum e medem o progresso

Natureza do Conhecimento É certo ou absoluto É parcialmente certo e, em parte,

incerto

É incerto, ou seja, cada pessoa tem as suas próprias crenças

Contextualizado, baseado nos dados de natureza contextual

Numa tentativa de conciliar o modelo original de Perry (1970) com as teorias que surgiram entretanto, Baxter-Magolda e Porterfield (1985) desenvolveram um instrumento que designaram de Measure of Epistemological Reflection – MER (Medida de Reflexão Epistemológica). A MER continha uma série de questões abertas sobre diferentes domínios: tomada de decisão, papel do aprendiz, papel do professor, papel do grupo de pares, avaliação da aprendizagem e natureza do conhecimento. Os ensaios escritos dos estudantes resultavam de protocolos de entrevistas e eram pontuados da mesma maneira que as transcrições de entrevistas (Felder & Brent, 2004). Os quatro estádios desenvolvimentais referidos no Quadro 1 resultaram da análise das respostas dos estudantes. De destacar que a classificação obtida demonstrou um grau de fidelidade satisfatório e, em estudos posteriores, foram encontradas correlações bastante elevadas com os resultados de entrevistas semi-estruturadas (Baxter-Magolda, 1987, 1988).

Para a autora, os modos de conhecimento mais utilizados pelos estudantes de licenciatura eram o conhecimento absoluto (o conhecimento é algo certo), o conhecimento de transição (o estudante começa a ter consciência de que existe incerteza em certos domínios do conhecimento) e o conhecimento independente (o estudante considera que a incerteza domina a maior parte do conhecimento) (Baxter-Magolda, 1992, 2001).

De realçar que no estudo realizado em conjunto com Porterfield (Baxter- Magolda & Porterfield, 1985), com estudantes do 1º ano, finalistas e estudantes de pós- graduação, Baxter-Magolda verificou que o modo de conhecimento contextualizado se observa em poucos estudantes que frequentam os cursos de licenciatura.

Neste sentido, os diferentes modos de pensamento remetem para os anos de frequência do ensino superior, sendo que o conhecimento absoluto prevalece no 1º ano,

vai diminuindo no 2º ano e é quase inexistente no 3º e 4º anos, parecendo desaparecer definitivamente no último ano da licenciatura. Os estudantes vão assim adoptando um modo de conhecimento de transição. No que se reporta ao conhecimento independente, Baxter-Magolda (1992) considera que este modo de conhecimento parece caracterizar os estudantes dos últimos anos e, de uma forma mais marcada, os de pós-graduação. Por último, o conhecimento contextualizado surge a partir do 3º ano, aumentando significativamente ao longo dos anos de pós-graduação. É nesta altura que os indivíduos passam a ter a percepção de si próprios enquanto construtores de conhecimento (Baxter- Magolda, 1992). A autora aponta alguns factores que poderão estar subjacentes à adopção deste modo de conhecimento, tais como: a experiência pós-licenciatura e a observação dos colegas e professores nos anos de pós-graduação.

Assim, na opinião de Ferreira e Ferreira (2001), à semelhança de King e Kitchener, também Baxter-Magolda defende que, à medida que os estudantes vão progredindo ao longo da frequência do ensino superior, vão também apresentando formas de raciocinar mais elaboradas e complexas, a que poderão estar subjacentes variáveis como a experiência académica e a idade, entre outras.

Em termos globais, o Modelo de Reflexão Epistemológica proposto por Baxter- Magolda mostra-nos um processo sequencial em que modos mais complexos de conhecimento vão substituindo formas mais simples. A este propósito, Bastos (1998) considera que Baxter-Magolda, “ao introduzir um nível de transição, alarga as possibilidades de os estudantes se movimentarem nas suas tomadas de posição face ao conhecimento” (p. 50).

Baxter-Magolda (1992) vem ainda chamar a atenção para o papel desempenhado pelos professores, defendendo que também eles possuem modos particulares de

interpretar a informação e de construir significados com base nas suas próprias experiências.

Em síntese, destacamos alguns pontos essenciais do modelo de Baxter-Magolda (1992), tendo em conta a sua pertinência e validade ao nível da compreensão do desenvolvimento do estudante do ensino superior. Por um lado, considerando a importância atribuída ao papel do aluno, importa contextualizar e centrar a aprendizagem na sua própria experiência, na medida em que aquela resulta, fundamentalmente, de uma construção de significados que é feita em interacção. É nesta linha que Baxter-Magolda destaca a necessidade de valorizar a componente relacional da construção do conhecimento. Por outro lado, importa referir que existem mudanças graduais e progressivas em termos de raciocínio, assumindo-se o conhecimento como um processo de construção de significados que implica incerteza. Sobre este assunto, Bastos (1998) defende que “aprender a lidar com as margens de incerteza e assumir a responsabilidade das decisões tomadas parece fazer parte de uma progressiva tarefa de desenvolvimento e de aprendizagem” (p. 131).

Para Ferreira e Ferreira (2001), Baxter-Magolda demonstrou o desaparecimento de formas menos elaboradas de conhecimento, que davam lugar a formas mais complexas. Trata-se de uma sequência comum aos modelos cognitivos a que nos referimos, nos quais formas mais complexas substituem abordagens mais simples face ao mundo do conhecimento.