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Ensino Superior

Capítulo 2 – Compreender a Aprendizagem dos Estudantes do Ensino

2. Como Aprendem os Estudantes: Relações entre os Conceitos de Abordagens ao Estudo e Concepções de Aprendizagem

2.2. O Modelo 3P de Biggs

As investigações de Biggs sobre os processos desenvolvidos pelos alunos na sua aprendizagem, inscrevem-se, à semelhança das de Entwistle, no quadro do referencial sistémico10, que se apresenta como um marco teórico mais abrangente, holístico e globalizante do que a perspectiva fenomenográfica. Encontramo-nos no âmbito da perspectiva SAL – Students Approaches to Learning.

Este paradigma assume-se como uma das bases teóricas de excelência para o estudo da aprendizagem dos estudantes, concebendo as abordagens na sua natureza multidimensional, ao incluir aspectos relativos a motivos e a estratégias. Nesta perspectiva, a aprendizagem só teria significado se contextualizada e relacionada com as intenções dos estudantes e com o contexto de ensino-aprendizagem existente, bem como com a qualidade dos objectivos de aprendizagem (Biggs, 1993b).

Fundamentalmente, o modelo centra-se nas opiniões dos estudantes sobre os processos que utilizam na sua aprendizagem, utilizando para tal alguns instrumentos. Falamos do Approaches to Study Inventory (ASI) e do Study Process Questionnaire (SPQ), destinados a avaliar, especificamente, as abordagens à aprendizagem dos estudantes do ensino superior.

É comum, no quadro da SAL, referir as abordagens à aprendizagem como sendo relacionais (Marton, 1988; Ramsden, 1987), na medida em que uma determinada abordagem não constitui algo inerente ao sujeito, mas sim a forma de descrever como o estudante se relaciona com uma tarefa. Neste sentido, importa ter em consideração em que consiste a tarefa, de que forma é apresentada, como vai ser avaliada, entre outros aspectos igualmente relevantes.

Biggs chama aqui a atenção para o confronto deste modelo com a perspectiva dos constructos avaliados por questionários que derivam da teoria do processamento da informação. Se, por um lado, na perspectiva SAL, as abordagens são bottom-up e incluem aspectos motivacionais e afectivos, em que a ênfase é colocada na motivação e no contexto – este último percebido pelos estudantes como importantes na determinação da forma como aprendem; a teoria do processamento da informação distingue os aspectos cognitivos dos afectivos e as abordagens assumem-se como top-down – provenientes, portanto, da teoria pré-existente.

A perspectiva SAL resulta de considerações sobre as bases do currículo (conceito de “alinhamento construtivo”11 de Biggs e do ensinar para compreender), das abordagens à aprendizagem e ao estudo, bem como do envolvimento do estudante, do

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Este conceito foi introduzido por Biggs (1999a), apelando aos professores para pensarem criticamente sobre a organização das suas aulas. Incluem-se os objectivos (desenhados para um grupo particular de estudantes), o ensino, os materiais e o suporte dos pares, bem como os procedimentos de avaliação. O princípio do alinhamento remete especificamente para o ensino e para a avaliação. O termo “construtivo” foi usado para sugerir a importância dos objectivos centrados explicitamente na aprendizagem de alta qualidade e na compreensão a um nível profundo, o que implica uma abordagem construtivista ao ensino.

ambiente geral de ensino-aprendizagem e das percepções do mesmo por parte dos estudantes. São também considerados os objectivos de aprendizagem enquanto expressões do discurso académico (Entwistle, McCune & Hounsell, 2002).

No entender de Biggs (1993b), pelo contrário, as aplicações da psicologia cognitiva enfatizavam em excesso a narrativa dos processos de estudo, como se os mesmos ocorressem num vazio. Na verdade, o ambiente de aprendizagem tem efeitos profundos no estudo e importa encontrar uma fundamentação que inclua os aspectos contextuais. O modelo 3P (Presságio, Processo e Produto da aprendizagem – componentes fundamentais do sistema) tem essa intenção. Para o autor, sendo as abordagens à aprendizagem consideradas como uma parte do sistema de ensino- aprendizagem, importa considerá-las como um todo.

Biggs acabou por desenvolver o seu próprio sistema de classificação, com base em quatro perspectivas distintas: teorias da personalidade, teorias do processamento da informação (Schmeck, Ribich, F. & Ramanaiah, 197712; Weinstein, Schulte & Palmer, 1987), fenomenografia (Marton & Säljö, 1976a, 1976b) e teorias sistémicas (Biggs, 1994a, 1994b; Entwistle & Ramsden, 1983). O modelo de ensino e aprendizagem 3P (Biggs 1993a) assume-se como uma tentativa de representar este sistema, funcionando não só como um movimento linear, mas também permitindo interacções entre componentes – o resultado é um sistema integrado em equilíbrio.

Baseando-se nos trabalhos de Dunkin e Biddle (1974), Biggs apresenta este modelo teórico, que se assume como uma forma conveniente de conceber as relações entre o estudante, o professor, os processos e os objectivos de aprendizagem.

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De acordo com Schmeck e colaboradores (1977), o modelo de processamento da informação tem na base a assunção de que “o estilo de aprendizagem avaliado a partir de uma orientação comportamento-

No modelo são descritos três aspectos relativos aos factores do ensino: presságio (antes do ensino ocorrer), processo (durante o ensino) e produto (o objectivo do ensino). Na verdade, a crença parece ser na aprendizagem e não no ensino e, tratando-se de um sistema interactivo, todas as componentes se afectam umas às outras (Biggs, 2001).

Passemos à descrição detalhada do modelo, que se apresenta na Figura 2.

Figura 2 – O modelo 3P de ensino e aprendizagem

PRESSÁGIO PROCESSO PRODUTO

______________ ______________ ______________ A: FACTORES DO ESTUDANTE capacidades, estilos conhecimento prévio motivação orientações para a aprendizagem B: CONTEXTO DE ENSINO curriculum ensino, avaliação clima procedimentos institucionais C: ACTIVIDADES DE APRENDIZAGEM apropriadas/profundas inapropriadas/superficiais D: OBJECTIVOS DE APRENDIZAGEM quantitativos: factos, capacidades qualitativos: estrutura, transferência afectivos: motivacionais

Fonte: Retirado de Biggs (2001, p. 87).

Os factores de presságio incluem características do estudante e aspectos do contexto de ensino. No que diz respeito ao estudante, refiram-se o conhecimento anterior sobre o tópico em estudo, o interesse, a capacidade e o compromisso com a universidade. Biggs (2001) distingue aqui factores que não são facilmente modificáveis

através do ensino (como por exemplo capacidades, estilos cognitivos, de aprendizagem e de pensamento), de factores relativamente flexíveis (motivação e orientações para a aprendizagem).

Relativamente ao contexto de ensino, são de referir concepções de ensino e de aprendizagem, estilos e métodos de ensino, organização curricular (finalidades e objectivos), dificuldade nas tarefas, procedimentos de avaliação (tarefas e contextos), tempo disponível, gestão da turma, recursos materiais, competências do professor, clima de sala de aula e da instituição.

Se reflectirmos um pouco sobre as influências recíprocas, percebemos que os estudantes com poucos conhecimentos prévios dificilmente conseguirão adoptar uma abordagem profunda, ainda que o professor mostre alguma mestria. Pelo contrário, um estudante que já domine uma série de tópicos e seja interessado, facilmente adopta uma abordagem desta natureza, mas dificilmente a utiliza se sentir, por exemplo, a pressão do tempo.

Os factores de processo resultam, assim, da interacção entre os factores de presságio do estudante e do ensino, e remetem para a forma como aquele lida com as tarefas de aprendizagem – adoptando abordagens profundas, superficiais ou de realização/alto rendimento. Em resultado das percepções que os estudantes fazem do contexto e dos seus próprios objectivos, dos sentimentos de auto-eficácia e dos seus atributos, podem envolver-se numa tarefa utilizando actividades de aprendizagem apropriadas (profundas), ou inapropriadas (superficiais). A adequação é definida em termos dos objectivos curriculares e dos objectivos pessoais dos estudantes, ambos a longo prazo e/ou imediatos. De referir que a abordagem de realização/alto rendimento remete para a excelência em actividades organizadas, comportamentos de procura e de

identificação desta abordagem à aprendizagem, resultante da influência do sistema de avaliação no processo de estudo – trata-se da Abordagem Estratégica, definida por Ramsden (1987) – cujas características remetem para a conjugação de recursos, condições, motivos e estratégias; o objectivo é atingir melhores resultados e desempenhos académicos.

Os factores de produto referem-se aos resultados obtidos, os quais podem assumir-se como estruturas complexas, atribuições de sucesso e de insucesso, sentimentos de eficácia, entre outros. Todos estes resultados podem proporcionar reacções ao nível dos factores de presságio, quer dos estudantes, quer dos professores. De acordo com Dart e colaboradores (2000), este aspecto remete para os objectivos de aprendizagem, grandemente determinados pelas abordagens à aprendizagem. Os objectivos podem ser categorizados quantitativamente (quanto é aprendido), qualitativamente (quão bem é aprendido) e institucionalmente.

Para Biggs (2001) as abordagens à aprendizagem podem funcionar como indicadores de qualidade aos três níveis: ao nível do presságio, quando os estudantes desenvolvem orientações apropriadas ao contexto, aprendendo o que funciona e o que não funciona para cada situação de ensino; ao nível do processo, se os estudantes se envolvem nas tarefas utilizando abordagens profundas ou superficiais; e enquanto produto de um episódio de aprendizagem, quando um ensino de má qualidade induz uma abordagem superficial e um ensino eficaz uma abordagem profunda.

As abordagens indicam quando o sistema está a funcionar (sempre que as orientações, os processos e os resultados são predominantemente profundos) e quando não está operacional (quando as orientações, os processos e os resultados são maioritariamente superficiais). A chave para esta questão pode ser encontrada, de acordo com Biggs, ao nível dos factores de processo, sempre que a actividade de

aprendizagem produza (ou não) os resultados desejáveis. Sobre este assunto, Shuell (1986) escrevia: “Se os estudantes devem aprender objectivos desejáveis de uma forma razoavelmente eficaz, então a tarefa fundamental do professor é conseguir que se ocupem de actividades de aprendizagem que permitam a realização desses objectivos. Importa recordar que aquilo que o estudante faz é mais importante do que aquilo que o professor faz” (p. 429).

Nesta afirmação é visível o que Biggs (1999a, 1999b) designou de “modelo de ensino alinhado”13 que proporciona um entendimento das abordagens em termos das actividades de aprendizagem que queremos que os estudantes utilizem. Sobre este assunto, Biggs (2001) propõe algumas actividades genéricas, expressas em acções (verbos), que vão desde um nível cognitivo básico (memorização, identificação), a um nível mais complexo (aplicar a diferentes domínios, reflectir), passando por um nível intermédio (compreender ideias principais, relacionar). A figura que se segue exemplifica algumas dessas actividades, nas suas relações com o nível de desenvolvimento cognitivo que a sua execução exige.

Figura 3 – Abordagens à aprendizagem e nível cognitivo das actividades de aprendizagem

NÍVEL COGNITIVO ABORDAGENS ENSINO

Profunda Superficial

verbos Intenções: compreender “passar”/”desenvencilhar-se” o desafio: reflectir

aplicar: problemas distantes formular hipóteses

relacionar com princípios aplicar: problemas próximos explicar

argumentar relacionar

compreender ideias principais descrever enumerar parafrasear compreender frases identificar, nomear memorizar ausência de actividades de alto nível ________

ensinar para suportar actividades que

faltam

________

Fonte: Adaptado de Biggs (2001, p. 89)

Enquanto Schmeck baseava os seus trabalhos nas teorias do processamento da informação, Marton e colaboradores integraram uma linha de investigação que se fundamenta na abordagem fenomenográfica. Entwistle e Ramsden, à semelhança de Biggs, debruçaram-se em análises mais qualitativas referentes às descrições que os próprios estudantes fazem dos seus processos de estudo” – perspectiva SAL (Students Approaches to Learning) (Entwistle, 1988a, p. 258). Passemos à análise dos contributos do Grupo de Lancaster.