• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 – CRÍTICA ÀS TEORIAS QUE NEGAM A INTELIGIBILIDADE DA

4.2 Análise da crítica de Putnam

Em sua palestra sobre “causalidade mental”, Putnam inicia seu argumento relativo aos atuais debates na filosofia da mente, apresentando sua discordância com os trabalhos de Jaegwon Kim, acerca do termo “autômato”, mas para contextualizar inicialmente o problema, ele cita William James (p.2):

“(...) Imaginei aquilo a que chamei uma ‘namorada automática’, querendo com isso significar um corpo sem alma que fosse absolutamente indistinguível de uma moça espiritualmente animada, que risse, falasse, corasse, cuidasse de nós e desempenhasse todas as tarefas femininas com tanto tato e doçura como se tivesse uma alma. Será que alguém a consideraria como uma igual relativamente a qualquer moça propriamente dita? Certamente que não”.

Tal apresentação do problema do autômato serve para indicar a questão acerca da possibilidade de haver leis psicofísicas para legitimar o mental (posição de Kim) ou então de não haver leis psicofísicas, posição defendida por Davidson que apresenta um materialismo similar à teoria da identidade. Davidson argumenta que cada acontecimento mental individual é idêntico a um acontecimento físico individual, não havendo, portanto a possibilidade de se construir leis psicofísicas propriamente ditas (posição que discutiremos também no próximo capítulo ao apresentar a teoria da superveniência de Chalmers). Mas o que se destaca aqui, é que Kim vai defender que propriedades mentais poderão ter eficácia causal genuína, enquanto

19

“Causalidade mental” (www.fh.ufsc.br/~wfil/putnam2.htm). Ver também (“correlação mente-corpo?”

que Davidson vai discordar, e Putnam vai apresentar uma defesa de Davidson20 (para quem não há leis de regularidade mental, pois todas as leis seriam físicas).

A seguir, Putnam vai apresentar o problema não resolvido da ontologia mental, pois: “Acerca do monismo anômalo (de Davidson) a minha posição é a de que os

acontecimentos mentais não são nem idênticos nem não-idênticos aos acontecimentos físicos; não creio que tenha aqui sido dado um sentido à noção de identidade” (p.3).

E vai também apresentar a teoria de Kim (embora discorde dela) como uma palco interessante para analisar alguns dos problemas centrais da filosofia da mente.

Kim vai atacar a teoria de Davidson, argumentando acerca do problema do autônomo (historicamente citado por James). Se pudermos imaginar um mundo similar ao nosso em todos os sentidos, menos na existência de eventos mentais, os eventos mentais seriam então meros epifenômenos. Se neste mundo (lógico-hipotético), todas as propriedades de um ser humano forem apresentadas com eficácia, mas sem nenhuma propriedade mental, então não faria sentido admitir a causalidade mental (assim o faz Davidson). Kim argumenta que se nossas propriedades mentais fossem reduzíveis as propriedades físicas, Davidson poderia estar certo, mas a redução (incluindo uma superveniência forte) exige leis psicofísicas, que são eliminadas por Davidson. Kim aponta o seguinte dilema: se Davidson estiver errado, então haveria leis psicofísicas, mas se ele estiver correto, as propriedades mentais seriam meros epifenômenos. A filosofia da mente estaria então na encruzilhada entre o epifenomenalismo ou o reducionismo?

Fundamentalmente, o argumento contra factual de Kim vai colocar a condição de autônomo como alternativa a não causalidade mental. Putnam vai atacar tal argumentação, questionando a noção de causalidade mental. Mas ele o faz comentando inicialmente que há vários tipos de causas (muito além da doutrina das quatro causas aristotélica). Quando alguém pergunta por que esta correndo água numa banheira, a resposta poderia ser: “Decidi tomar banho”. A decisão (um acontecimento mental) poderia então ser a resposta ao por quê? Ou seja, o acontecimento mental poderia ser a causa de um evento físico no mundo? Putnam argumenta na página 5:

20

A defesa que Putnam faz de Davidson é parcial, pois ele mesmo indica contra exemplos que Anscombe apresenta contra Davidson, no sentido de que nem todas as asserções causais singulares verdadeiras têm de ser suportadas por uma lei estrita (que para Davidson seria sempre uma lei física).

“Segue-se então que as nossas propriedades mentais têm, de algum modo, de ser redutíveis a propriedades físicas? Antes de tentarmos desfazer este nó, analisemos primeiro a questão de saber como poderíamos tornar inócua a contra factual de Kim. Bom, não queremos limitar-nos a aceitar, como possibilidade completamente inteligível, que algumas pessoas possam não ter quaisquer propriedades mentais e que todas as suas propriedades físicas e os seus ambientes físicos possam ser os mesmos que seriam se elas as tivessem, ao mesmo tempo que defendemos que a conseqüente da condicional de Kim (‘os mesmos acontecimentos físicos ocorreriam) é falsa ”.

Para Putnam, o não-autômato é que não é credível. O não-autômato seria exatamente o que Descartes teorizava em seu dualismo de substância, e que se a mente por algum motivo desaparecesse, o corpo não seria mais o mesmo, pois ficaria diferente. Putnam apresenta assim uma forte crítica às terias interacionistas em filosofia da mente, afirmando não serem teorias inteligíveis. O interacionismo é uma conseqüência lógica de um dualismo, e já foi criticado por Russell (se o interacionismo estiver correto, então meu corpo teria uma trajetória diferente que as leis da física preveriam para ele), bem como evitado por Descartes, para quem, embora a mente pudesse alterar a direção do movimento do corpo agindo sobre o corpo através da glândula pineal (ou então do córtex motor e córtex somato-sensorial), a mente não poderia alterar a quantidade total (escalar) de movimento. Putnam pretende finalizar a questão com o argumento seguinte:

“Assim, se o interacionismo for verdadeiro, algumas leis físicas da conservação de energia serão violadas quando seres humanos agem com base em decisões ou outros pensamentos. Em resumo, o “interacionismo’ implica que o modo como os corpos humanos se comportam viola as leis físicas. Visto que não há o menor indício de que isto seja verdade 21 somos obrigados a rejeitar o interacionismo do mesmo modo que rejeitamos o vitalismo e outras teorias desatualizadas que postulam que vários fenômenos (a vida era um exemplo popular no século XIX) são exceções ás leis da física” (P. 6).

21

Nas primeiras partes do próximo capítulo vamos exatamente questionar essa visão de leis físicas. O conceito lógico e formal de “informação” e suas propriedades anti-entrópicas associado ao conceito lógico e formal de “evolução” e suas propriedades aglutinadoras de complexidade adaptativa podem fornecer outros critérios de verdade acerca da questão sobre a conservação de energia física. Desta forma o físico-material forma a base ontológica do universo em que vivemos, mas suas dinâmicas fizeram surgir propriedades vivas (replicante e auto-orientado), mas estas são (segundo nossa teoria), irredutíveis a explicações causais unicamente físicas, da mesma forma que a cognição é entendida como vinculada à evolução dos organismos vivos (principalmente do sistema nervoso e cérebro), mas que também apresenta propriedades irredutíveis ao seu nível constituinte primário. A mesma resposta que foi apresentada à Bennett e Hacker pode ser apresentada aqui. Putnam esta se orientado por significados lingüísticos de realidade formados por uma física clássica. Nesse sentido, faz “sentido” que conceitos como superveniência (por exemplo, de leis psicofísicas), não parecem ter sentido para Putnam. Isto está intimamente relacionado com o que Putnam define como inteligível ou ininteligível e sua noção de significado.

O fisicalismo reducionista, o behaviorismo lógico e o verificacionismo são, para Putnam, pontos de vistas filosóficos, onde a conceitos como “mente” e seu correlato lógico “autômatos” (conseqüência de uma não-mente), não acrescentam nenhum significado esclarecedor, sendo em si mesmos, termos confusos ou sem significados. Para os behavioristas lógicos tais termos seriam uma autocontradição (nem toda proposição com significado é verificável, mas em princípio as proposições sobre o mental são logicamente equivalentes às proposições comportamentais e, portanto uma comparação lógica entre um mundo com e sem propriedades mentais seria auto-contraditório). Para os verificacionistas seriam ininteligíveis (seria impossível verificar diferenças entre pessoas que possuem mente e autômatos sem mente que se comportem como seres mentais). Para os fisicalistas reducionistas seriam impossibilidades metafísicas (não há causalidade mental, pois os estados mentais seriam no mínimo epifenômenos). Ou seja, autômatos e não autômatos não são conceitos válidos.

Como coloca Putnam, o ponto de vista de Davidson (que não é um behaviorista lógico, nem um verificacionista, mas que compartilha de algumas de suas posições) indica uma única função do mental: racionalizar comportamentos humanos22. Por isso não poderia haver leis psicofísicas. Mas para Kim, propriedades mentais são propriedades físicas (acrescidos de propriedades supervenientes) sendo, portanto fenômenos causais legítimos e não meros epifenômenos materiais. Para a análise de Kim haveria duas possibilidades lógicas para as propriedades mentais: ou seriam propriedades físicas disfarçadas (ou complexas) ou então seriam epifenômenos.

Putnam vai assumir a perspectiva filosófica wittgensteiniana desse ponto em diante, até o final de sua conferencia sobre causalidade mental, apresentando uma crítica à categoria lógica de “autômatos23”. Para tal ele entra no problema do significado:

22

Mas na página seguinte, Putnam vai chamar Davidson de “psico verificacionista” e afirma que não compartilha de sua posição em relação à única finalidade do discurso sobre o mental, implícito em uma metafísica materialista da mente.

23

Putnam faz uma comparação da inteligibilidade desses termos com os termos de uma história infantil onde carruagens se transformam em abóboras. Mas sob as mesmas condições de análise o termo “Brasil”, por exemplo, também não estaria privado de uma uma inteligibilidade científica? A “sensibilidade ao contexto” citado logo a seguir por Putnam, não poderia atribuir significado inteligível a uma proposição que fala da transformação de carruagens em abóboras?

“Aquilo para que quero chamar a atenção, agora e na próxima conferencia, é para a maneira como diferentes imagens filosóficas acerca do funcionamento da linguagem e do que são os significados (ou melhor, acerca daquilo em que consiste o conhecimento dos significados) afetam as nossas atitudes em relação à esmagadora maioria24 dos debates filosóficos” (p.10).

Dentro desse debate filosófico do significado, Putnam vai apresentar duas teorias semânticas, referidas no texto de Charles Travis (em “O uso do senso”, 1993): uma teoria semântica da elocução numa língua natural (defendida por Grice e Tarski) e uma teoria semântica sensível à ocasião da fala. Essa segunda concepção (defendida por Wittgenstein e Austin) não nega que as palavras tenham significados. Aquilo que ela nega é que o significado (ou o conhecimento em questão) determine completamente o que é dito (o conteúdo) de uma frase em uma asserção. O que está realmente em jogo aqui, em relação a estas duas teorias do significado, é que o significado sintático padrão pode ser diferente do significado contextual (Uma saca de açúcar pesa 1 kg? Depende se a pergunta é feita no mercado ou no laboratório, pois a semântica é sempre uma aproximação).

Quanto a esta “sensibilidade ao contexto”, Putnam firma, na p. 12:

“Para determinar o que esta a ser dito com ‘Há muito café em cima da mesa’ ou ‘A árvore agora tem folhas verdes’ num contexto específico, é necessário conhecer o ‘significado25 das palavras’, as restrições implícitas sobre o que pode e o que não pode ser dito usando aquelas palavras, e também usar o bom senso, de maneira a perceber o que o que esta a ser dito no contexto dado; e como Kant disse há muito tempo (embora não nesses termos), não há regras recursivas para o bom senso (pelo menos regras que possamos formular!). Como Cavell defende amplamente em The Claim of Reason, a nossa ‘adesão’ a um uso novo, o nosso sentido partilhado do que é e do que não é uma projeção natural dos nossos usos anteriores de uma palavra num contexto novo está sempre presente e é essencial á própria possibilidade de linguagem, sem que seja algo que possa ser captado por um sistema de ‘regras’”.

24

São as teorias externalistas a que ele se refere como constituindo a maior parte do debates acerca do significado. Talvez isso se deva a um tempo muito maior de disseminação das teorias externalista (formal e lingüística) quando comparada com teorias internalistas. Simplesmente considerar a opinião de uma maioria sobre a veracidade de alguma questão é um erro epistêmico, que deve se fundamentar em análises lógicas e formais, bem como por análises experimentais críticas.

25

“Há muito café em cima da mesa” pode significar que a mesa esta pronta para tomarmos café, ou que o café foi derrubado sobre a mesa. “A árvore agora tem folhas verdes pode significar uma árvore de metal que teve suas folhas pintadas de verde.

Assim sendo, a proposição de Kim acerca da prova lógica dos autômatos (em algum mundo possível) seria sem sentido (“O problema da antecedente de Kim não está nas

próprias palavras, está em que nós não sabemos o que Kim está a fazer com elas”. P.14) E

desta forma, vai buscar em Wittgenstein (Last Writings, § 93 -§ 101, em especial o § 96) uma análise de condições lógicas que possibilitassem inteligibilidade para o termo “sem-alma” (equivalente de autômato). Em uma situação de dominação cultural de uma civilização sobre outra (que ocorreu historicamente após as grandes descobertas marítimas) é comum usar-se termos como “sem-alma” para desvalorizar as pessoas da civilização dominada. Mas encontrar um sentido lógico pra termos como “sem-alma” não quer dizer que estes termos sejam adequados em contexto científico, pois segundo esse raciocínio, não pode haver homens com e homens sem alma. Tais termos tem significado como uma forma de propaganda e não como uma descrição adequada de um fenômeno. O conceito de um homem sem alma é sem sentido (como autômatos poderiam apresentar a inteligibilidade necessária para confundir-se com os seres com alma?).

Putnam encerra sua análise argumentando que pode haver contextos em que termos como “sem alma” possam ter conteúdo perfeitamente claro. Mas tal conteúdo é irrelevante para as discussões sobre causalidade mental. Será mesmo? O conteúdo mental não tem valor causal? O significado não pode ser um fenômeno causal em relação ao mundo físico? E se assim for, as ditas leis psicofísicas seriam também leis do significado? Ao atribuir função significadora a uma “sensibilidade ao ambiente”, (um “padrão de discriminação”) Putnam e Wittgenstein não estão de certa forma tentando solucionar o problema do formalismo lingüístico (acerca do mental) naturalizando o significado em alguma forma de vínculo com o ambiente? E assim sendo tal estratégia é incompatível com mecanismos internalistas e inatistas, como em Chomsky? O “internalismo” e o “externalismo” são mutuamente excludentes, ou será que para realizar o vinculo de significação externalista, alguns mecanismos internos dever fazer uso de suas funções, que por sua vez só podem ter se originado de relações com o meio?

E usando o argumento de Kim, se pudermos imaginar um mundo com pessoas sem mente, o que isso significaria? Wittgenstein definiu-a como “sem alma”, e nós poderíamos definir também como “sem-experiência”, e nesse sentido, pode haver pessoas que tivessem todas as propriedades de um humano normal, mas não tivesse experiência subjetiva? Tal experiência é apenas fenomênica, como sugere Davidson? Ou tem poder causal legítimo, fundamentado em leis psicofísicas, como sugere Kim? A tentativa de desclassificação

semântica dos termos usados pelos argumentos mentais é uma estratégia antiga na filosofia analítica da linguagem (e sua tese do equivoco lingüístico em relação aos termos mentais). Mas o que temos a acrescentar a este debate é que os experimentos críticos sobre processos neurocognitivos atualmente estão bem mais fundamentados que há algumas décadas (a falam sobre processos cognitivos pré-lingüísticos). Mas isto nos permite estabelecer leis psicofísicas legítimas?

Por exemplo, no experimento de visão as cegas (Weiskrantz, 1986). Um paciente neurologicamente lesionado em V1 (área visual primária) do hemisfério esquerdo pode apresentar resultados positivos em testes perceptivos acerca do campo visual cego (contra lateral à lesão) e ainda assim não relatar qualquer experiência consciente. Ou seja, experiência e comportamento perceptivo não parece ser a mesma coisa, e tal proposição se fundamenta em evidências experimentais sólidas e capazes de reestruturar conceitos sobre os termos envolvidos (percepção e consciência). Não queremos dizer que a questão da causalidade mental esta resolvida, mas também não queremos dizer (como Putnam parece estar querendo demonstrar), que a causalidade mental é um equivoco lingüístico. Se em um mundo possível, retirássemos as propriedades fenomenológicas da experiência consciente, esse mundo seria realmente igual ao nosso em todos os sentidos? Nada estaria realmente faltando? Parece-me pouco provável.

Cabe agora apresentar uma defesa prévia de um sistema de níveis ontológicos (definido por epistemologias distintas), mas integrados em um sentido mais amplo pelo uso conceitual e formal dos termos amplos como “informação” e “evolução”. Vamos começar pelo seu primeiro aspecto mais elementar (o ponto zero de uma escala hierárquica de mecanismos cognitivos capazes de produzir estados de intencionalidade). E dentro dessa lógica argumentativa, vamos desenvolver o conceito de “evolução da informação”, partindo dos seus padrões elementares de estímulos ambientais até as representações auto-organizadas que formam a independência do significado da consciência.