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CAPÍTULO 5 – CONDIÇÃO PRIMEIRA: UM MUNDO COM PROPRIEDADES

5.1 Physis e Logos

Nosso conhecimento atual de física (tanto experimental quanto teórica e matemática), neste inicio de século XXI, tem se deparado com alguns problemas conceituais fundamentais, relativos à ontologia da matéria, muito similares aos problemas filosóficos ancestrais encontrados pelos primeiros filósofos do século VI a.C. Há mais de 2.600 anos, Tales da colônia grega de Mileto (Ásia) em sua busca conceitual de um fundamento naturalístico para os fenômenos misteriosos do mundo (não mais aceitando as explicações mitológicas predominantes da época) vai tentar explicar o mundo pelo mundo (sem apelar para o “além do mundo”). Vemos na filosofia de Tales (resgatada historicamente por Aristóteles, ainda na antiguidade clássica) uma linha de raciocínio interagindo (operacionalizando) conceitos básicos e substanciais como physis (mundo natural) com conceitos relacionais (elaborados pelo uso da razão) como o de “causalidade” e o de “regressividade temporal”, o que levou a uma a necessidade lógica de definir um elemento primordial, uma causa primeira, ou uma concepção primitiva da necessidade de definição ontológica e metafísica relacionada ao mundo26 (e não uma metafísica mitológica e isolada do mundo, em alguma dimensão imaterial).

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Só a título de curiosidade é interessante notar que a cosmologia na Grécia clássica era constituída de quatro elementos fundamentais (água, terra, ar e fogo) ou então, como para Empédocles, uma mistura desses elementos formavam todos os seres. A física moderna (desde os tempos iniciais da mecânica quântica e da física

Nesta cosmologia filosófica primitiva dois conceitos foram fundamentais: “cosmos” e “logos”. O cosmos é um conceito referente à organização do universo (realidade em seus termos mais amplos) que se opõe ao caos (também presente num universo original, bem como no atual universo27). O cosmos é uma ordem natural (interpretada na antiguidade de modo realisticamente objetiva), mas também apresenta uma ordem racional, interpretada como conhecimento assimilável tanto como cognição (estados mentais ou processo cognitivo que geram a experiência, para os empiristas) quanto cognoscível (conteúdo mental ou significado intencional, que gera o conhecimento, para os racionalistas). Sem dúvida, algumas questões referentes ao objeto (racionalismo) e ao sujeito (empirismo) vão marcar as discussões filosóficas nesta época clássica.

Mas é justamente neste contexto de debate conceitual que Heráclito (da colônia grega de Éfeso, também na Ásia) vai utilizar o termo “logos” para apresentar um discurso coerente com a razão em oposição ao fundamento mitológico (absurdo ou não racional) do discurso. O logos é uma explicação racional (justificável) em termos a natureza do cosmos. Para Heráclito essa racionalidade seria definida em termos de dinâmica, ou de dialética (como afirmou mais tarde Hegel) e seria fundamentalmente fluída e singular e derivada da experiência.

A história da filosofia mostra que Parmênides (que exerceu forte influencia pós-socrática sobre Platão, após a morte de seu mestre Sócrates) tinha uma concepção muito diferente de verdade sobre o mundo, remetendo a realidade a dois mundos naturais, onde a racionalidade28 (ou o mundo das idéias) se sobressaia em relação à experiência (ou o mundo sensorial) numa hierarquia epistêmica de validades conceituais.

relativística), também entende que o universo é formado por quatro forças primordiais: o eletromagnetismo, a força nuclear fraca e a força nuclear forte (explicada pelo modelo padrão da mecânica quântica) e a força da gravidade (explicada pela teoria da relatividade geral de Einstein). É no mínimo curioso e divertido perceber que mais uma intuição dos antigos gregos se mostrou equiparável (guardadas as devidas diferenças é claro) com descobertas recentes, pelo menos no que se refere ao número de forças primordiais.

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A terceira lei da termodinâmica, a entropia (desorganização informativa em termos termodinâmicos) sempre crescente do universo é um exemplo dessa tendência ao caos em nosso universo atual. A auto-organização dos sistemas vivos e depois uma auto-organização de segunda ordem (os sistemas cognitivos) vão exemplificar os princípios anti entrópicos da teoria da informação de Shannon.

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É interessante notar como algumas teorias clássicas se mostraram objetivamente verdadeiras até hoje (apesar de já terem sido questionadas em outras épocas) sendo resultado de investigações fundamentalmente conceituais: o cérebro como base da alma (Hipócrates), o mundo heliocêntrico, e a circularidade da terra (escola helenística de Alexandria), o núcleo atômico da matéria (Demócrito) entre outras. A racionalidade grega produziu “verdades” conceituais e lógicas que só foram verificados empiricamente muitos séculos depois.

Não podemos nos iludir e achar que tais problemas clássicos sobre a natureza do mundo físico (e sua relação com o mental e o conhecimento) estão resolvidos, quando na verdade ainda estão sendo alvo de muitas discussões. Um exemplo de problemas perenes no campo psicológico seria o debate entre realismos e anti-realismos entre as teorias atuais fundamentadas nos estudos da mente, expresso no debate entre Searle e Dennett, por exemplo. Algo similar pode ser dito acerca das ciências do mundo: a realidade pode ser probabilística em todos os seus níveis? O relativismo de Einstein é equacionável ao indeterminismo quântico? Não temos certeza epistêmica (nem ontológica e muito menos metafísica) sobre os fundamentos materiais do mundo, nem sobre os fundamentos subjetivos da mente e do conhecimento. E esse problema se eterniza justamente por falta de uma ontologia e uma metafísica que se integrem junto com os termos utilizados em sua análise epistêmica, e que dê garantias válidas de legitimidade aos seus termos básicos e termos derivados.

Sempre haverá uma possibilidade oposta, cética e questionadora de uma possível integração meta - conceitual entre teorias diferentes, justamente porque são diferentes. As relações interdisciplinares (suas fronteiras) são tênues e pouco conhecidas e sujeitas à indeterminação. O desconhecido reduz as possibilidades probabilísticas. O ceticismo é mais que uma teoria anti teórica, é uma atitude epistêmica de dúvida metodológica, plenamente justificável nesse contexto de incertezas. Cabe a nós confirmar essa justificação ou tentar refutá-la.

Vamos tentar demonstrar que tais conceitos filosóficos pré-clássicos têm sua repercussão ainda nos dia atuais (e em nossa ciência do mundo) através da análise comparativa dos termos “cosmos” e de “logos” com base para a interpretação de textos atuais que tratam do mesmo problema, (ou pelo menos ‘algo’ bem parecido) como no artigo de Jacob Bekenstein (2003) acerca da possibilidade holográfica e informativa de um universo quântico relativístico e ao mesmo tempo objetivamente realístico (bem como do artigo de Jolie (2002), sobre a teoria da “supersimetria” da física moderna). Vamos comparar estes artigos de física teórica com outros dois artigos de filosofia da mente de autoria de D. Chalmers (1996 e 2005) onde ele analisa o problema da consciência em termos funcionais (fáceis) e ontológicos (difíceis), propondo uma possibilidade de princípios psicofísicos na relação mente-mundo (1996), e onde ele propõe a necessidade de uma revisão dos fundamentos do conhecimento físico do mundo (2005) para incluir o conceito de informação como parte estruturante da matéria e energia no espaço tempo, naturalizando a consciência de

modo definitivo. Finalizaremos este capítulo com uma análise dos princípios antrópicos de Gomes (2007) sobre o lugar do conhecimento em um universo físico.

Mas afinal, que tipo de ligação pode haver entre mundo e mente? Como pretende Chalmers estabelecer um diálogo conceitual em condições de igualdade proporcional (mutua causalidade) entre ciências do mundo (física) e ciências da mente (psicologia)? Como a superveniência de Chalmers entende a questão causal mental? O emergencialismo funcionalista de Chalmers pode realmente colocar a experiência como fator causal sobre o sistema físico que lhe dá origem, ou será fisicamente epifenomênica? Será possível equalizar termos com propriedades tão diferentes? Os princípios antrópicos de Gomes podem justificar essa ligação entre mente e mundo?