• Nenhum resultado encontrado

linguística e cultural – uma proposta de inserção curricular Cláudia Marques | Agrupamento de Escolas de Arouca

4. Análise e discussão dos resultados

Dada a natureza do nosso estudo, privilegiámos como técnica de análise de dados a análise de conteúdo, entendendo-a como um conjunto de técnicas de análise das comunicações que, através de procedimentos objectivos e sistemáticos de descrição dos conteúdos das mensagens, procura obter indicadores que permitam a inferência de conhecimentos (Bardin, 2005).   Figura 2 – Esquema caracterizador do programa de intervenção (Marques, 2010: 112)

Analisámos as entrevistas realizadas aos alunos e à professora antes da implementação do programa e no seu final, de modo a construir conhecimento sobre o objecto de estudo.

Entendemos também que seria importante a análise da interacção não-verbal, uma vez que “a comunicação não verbal inclui as expressões faciais, os olhares, as expressões e posturas corporais, a comunicação táctil, a expressão das emoções e sentimentos, bem como a compreensão dos símbolos e dos signos, constituindo-se com das mais ricas fontes de conhecimento do Outro” (Sá, 2007: 128). Assim, e de forma a analisar os dados provenientes da comunicação não-verbal, recolhidos através da videogravação das sessões, recorremos à escala The Leuven Involvement

Scale for Young Children (LISYC), composta por cinco níveis: 1 – ausência de

actividade; 2 – actividade frequentemente interrompida; 3 – actividade mais ou menos contínua; 4 – actividade com momentos muito intensos; 5 – actividade muito intensa (Laevers, 1994).

A organização do conteúdo informativo envolveu a construção de dois sistemas de categorias diferentes, um para a professora da turma e outro para os alunos. O sistema de categorias para o tratamento das representações dos alunos face à diversidade linguística e cultural comporta seis grandes categorias: imagens das línguas, atitudes

face às línguas, imagens e atitudes face às culturas, nível de envolvimento, percepção dos conhecimentos adquiridos e apreciação do programa. Para analisar o corpus

documental referente aos dados recolhidos envolvendo a professora titular de turma construímos um sistema de categorias com três macro-categorias: representações e

atitudes face às línguas e às culturas, concepções de educação para a era planetária, avaliação do programa de intervenção.

Comentando os dados referentes aos alunos, constatámos que, em relação à primeira categoria de análise, as línguas são maioritariamente entendidas em termos de objectos de ensino - aprendizagem formal, ou seja as línguas são perspectivadas como disciplinas do currículo escolar. As línguas são também encaradas como

instrumentos de construção e de afirmação de identidades individuais e colectivas3, apesar de em menor número de ocorrências, devido ao facto de as línguas possibilitarem a construção do sentido de pertença, nomeadamente cultural.

No que concerne às atitudes face às línguas, foram registadas apenas ocorrências rela- cionadas com a curiosidade e valorização em relação às línguas. Estes dados permitem- nos inferir que existia, à partida, uma abertura ao conhecimento e contacto com outras línguas e uma eventual predisposição dos alunos para a aprendizagem de línguas.

Relativamente às imagens e atitudes face às culturas, apercebemo-nos de que os alunos parecem demonstrar interesse, curiosidade e abertura ao conhecimento e con-

90

tacto com outras culturas; de facto apenas um aluno, no questionário inicial, referiu que não considerava importante conhecer outras culturas. Contudo, alguns alunos, apesar de se dizerem disponíveis para o contacto intercultural, referem, por exemplo, que existem culturas mais bonitas, outras mais feias e que algumas são más.

Após análise dos indicadores do nível de envolvimento revelado pelos alunos nas diferentes actividades observadas, verificámos que as crianças se envolveram nas mesmas, em termos globais, de uma forma muito positiva, tendo manifestado vontade e entusiasmo na sua realização. Este facto poderá advir do carácter lúdico, diversificado e curricularmente articulado das actividades. A média de envolvimento de todas as crianças observadas foi de nível 3+. Contu- do, sendo este valor muito positivo, não temos a pretensão de afirmar que todos os alunos se envolveram desta forma, em todas as actividades das seis sessões, nem que as actividades propostas foram deste nível de envolvimento para todos os alunos. As- sim, tendo em atenção o que referimos, consideramos que as actividades de SDLC observadas tiveram uma boa aceitação por parte da grande maioria das crianças que manifestaram vontade e entusiasmo na sua realização, sendo deste modo propiciado- ras de uma sensibilização à diversidade linguística e cultural.

Através dos dados recolhidos no final do programa através de inquérito por entre- vista aos alunos, no que se refere à percepção das competências adquiridas, podemos dizer que os alunos iniciaram o desenvolvimento de uma consciência planetária, ficando sensibilizados para a existência da diversidade (nas suas diversas formas) e para a importância da sua preservação, conhecimentos estes, que, apesar de inci- pientes e necessitando de maior aprofundamento, poderão ajudar numa mudança de atitudes e numa promoção de comportamentos cívicos fundamentais para a constru- ção da humanidade comum (Morin, 1999) (“Não devemos julgar/ pessoas por elas

não terem a mesma língua que nós/ devemos tentar esforçar-nos um bocado/ para perceber o que eles nos querem dizer […] Porque por exemplo/ vem um estrangeiro a Portugal/ não o podemos julgar sem o conhecer (A2); foi bom para nós/ aprender- mos outras coisas/ línguas e espécies (A10); aprendemos muitas mais coisas sobre as línguas/ as espécies animais (A14); Não vamos criticar/ só porque não falamos a mesma língua […] Bem/ porque só por não ser da nossa cultura/ nós temos a nossa e eles têm a deles/ não vamos criticar agora a cultura deles/ (A8)”).

Podemos ainda verificar que a maioria dos alunos compreendeu a necessidade de respeitar as línguas, costumes e tradições de outros povos. O facto de os alunos terem mencionado em diversos momentos que tinham gostado de contactar com outras lín- guas e culturas permite-nos inferir que as crianças iniciaram o desenvolvimento de ati- tudes de curiosidade, de respeito, de valorização e de abertura ao Outro, à diversidade linguística e cultural e alargaram a sua cultura linguística (Marques, 2010).

Da análise dos dados referentes à professora, apercebemo-nos de que esta percepciona as línguas essencialmente como objectos de ensino-aprendizagem, a

adquirir principalmente em contexto formal. Os dados recolhidos evidenciaram que considera a aprendizagem do inglês como uma mais-valia e a língua materna como “instrumento de construção e afirmação de identidade individual e colectiva (acho

que nós devemos saber falar o português a nossa língua e depois/ as outras)”.

A professora diz demonstrar abertura ao conhecimento e contacto com outras línguas e culturas e reconhece o interesse e a curiosidade dos seus alunos face às línguas e culturas. Contudo, ressalta a visão de que as línguas inglesa e francesa são as mais importantes e, ainda nas suas palavras, que algumas culturas são castradoras.

Verificámos também que a professora reconhece a diversidade linguística e cultural presente no nosso tecido social e refere que os professores devem procurar estratégias que não colidam com os princípios culturais dos seus alunos. Revela também que o reconhecimento da diversidade linguística, cultural e biológica suscita uma valorização da comunicação e da relação com o Outro, o que se traduz numa visão do mundo mais solidária e inclusiva (“termos conhecimento das diferenças, faz

de nós mais compreensivos e ajuda-nos a comunicar e conhecer os outros”).

Conclusão

De acordo com Gutiérrez & Prado, “é preciso enfatizar as interconexões entre os seres humanos, os fenómenos sociais e os naturais. Não podemos, assim, nos preocupar com a cidadania planetária excluindo a dimensão social” (1999: 41). Partilhando desta linha de pensamento, o programa de intervenção teve como pano de fundo a necessidade de abordar, em contexto educativo, temas de natureza global que remetam para a construção de uma cidadania planetária orientada por uma visão do planeta como moradia comum. Deste modo, pensamos poder afirmar que o nosso programa de sensibilização à diversidade linguística, cultural e biológica contribuiu para que os alunos se consciencializassem da necessidade de respeitar a natureza, o Outro, a sua cultura, a sua língua, o que nos permite dizer que os alunos deram pequenos passos para o desenvolvimento de atitudes cívicas promotoras de uma cidadania planetária e multidimensional.

Para Perrenaud, “os jovens terão de cultivar uma “dupla cidadania”: aprender a conceber-se e a agir como cidadãos da Terra, sem cessarem de pertencer a comunidades mais restritas, e tendo em conta as múltiplas interdependências entre o local e o global” (2002: 122). Esta postura assenta na necessidade da construção de formas de convivência humana, à escala planetária, que privilegiem as relações entre os seres humanos, entre os fenómenos culturais e os naturais.

Assim, é nossa convicção que é possível e benéfico, no âmbito de uma educação para a era planetária, integrar a sensibilização à diversidade linguística e cultural, através de uma abordagem plural, transversal e flexível do currículo, conciliadora

92

de diferentes saberes e competências, em articulação com as diferentes áreas curriculares e não curriculares do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Para tal, é necessário que as propostas pedagógicas tenham em conta as especificidades contextuais e globais de modo a serem promotoras de uma consciência planetária.

No final do desenvolvimento do programa de intervenção constatámos que os alunos apreciaram as diversas actividades desenvolvidas, considerando-as como importantes para o desenvolvimento e aprofundamento de atitudes de respeito, valorização e abertura ao Outro, às línguas e às culturas. Deste modo, os alunos ampliaram conhecimentos acerca do mundo das línguas e dos espaços geográficos em que são utilizadas, assim como reflectiram sobre a existência, a importância e a necessidade de preservação das várias formas de diversidade.

Face ao exposto, consideramos que é possível abordar curricularmente a diversidade linguística e cultural, tendo como ponto de partida os conteúdos previstos para as diferentes áreas curriculares no 1.º Ciclo do Ensino Básico. No entanto, esta abordagem, que passa inevitavelmente por uma gestão curricular flexível, não pode ser esporádica e descontextualizada, mas deve ser realizada de forma contínua e articulada (cf. Dias et al. 2009). Neste sentido, acreditamos que a SDLC pode contribuir para que os alunos compreendam a relação entre o global e o local, para que encarem as realidades e os problemas glocales (Ciurana, 1999) de um modo cada vez mais polidisciplinar (cf. Morin & Le Moigne, 2000).

Em suma, acreditamos que através de uma sensibilização à diversidade linguística e cultural, através do conhecimento de mais línguas e culturas, poderemos alargar os horizontes, construir novas possibilidades de cidadania multidimensional e planetária. Importa, pois, procurar o nosso itinerário comum e conjugá-lo com o itinerário colectivo de modo a “construir pouco a pouco uma civilização comum, baseada nos dois princípios intangíveis e inseparáveis que são a universalidade dos valores essenciais e a diversidade de expressões culturais” (Maalouf, 2009: 246).

em projectos colaborativos de formação?