• Nenhum resultado encontrado

S IV – Viajando por terras

4. Metodologia de recolha e análise de dados

4.1. Apresentação e discussão dos resultados

No que diz respeito aos dados recolhidos no questionário final, salientamos aqui a resposta à questão “Gostas das línguas estrangeiras? Porquê?”, na qual a maioria dos alunos revelou representações positivas em relação às línguas, em testemunhos que estão sintetizadas no quadro apresentado em seguida.

Quadro 2 – Categorias de análise e descritores (baseado em Pinto, 2005)

1.1. Facilidade/dificuldade de aprendizagem e uso

1.2. Distância/proximidade linguística com a LM ou com outras LE 1.3. Auto-regulação do processo de aprendizagem

1.4. Auto-avaliação das competências linguísticas e conhecimentos adquiridos

1.5. Experiências de aprendizagem

1.6. Conhecimentos declarativos sobre a língua 2.1. Relação afectiva aluno/língua/cultura 2.2. Imagem sonora da LE

4.1. Comunicação e socialização com o Outro 4.2. Internacionalização da lingual

1. Língua como objecto de ensino/aprendizagem

2. Língua como objecto afectivo

3. Língua como instrumento de construção das relações interpessoais/intergrupais Categorias Descritores Quadro 3 – Imagens dos alunos face às línguas “Gostaria de aprender outras línguas sem ser o Francês e o Português.” (At.) “Posso conhecer mais coisas.” (C.R.) “Gosto de aprender outras línguas.” (V.) “Eu queria saber estrangeiro e outras línguas.” (R.) “Confundo muito com outras línguas que já aprendi” (A.M.) “Porque quando for grande vou aprender melhor” (A.V.) “São divertidas e interessantes.” (M.C.) “É extraordinário como eles conseguem dizer aquelas palavras estranhas.” (L.) “Acho que é divertido.” (T.) “São interessantes.” (J.G.) “Acho engraçadas e bonitas.” (J.S.) “Deve ser muito fixe falar estrangeiro.” (Ml.) “Gosto de falar línguas estrangeiras.” (Ad.) “São bonitas.” (C.S.) “Gosto de sotaques” – (Dl) “Posso falar com os meus amigos estrangeiros.” (B.) “Fazia mais amigos.” (A.S.) “Assim posso falar com os meus familiares todos.” (D.) “Gostava de conhecer novos amigos e falar com eles.” (A.) “Gostaria de aprender, fazer novos amigos e acho muito interessante.” (I.) “Se for para outras terras já sei falar.” (M.S.) “Se eu sair do país para passar férias ou a trabalho preciso de saber falar.” (Jo.) “Dão jeito se precisar de sair do país.” (M.A.) “É melhor porque se sair do país e ir para outro, já sei a sua língua.” (Dl)

Língua como objecto de ensino/aprendizagem

Língua como objecto afectivo

Língua como instrumento de construção das relações interpessoais/

intergrupais

76 Tendo em conta que dos 25 alunos 1 aluna não respondeu ao questionário verificou- se que a maior parte dos alunos, cerca de 70%, encara as línguas a um nível afectivo ou como um instrumento de construção de relações interpessoais, como se denota o gráfico abaixo apresentado. Os alunos consideram as línguas interessantes, engraçadas e divertidas, apreciando os seus sotaques, referindo como razões para a sua aprendizagem fazer amigos novos, conversar com familiares que se encontram no estrangeiro, comunicar em eventuais viagens ao estrangeiro. Um número menor de alunos consideram-nas ainda como objecto de aprendizagem, nomeadamente quando referem que gostariam de as aprender como formas de “conhecer outras coisas”.

Recorrendo ao diário da professora/investigadora, é de salientar que a opinião do aluno J.G. mudou bastante, isto é a representação que tinha sobre as línguas transformou-se. Este aluno, na primeira sessão, referiu que “línguas estrangeiras são feias”, demonstrando uma atitude diferente da que apresentou no questionário final, quando afirmou que as línguas “são interessantes”. Em quase todas as sessões, este aluno (apesar de ser um dos alunos mais participativos, questionando constantemente acerca da língua, cultura e povo em debate) revelou uma atitude de discriminação e preconceito relativamente às línguas e culturas estrangeiras. Porém, no final de cada sessão, declarava ter gostado e aprendido bastante, mudando de opinião. No final da terceira sessão, este aluno afirma: “professora, antes não gostava do polaco, mas agora que aprendi, já gosto” (J.G.). Este testemunho permite-nos afirmar que as actividades de SDLC contribuem para o desenvolvimento de representações positivas em relação às línguas e culturas que passam necessariamente por um conhecimento efectivo sobre a língua e a cultura que lhe é inerente, conhecimento esse que se traduzirá em respeito pelo Outro e valorização da diversidade.

Categorias de análise

Representações dos Alunos face às línguas

Objecto de aprendizagem Objecto afectivo Instrumento de construção das relações interpessoais/intergrupais 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 Nº de alunos Gráfico 1– Representações dos alunos face às línguas

Globalmente, podemos constatar que a maior parte dos alunos revelou interesse e motivação ao longo das diversas sessões, questionando a professora acerca do povo e da língua abordada, referindo que gostariam de desenvolver uma maior cultura linguística: “Como se diz vermelho (em polaco)?” (J.M); “Qual é o hino nacional do

Iraque?” (D.D., sessão VI); “Gostaria de aprender a ler em árabe” (V.); “Por que é que eles (chineses) têm assim os olhos?” (D.B., sessão V); “Gostaria de saber escre- ver o meu nome em mandarim” (L.); “Gostaria de aprender a cantar os parabéns às pessoas (em mirandês)” (A.C.M., sessão VII); “Aprender mais histórias (em miran- dês)” (D.D.). Desta forma, os alunos evidenciaram curiosidade relativamente a ou-

tras culturas e línguas, que se traduziu no gosto explícito por aprender mais sobre as línguas em questão. Esta curiosidade e predisposição positiva para a aprendizagem de línguas e para o contacto com outras culturas é um indício do desenvolvimento de uma capacidade de (inter)compreensão entre sujeitos de diferentes línguas “Por

que é que o silabário não tem os nossos sons todos?” (J.G); como também entre os

outros povos “Como são as escolas do povo Inuit?” (J.G., sessão IV).

Quando confrontados com o que gostaram do projecto, dois alunos apontaram o mirandês como a língua que menos gostaram de aprender. Importa referir que, na sessão sete, se registaram algumas situações de discriminação referente ao mirandês, uma vez que num pequeno debate em que a professora questionou os alunos acerca da preservação desta língua, três alunos referiram “Já não é necessário outra língua porque estamos satisfeitos” (L.); “Não é importante” (J.S.); “Não é necessário porque poucas pessoas a falam” (J.G.). Estes comentários só se revelaram contra a segunda língua oficial do nosso país, pois os alunos consideraram que deviam defender o português, dizendo “Se muitas pessoas falam o mirandês, depois deixam o português” (J.S.). Neste debate percebemos também que os restantes alunos valorizam as línguas estrangeiras, uma vez que tentaram que os colegas mudassem de opinião, afirmando: “Ao aprendermos outras línguas não quer dizer que esquecemos

a nossa língua” (M.S.); “Porque faz parte do nosso país” (M.C.). Após esta troca de

ideias, um dos alunos, o J.G., referiu “já mudei de opinião”, no entanto nos outros alunos tal não aconteceu.

Com a implementação deste projecto, consideramos que, de um modo geral, os alunos manifestaram atitudes de valorização da diversidade linguística e cultural com uma maior abertura, respeito e curiosidade pelas línguas, evidenciadas nas representações positivas desenvolvidas pela maioria dos alunos, como vimos anteriormente.

A análise do questionário e do diário da professora/investigadora permite- nos também auferir outra conclusão que se refere com o facto de os alunos terem sido capazes de reflectir sobre a diversidade linguística e cultural, mobilizando experiências e conhecimentos anteriores que lhes permitiram analisar as diferentes línguas, identificando semelhanças e diferenças entre elas e a sua língua materna,

78

capacidades importantes, na nossa perspectiva, no desenvolvimento da sua competência plurilingue e intercultural. Paralelamente a esta competência, os alunos desenvolveram uma cultura linguística, ampliando os seus conhecimentos acerca do mundo das línguas, das tradições e características dos povos que as falam e de alguns espaços geográficos em que elas são utilizadas.

Os resultados que obtivemos reforçam a necessidade de realizar a SDLC de forma mais sistemática em sala de aula, partindo das representações que os alunos já possuem sobre o mundo das línguas e das culturas, para que se possam ficar verdadeiramente motivados para uma valorização da diversidade linguística e cultural.

Considerações finais e perspectivas futuras

As propostas didácticas aqui descritas visaram promover a valorização da diversidade linguística e cultural, partindo do pressuposto presente no documento “Currículo nacional para o ensino básico: competências essenciais” de que as aprendizagens em línguas estrangeiras, no 1.º CEB, “deverão ser orientadas no sentido de uma Sensibilização à Diversidade Linguística e Cultural (...) na criação de espaços de receptividade a outras línguas e outras culturas (...) ao estabelecimento de relações entre estas e a língua materna e ao convívio com outros modos de ser, de estar e de viver” (DEB, 2001: 45).

À luz desta recomendação acreditamos que, com este projecto, desenvolvemos conhecimento sobre o modo como esta abordagem pode ser implementada (actividades, materiais), recorrendo a estratégias bastante diversificadas, lúdicas e adequadas, que contribuíram, não só, para a motivação dos alunos, como, principalmente, para a abertura ao Outro e para a valorização e curiosidade relativamente às línguas e culturas, evidenciada na transformação de algumas representações.

Este projecto pode ter-se constituído como uma ponte para o desenvolvimento de novos modos de ver o Mundo, de uma forma mais cívica e consciente, para o desenvolvimento de uma cultura linguística e de uma competência plurilingue e intercultural que são determinantes na vida e sujeitos que se pretendem actores sociais activos e reflexivos na construção de um melhor entendimento no mundo multilingue e multicultural em que vivemos (Banks, 2004).

Em futuras intervenções e projectos consideramos ser importante dar um maior enfoque à oralidade de algumas línguas abordadas (exemplo: mandarim, inuktitut e árabe). Além disso e, apesar das crianças se terem envolvido activamente ao longo das sessões, demonstrando grande interesse pelas actividades propostas, consideramos que seria importante, em práticas futuras, construir as propostas pedagógico-didácticas a partir dos interesses e motivações dos alunos. Isto é, identificar previamente o que eles desejam saber sobre as línguas e as culturas,

quais as razões, para depois se planificarem actividades e materiais. Seria também interessante criar um blog, com a colaboração dos alunos e dos encarregados de educação, numa parceria escola-família, onde se publicassem os materiais mas, principalmente, onde se partilhassem experiências, testemunhos, sentimentos sobre o trabalho com as línguas e as culturas.

Acreditamos que ainda há um longo trabalho pela frente no que diz respeito ao conhecimento explícito sobre as mais-valias da SDLC no desenvolvimento dos alunos, tendo este projecto fornecido um pequeno contributo para esse conhecimento. Mas a preocupação com a integração da SDLC no currículo do 1.º CEB constituirá uma presença nas nossas práticas educativas futuras, uma vez que o contacto com outras línguas e outras culturas oferece ao aluno a possibilidade de interpretar o mundo de forma privilegiada, “detectando nas características particulares de cada realidade traços de universalidade, aproximando o que parece díspar, encarando a diferença como uma característica comum e uma riqueza” (Andrade, Lourenço & Sá, 2010: 81).

Sendo a escola um “...lugar de promoção de atitudes positivas em relação à alteridade, isto é, a outras línguas e culturas” (Martins, Andrade & Bartolomeu, 2002: 107), almejamos que cada vez mais a “boniteza” da diversidade seja uma preocupação do nosso sistema educativo na medida em que consideramos ser este o caminho para ensinar a (con)viver com o Outro e construir um mundo mais justo, assente no diálogo e na (inter)compreensão.

linguística e cultural – uma proposta de inserção curricular