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em projectos colaborativos de formação? Filomena Martins | (coord.) – Universidade de Aveiro/CIDTFF

1. Formação e educação plurilingue

Decorrente de fenómenos vários de transformação social e cultural e das possibilidades abertas à comunicação global pelo progresso científico e tecnológico, temos vindo a assistir a mudanças no campo da educação em línguas, relativamente

aos seus objectos e às suas modalidades de operacionalização em contextos (formais e não formais) de ensino/aprendizagem. Surge, assim, a necessidade de repensar o tipo de conhecimento profissional a fazer construir, tendo em vista a concepção e desenvolvimento de práticas educativas mais plurais, mais atentas aos contextos, com base em novas abordagens didácticas, abertas a novas possibilidades de comunicação plurilingue e intercultural.

O conhecimento profissional do professor sendo, simultaneamente, curricular, disciplinar, profissional, experiencial e cultural (Tardif & Gauthier, 1996), requer a articulação de diferentes dimensões, envolvendo saberes que são plurais, heterogéneos, personalizados e situados (Roldão, 2010; Tardif, 2000). Na área da educação para o plurilinguismo, visa-se, hoje, um conhecimento pro- fissional assente na vontade de ultrapassar visões compartimentadas do ensino de lín- guas, numa concepção mais holística e integrada de educação linguística, já que «il ne s’agit plus de prendre comme point de référence la compétence de communication d’un locuteur natif, ayant pour finalité la maîtrise parfaite d’une langue, mais de dé- velopper un répertoire linguistico-communicatif où l’on donne de l’espace à plusieurs langues, dans une volonté de rencontrer l’autre et de vouloir le comprendre» (Alarcão et al., 2009 : 9). Defende-se um plurilinguismo ao alcance de todos, de reconhecimento e valorização dos repertórios dos indivíduos e da comunidade, independentemente da sua composição, uma educação em línguas atenta à diversidade linguística e cultural e apostada numa maior diversificação do leque de línguas a oferecer pela escola, cons- truindo um currículo integrado de línguas (Castellotti, Coste & Duverger, 2008).

Nesta linha, as abordagens plurais surgem como uma resposta à necessidade de articular, diversificar e integrar a aprendizagem de línguas, adequando-a às características e necessidades comunicativas dos alunos, pelo reconhecimento de abordagens didácticas plurais, já que,

“Sans articulation entre les langues, tout effort visant à augmenter le nombre de langues apprises par un même individu-apprenant dans le cadre de l’éducation formelle se heurtera immédiatement à des limites en termes à la fois de capacité d’apprentissage et d’espace dans les curricula […] Sans articulation entre les langues, ce sont aussi des pans entiers de l’expérience langagière antérieure des apprenants qui restent ignorés, c’est-à- dire à la fois inexploités et, pour certaines langues, dévalorisés” (Candelier, 2007 : 5).

Ao invés das abordagens singulares das línguas em que o objecto de ensino- aprendizagem e de atenção didáctica é apenas uma língua tratada isoladamente, as abordagens plurais operacionalizam-se através de actividades educativas que implicam em simultâneo várias línguas e culturas. O CARAP (Cadre de Référence

pour les Approches Plurielles des Langues et des Cultures) identifica quatro

orientações didácticas que vão neste sentido: a pedagogia intercultural, a didáctica integrada de línguas, a intercompreensão e a sensibilização à diversidade linguística e cultural (éveil aux langues),

96 “qui, toutes, partagent la volonté d’offrir des “outils” concrets à même non seulement de favoriser l’abord des langues, quelles qu’elles soient – et donc, indirectement, d’enrichir les répertoires langagiers des élèves –, mais également de contribuer au maintien de la diversité linguistique et culturelle et à l’édification d’une véritable culture “plurilangagière” valorisant cette diversité” (De Pietro, 2008: 198-199).

Neste contexto, o papel do professor/formador é o de mediador pedagógico, orientando na procura de relação entre as diferentes aprendizagens, ajudando na passagem dos conhecimentos em línguas e sobre o ensino e a aprendizagem de línguas, de uns contextos para outros, de umas línguas para outras. Este enfoque sobre a mediação e gestão de diferentes reportórios exige um profissional com um saber prático ancorado na acção e na reflexão sobre e para a acção (Day, 1999), a mobilizar em situações educativas e formativas em que importa descobrir e rentabilizar diversidades de percursos possíveis.

É nossa convicção que os programas de formação contínua na área da educação plurilingue devem procurar a criação de espaços de co-construção de práticas que pos- sam ser propulsoras de desenvolvimento profissional, nomeadamente pela concepção, desenvolvimento e avaliação de projectos colaborativos de investigação-acção. De acordo com a categorização de Sachs (2009), o desenvolvimento profissional pode ser assumido como re-instrumentação (modelo com enfoque na melhoria da instrução, privilegiando uma abordagem técnica); como remodelação (assente essencialmente no aumento do conhecimento do conteúdo e do conhecimento pedagógico dos profes- sores); como revitalização (modelo focalizado, principalmente, na renovação profis- sional, promotor de oportunidades para repensar e rever as práticas); ou como re-ima- ginação (modelo transformador ao nível das intenções e das práticas, eminentemente político, na medida em que defende e apoia a mudança social, visando desenvolver os professores como agentes criativos do currículo e profissionais inovadores). Assim, enquanto os dois primeiros modelos assentam, essencialmente, na aprendizagem do aluno, os dois últimos focalizam-se na aprendizagem do próprio professor.

Ora, para que níveis mais elevados de desenvolvimento profissional possam ocorrer, torna-se necessário projectar formações feitas com os professores, que os interpelem enquanto sujeitos e actores, no sentido da efectivação de práticas inovadoras e transformadoras (re-inventoras) de si próprios, da sua relação com os objectos tornados de ensino, com os outros, com a profissão, isto é, produtoras de novo conhecimento profissional.

De acordo com Uwamariya & Mukamurera,

« les connaissances des enseignants dépassent de loin les savoirs disciplinaires. L’enseignement correspond non seulement à ce que les enseignants savent et à ce que la société propose comme élément à transmettre aux élèves, mais aussi à ce que les enseignants sont et pensent de leur pratique » (2005 : 144).

personnelle, sur la recherche et sur la réflexion de l’enseignant sur sa propre action », mas é também construído colectivamente. Por isso, torna-se pertinente investigar como ajudar os professores a saírem progressivamente do seu isolamento e da falta de confiança nas suas capacidades e conhecimentos, pela adopção de “une démarche collaborative qui doit être à la fois collégiale et autonome”, de “codesenvolvimento” profissional e de construção de redes de partilha que possam evoluir no sentido de comunidades aprendentes (ibidem).

Pensamos que uma formação com estas características deverá contemplar diferentes dimensões, nomeadamente uma dimensão investigativa e reflexiva, relacionada com a observação, a análise e a reflexão, tendo em vista a reconstrução e a expectável melhoria da acção educativa e uma dimensão política e interventiva, apostada na preparação do professor para o exercício de uma cidadania mais participada, articulando a produção de conhecimento com a resolução de problemas planetários de sustentabilidade humana, visando sociedades mais justas e inclusivas, respeitadoras das individualidades linguístico-comunicativas. Nesta linha, os loci da formação expandem-se na medida em que se assumem dentro e fora dos espaços formalizados de acção educativa (cf. Andrade et al., 2003; Martins, 2008).