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em projectos colaborativos de formação? Filomena Martins | (coord.) – Universidade de Aveiro/CIDTFF

3. Revisitando a oficina de formação – análise do conhecimento construído pelos participantes

3.2. Definição de objectivos

O conhecimento construído pelos participantes do GTA corporiza-se, numa primeira instância, nos projectos colaborativos de educação plurilingue que foram sendo construídos, tal como indicado atrás. A análise desses projectos não poderia deixar de ter como um dos grandes enfoques os objectivos educativos e investigativos que nortearam o desenvolvimento dos vários projectos. Lembremos que a definição de objectivos implica “fazer escolhas”, “tomar decisões” para tentar “agir em consequência”. Como afirma Richterich, “Quels que soient les approches développées et les domaines explorés par la pédagogie et la didactique des langues étrangères tous les efforts tendent toujours vers un seul but : mieux enseigner pour aider à mieux apprendre. Dans cette constante du mieux, la définition des objectifs et l’identification des besoins jouent un triple rôle. Premièrement, elles sont des instruments permettant des choix et des décisions, deuxièmement, elles donnent un sens à ceux-ci et aux actions d’enseignement et d’apprentissage, troisièmement, elles sont un moyen d’établir et de négocier les interactions entre les différentes composantes des systèmes » (1985, p. 17).

Nesta medida, afigura-se fundamental, para a compreensão da acção didáctica dos diferentes actores da oficina de formação, identificar os objectivos dos projectos que eles próprios conceberam e tentaram alcançar. Lembremos que é na selecção de objectivos educativos, mas também investigativos, que se traduzem as concepções sobre o que significa educar em línguas ou sobre o que importa investigar para a construção de conhecimento que nos permita perseguir, mais eficazmente, as nossas intenções educativas.

Analisam-se, assim, as práticas dos formadores e formandos, professores e investigadores, nos projectos que foram capazes de construir (planificações, apresentações e relatórios), para acedermos às suas concepções sobre o que pode significar uma educação plurilingue em contexto escolar português. Nestas práticas pedagógico-didácticas concretas se traduzem os resultados obtidos em termos das possibilidades educativas de tornar as escolas portuguesas mais plurilingues, pelo tipo de objectivo que se define como prioritário. Trata-se de ver o que é que os actores educativos pensam que se pode atingir para que as escolas, nomeadamente as escolas portuguesas, e também as línguas e as culturas que nelas circulam, resistam às tendências homegeneizadoras, quer locais, quer internacionais (García, Skutnabb- Kangas & Torres-Guzmán, 2006, p. IX).

Dito de outra forma, tentamos aqui compreender como interpretam os nossos actores as orientações de política linguística educativa que estiveram na base desta

oficina. Como imaginam as práticas educativas escolares, capazes de defender a multiplicidade de línguas e de literacias que existem no nosso planeta? Que desafios colocam a si próprios os actores de educação linguística desta oficina no sentido de serem capazes de mudar culturas de carácter monolingue (ver García, Skutnabb- Kangas & Torres-Guzmán, 2006, p. 4; PNUD, 2004)? Numa palavra, trata-se de querer compreender as ideologias linguístico-educativas que estão por detrás das práticas educativas que os participantes da oficina GTA foram capazes de colocar em prática, assumindo, como escrevem Pinho, Almeida, Martins & Pinto (2009) o professor, o investigador e o formador na área da educação em línguas como sujeitos que determinam, em parte, o que pode ser realizado nesta esfera para o desenvolvimento global dos educandos e dos formandos.

Atentemos, para tal, no quadro-síntese dos objectivos explicitados nos textos que concretizam os quatro projectos desenvolvidos.

Quadro 3 – Objectivos dos projectos desenvolvidos no GTA

Consciencializar para o plurilinguismo e para a diversidade linguística e

cultural do mundo. Promover uma educação para a cidadania de abertura e de respeito pela diferença.

Sensibilizar discentes, docentes e comunidade

escolar à diversidade linguística e cultural. Desenvolver uma cidadania

intercultural.

(Re)desconstruir representações e atitudes face aos cidadãos migrantes

Educar para a cidadania, diversidade e solidariedade

Consciencializar os alunos para as suas representações relativamente às línguas e culturas Conceber, implementar e avaliar um programa interdisciplinar de SDL no 1º CEB, capaz de educar para a cidadania e de fomentar o trabalho colaborativo entre educadores. Conceber, implementar e avaliar estratégias de sensibilização à diversidade linguística e cultural em contextos extra- curriculares, por um lado,

e desenvolver a cultura linguística, por outro. Conceber, implementar e avaliar estratégias de SDLC , nomeadamente, de compreensão e de integração do outro. Identificar representações de língua materna e de língua estrangeira (inglês)

em diferentes níveis de aprendizagem

Educação para a cidadania

Educação europeia. Educação para a cidadania.

Educação literária e cultural.

Educação inclusiva. Educação para cidadania.

Educação para a diversidade e para a

solidariedade. Educação para as línguas e

culturas GTA/1- Mar de línguas e culturas GTA/2 – Línguas – caminhos para o outro GTA/3– Línguas e culturas: migrações e desencontros GTA/4 - Da minha língua vê-se o mar. E das

outras?

Projectos Objectivos

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A construção do quadro-síntese com os objectivos dos projectos e a identificação do enfoque que cada um deles ganhou fez-se pela transcrição dos objectivos definidos nos diferentes momentos de planificação dos projectos (ver powerpoints de apresentação, site da plataforma moodle, site do projecto) e pelo seu confronto com o discurso das formandas no relatório escrito no final da oficina. Nesta medida, podemos perceber que cada um dos grupos encontra uma preocupação educativa de carácter mais global, na qual se inscreve a educação plurilingue. Assim, afirmam os elementos do GTA/1, “A principal finalidade deste projecto foi conceber, implementar

e avaliar um programa interdisciplinar de SDLC para o 1.º CEB, capaz de educar para a cidadania1 de um modo lúdico, dinâmico e intercultural” (Relatório, GTA/1,

p. 5), ou os elementos do G2,

“Tendo como propósito geral a envolvência da comunidade escolar no projecto de investigação-acção, foram definidos os seguintes objectivos formativos (educativos): i) sensibilizar alunos, professores e encarregados de educação para a diversidade linguística e cultural no contexto de espaços extra-curriculares; ii) fomentar a promoção de uma

cidadania activa, problematizando o conceito de cidadania europeia; iii) desenvolver

a cultura linguística de alunos, professores e encarregados de educação” (Relatório,

GTA/2, s.p.).

Sintetizando, os elementos do GTA/3 escrevem que a educação plurilingue é uma forma de comprometimento educativo tornando “a educação escolar um momento

efectivo de reflexão, valorização e de respeito por essas diferenças” (Relatório,

GTA/3, p.13). E os elementos do G4 não esquecem de sublinhar a sua função de professoras de línguas,

“promover a consciencialização dos alunos relativamente às representações (suas e dos outros) das línguas e das culturas e incentivar processos de reflexão que conduzam ao desenvolvimento dessas representações no sentido de uma maior SDLC, numa sociedade cada vez mais plurilingue e pluricultural” (Relatório GTA/4, p. 6).

Estas grandes preocupações em torno da educação em línguas traduzem-se no res- peito e na valorização do outro nos espaços das línguas e das culturas (educação literá- ria, linguística e intercultural), em espaços de mobilidade e de construção de sociedades mais justas, nomeadamente a sociedade europeia, em esforços de diálogo construtivo.

Podemos dizer que os autores dos projectos aqui analisados referem a educação pluri- lingue como uma resposta aos desafios da crescente mobilidade (real e virtual), em mo- dos de comunicação local e global. Não deixando de colocar a comunicação à escala glo- bal como a grande preocupação da sua actividade, os autores dos projectos encontram, na especificidade da sua situação local, as entradas necessárias ao desenvolvimento de uma sensibilização à diversidade linguística e cultural em contexto escolar português e em di-

ferentes níveis e espaços: do 1.º Ciclo do Ensino Básico ao Ensino Secundário, da sala de aula aos clubes de línguas e europeu, em actividades dirigidas a alunos ou a funcionários, professores ou encarregados de educação. A sensibilização à diversidade linguística en- contra, assim, diferentes entradas na escola portuguesa, constituindo-se como um desafio particular a cada uma das situações, “Na nossa opinião, a diversidade será sempre um

desafio para os diversos sistemas […] que deve levar à valorização, por parte dos alunos e também dos professores, da existência do outro” (Relatório, GTA/1, p. 15).

Tomando a distinção de objectivos de ensino de línguas feita por Bertrand (1977) e uma breve análise da sua evolução até ao final do século XX (Andrade, 1988), po- demos dizer que os actores educativos aqui em causa acreditam que as línguas cons- tituem um capital cultural determinante na vida actual dos sujeitos, permitindo-lhes interagir a diferentes níveis, local e global, sendo que essa interacção comunicativa tem de ser pensada à luz de finalidades políticas, tais como a intercompreensão, o diálogo e o respeito entre os povos. A educação plurilingue (da sensibilização à di- versidade linguística até à educação plurilingue) não pode estar senão ao serviço de um indivíduo bem formado, capaz de contribuir para o bem comum. Como escrevem Pinho, Almeida, Martins & Pinto,

“[Também na] educação em línguas, e à luz da política linguística educativa europeia, o processo de formação humana é entendido na sua esfera de formação (inter)cultural (Byram, 2008), nomeadamente porque em educação não existe um saber-fazer linguístico desligado de implicações de valor. As línguas são, assim, perspectivadas enquanto luga- res estratégicos de concretização de prioridades políticas relacionadas com o humano, assentes numa visão mais solidária das sociedades, acreditando-se no papel que poderão desempenhar no próprio desenvolvimento humano (cf. PNUD, 2004)” (2009, http://www. ispgaya.pt/cidine/congresso/cidine2009).

Se quisermos resumir o que os diferentes actores pretendem, em termos do seu desenvolvimento profissional com os objectivos formativos que definem para si próprios, poderíamos dizer que pretendem essencialmente Reflectir sobre modos

de SDLC, identificando estratégias e recursos indispensáveis ao desenvolvimento de uma competência plurilingue. Concretizando com palavras dos nossos sujeitos,

julgamos que se preocupam em reflectir em conjunto sobre como intervir (construir conhecimento com os outros – colegas, formadores, investigadores, professores) de modo a contribuírem para a transformação dos sujeitos ou dos contextos com os quais interagem. Parecem perceber a complexidade da tarefa, reconhecendo que os resultados alcançados ficam muito aquém do que seria desejável: não é ainda a educação plurilingue que é claramente colocada como o foco da intervenção, mas uma etapa prévia e necessária, a percepção e disponibilidade para o reconhecimento e aceitação da diversidade, a ser continuada em trabalhos mais sistemáticos e subsequentes. Como escrevem, nas conclusões do seu relatório, as autoras do projecto “Mar de línguas e de culturas”, a consciencialização da diversidade é apenas uma etapa de um processo educativo mais ambicioso e que exige continuidade,

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“reconhecemos que este tipo de programas não deve ser pontual, na medida em

que estas práticas educativas devem ser continuadas” (Relatório, GTA/1, p. 15)

ou as autoras do projecto “Da minha língua vê-se o mar. E das outras? “Temos

consciência do longo caminho que ainda há a percorrer no âmbito da sensibilização e da educação plurilingue e intercultural” (Relatório, GTA/4, p. 13).

Na generalidade e para podermos avançar, podemos dizer que todos os grupos pensaram formas de intervenção nas suas escolas, imaginando escolas mais multilingues e sujeitos mais plurilingues, o que implicou (e implicará) abordagens

bottom-up (García, Skutnabb-Kangas & Torres Guzmán, 2006) que partam das reais

possibilidades dos contextos.

3.3. Dos contextos às abordagens didácticas – actividades e estratégias