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Análise do grupo (ii) do volume 2 – coleção PLCult

4.2 Análise das atividades de variação linguística

4.2.1 O tratamento de variação linguística em proposição de atividades sobre os gêneros

4.2.4.3 Análise do grupo (ii) do volume 2 – coleção PLCult

No volume 2, das duas (10%) ocorrências, a primeira, o relato “A loucura da liberdade”, de Luiz Flávio Rainho, poderia estar agrupada em (ii) explorando a adequação para a comunicação e em (iii) explorando alguns fenômenos da língua. A segunda ocorrência, a crônica “Os perigos do mar”, de Carlos Nobre, poderia estar agrupada em (ii).

Antes de analisar a atividade destacada no quadro, cumpre esclarecer que ela está localizada no capítulo 10, do volume 2, intitulado “A variação linguística”. Durante todo o capítulo, Faraco faz um percurso teórico destacando a língua como um sistema, mas heterogêneo, que varia social e historicamente. O autor parte da observação dos próprios falantes brasileiros, destacando que as diferenças do Português “se materializam como um conjunto de variedades geográficas, sociais e contextuais” (FARACO, 2013b, p. 158). Ao longo do capítulo, o autor destaca esses tipos de variedades, pontuando algumas pesquisas sociolinguísticas e trazendo algumas reflexões.

A problemática é que, diferentemente da coleção PCIS, os boxes de curiosidade são apenas textuais. A variação linguística não é explorada no interior das atividades sobre os gêneros, mas a partir de um texto teórico, cujos exemplos parecem distantes da realidade de um aluno do Ensino Médio, talvez até mais próximos de um aluno do primeiro período de um curso de graduação em Letras.

Quadro 54: Boxe de curiosidade português popular x português culto, Faraco 2013b, volume

2 – PLCult

Fonte: (FARACO, 2013a, p. 77).

A questão aqui não é o conteúdo, mas a disposição dele no material, disposição essa aparente nas atividades que seguem como exemplo de exploração da variação. Neste capítulo há apenas um boxe de “Atividades”, com quatro atividades, sendo apenas a primeira do gênero discursivo da ordem do narrar e relatar: o relato pessoal.

Quadro 55: Grupo (ii) exercício de adequação Atividades

1. Dificilmente vemos o português popular na escrita, principalmente porque seus falantes tiveram pouco ou nenhum acesso ao domínio da cultura escrita. Por isso, trouxemos aqui um texto que procurou transcrever, com certa fidelidade, a fala de um falante do português popular. 0 trecho — que é parte de uma entrevista gravada com um operário não qualificado do ABC paulista na década de 1980— é um testemunho dessa variedade da língua, mas, acima de tudo, contém também uma bela reflexão sobre um evento do cotidiano do peão de indústria.

* Ao ler, lembre-se de que é a transcrição de uma fala (você vai observar várias marcas características da narrativa oral).

* Depois da primeira leitura, releia o trecho observando quantos fenômenos são coincidentes com a sua própria maneira de falar em situação mais informal, verificando a afirmação que fizemos antes de que, entre os vários portugueses, há mais semelhanças do que diferenças.

*Por fim, transforme essa narrativa num texto escrito efetivo (isto é, retirando as marcas próprias da narrativa oral e adequando a forma da língua às expectativas sociais que recobrem o texto escrito).

Fonte: (FARACO, 2013b, p. 169).

A atividade está agrupada em (ii), porque faz, de certa forma, uma reflexão sobre a variedade diamésica. No primeiro tópico, o aluno terá contato com um gênero discursivo pouco usual nos LDP, experimentando a transcrição de fala e verificando as características próprias da oralidade. No segundo tópico, a atividade relaciona a modalidade oral ao registro informal, mas pede ao aluno a comparação com a própria realidade oral, o que traz também reflexão. No terceiro tópico, a atividade passa a ser tradicional, pois trabalha com a reescrita do texto de modalidade oral para o texto de modalidade escrita, obedecendo a algumas regras. A verdade é que nem a primeira atividade, nem as que seguem, revelam amplitude, ou, menos ainda, aprofundamento nos tipos de variedade e no tema preconceito linguístico, mais debatido em outras coleções. A segunda atividade incentiva a realização de uma pesquisa a partir do gênero de música hip-hop, e a variedade que nela se manifesta; a terceira, quer a leitura do depoimento de Adoniram Barbosa sobre os sambas com a variedade popular urbana, bem como a discussão da afirmação do sambista “Esse negócio de fala errado não é fácil. Precisa saber falar errado. Muitas vezes o errado é o certo”, ilustrando o que já foi afirmado sobre a realidade sistêmica variável da língua e os tipos de variação.

Finalizando com a atividade 4, sobre a “leitura” do artigo, “Não existem línguas uniformes”, de Sírio Possenti, no qual são pontuados os tópicos que evidenciam a língua como uma realidade variável. Percebemos que as atividades, na verdade, demonstram pouco do exposto no capítulo, menos ainda cumprem com o descrito no “Manual do Professor”.

O capítulo 11, “Tópicos de língua-padrão”, é o capítulo com que Faraco (2013b) inicia a discussão da “língua-padrão”, em que o autor pondera ser mais uma das muitas variedades do PB, embora tenha funções específicas na sociedade. Assim, o autor propõe um “guia normativo”, apresentando a gramática de modo não tradicional. Inicia com a apresentação de concordância verbal, com atividades parecidas com as tradicionais, por exemplo, “Passe oralmente para a língua-padrão as seguintes sentenças da fala informal [...]”, “Reescreva as sentenças abaixo, substituindo as palavras destacas pelas palavras entre parênteses modificando a concordância [...]”, “Escreva as sentenças abaixo com os verbos sugeridos entre parênteses, fazendo a devida concordância [...]”. Todos os outros três boxes de atividades seguem essa estrutura, sem gêneros discursivos seguidos de exercícios.

Quadro 56: Grupo (ii) exercício de adequação Atividades

Leia, agora, o texto abaixo e observe como o autor aproveita com propriedade uma variedade mais informal da língua para redigir sua coluna no jornal, geralmente dedicada a temas do cotidiano dos leitores:

Fonte: (FARACO, 2013b, p. 186).

A crônica apresenta variações diatópicas, diastráticas, diafásicas que não são trabalhadas nas atividades sobre o gênero. A atividade proposta, diferentemente de qualquer LDP analisado até aqui, é (apenas) de leitura e reflexão do texto. Antes da atividade há um texto didático/explicativo de Faraco (2013b) sobre “Variação linguística e escolhas expressivas”. Nesse texto, o autor fala de “adequar a expressão às circunstâncias”, ou seja, é um tópico apresentado para reafirmar que as variações linguísticas são importantes, e que a “língua-padrão” nem precisa ser utilizada em todas as circunstâncias de fala. O autor lembra

que durante os atos de fala há ajustes da variação, sendo que ora se utiliza uma fala mais variável, ora uma fala mais próxima da língua-padrão, seguindo o tópico com diversos exemplos, que mostram efeitos positivos e negativos das “escolhas expressivas entre as variedades”.

A problemática está no fato de, nesta coleção, parecer que o texto do autor é mais importante do que as atividades propostas. Pouco fica para os alunos elaborarem, já que muito já está elaborado pelo autor da coleção. A proposta de atividade que segue os exemplos ilustra isso, pois mais uma vez temos apenas uma atividade de leitura sem proposta de compreensão e intepretação de texto, menos ainda de reflexão sobre a linguagem que já foi apontada no enunciado da atividade como “variedade mais informal da língua”. Talvez, esse tipo de exercício possui uma abordagem transmissiva, numa exposição ao aluno que “aprende” passivamente.