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Análise dos grupos (ii) e (iii) do volume 1 – coleção PL

4.2 Análise das atividades de variação linguística

4.2.1 O tratamento de variação linguística em proposição de atividades sobre os gêneros

4.2.1.2 Análise dos grupos (ii) e (iii) do volume 1 – coleção PL

A bipolarização das variedades em polos do padrão (norma-padrão) e não-padrão (o “caipira”) na coleção PL é verificada nos gêneros em análise. Verificamos, por meio das afirmações dos autores, um destaque para o tema norma-padrão como em: é “uma espécie de lei que orienta o uso social da língua”, é “o que está registrada nos dicionários e nos livros de gramática”, ou ainda, “não existe como uma língua de fato, pois ninguém fala português de acordo com ela” (CEREJA; MAGALHÃES, 2013a, p. 79-80).

Para Cereja e Magalhães (2013a, p. 80), as variedades mais próximas à norma-padrão, são mais prestigiadas e denominadas “variedades urbanas de prestígio”, enquanto as variedades “faladas no meio rural ou por pessoas não alfabetizadas, geralmente são menos prestigiadas e, por isso, frequentemente aqueles que as falam são vítimas de preconceito”. As afirmações dicotômicas dos autores, mais do que isso, bipolarizadas entre o urbano e o rural, a norma-padrão e a “variedade caipira”, também estão refletidas nos exercícios propostos.

Quadro 9: Grupo (iii) exercício de fenômenos de variação22 6. Que tipo de variedade linguística foi empregada pelas personagens?

Resposta: Uma variedade de acordo com a norma-padrão.

Fonte: (CEREJA; MAGALHÃES, 2013a, p. 69-72).

Quadro 10: Grupo (iii) exercício de fenômenos de variação

5. Observe a linguagem do texto. A variedade linguítica utilizada está de acordo ou em desacordo com a norma-padrão? Ela é formal ou informal?

Resposta: Foi utilizada uma variedade linguística de acordo com a norma-padrão formal portuguesa.

Fonte: (CEREJA; MAGALHÃES, 2013a, p. 136-138).

Analisamos a atividade dos Quadros 9 e 10 como (iii), porque os fenômenos linguísticos são observados, mas não há efetivamente uma exploração, e sim uma identificação do tipo de variedade próxima ao que se tem como norma-padrão. A problemática é que norma-padrão não é um fenômeno de variação, mas sim uma idealização, o que foi teoricamente afirmado pelos autores da coleção, mas apresentado de modo incoerente nas atividades. Ademais, por meio dos exercícios, verifica-se que os termos norma- padrão e registro formal estão ligados, como se um implicasse na significação do outro.

Quadro 11: Grupo (ii) exercício de adequação

7. Gil Vicente se utiliza da linguagem coloquial em razão do caráter popular de seu teatro e também para indicar a condição social de suas personagens.

a) Compare a linguagem do Frade à do Parvo. O que as diferencia?

Resposta: A linguagem do Frade é mais polida, enquanto a do Parvo é informal e vulgar. [...]

Fonte: (CEREJA; MAGALHÃES, 2013a, p. 98-99).

A questão trabalha apenas a diferença de linguagem entre os dois condenados pela morte, em que um ocupa posição no alto clero da sociedade, enquanto o outro é parvo, parte do povo. Reconhecer as diferenças entre as linguagens dos dois é difícil, pois a variedade histórica não nos permite inferir qual é mais formal ou informal, embora a escolha lexical em que o Parvo seleciona palavras chulas, que, em princípio, não seriam utilizadas por pessoas mais escolarizadas, da alta classe, evidencia a diferença entre as variantes e entre os dois falantes.

22 Os textos utilizados nas atividades analisadas da coleção PL estão no Anexo A, seguindo a numeração dos

As atividades dos quadros 9, 10 e 11 não oportunizam um espaço para se discutir o que se tem de variação, marcas de oralidade, o tipo do registro nos gêneros em discussão. As atividades ocorrem apenas para indicar o que é “norma-padrão” como se uma marca também de formalidade bastasse para a discussão de “variedade” na questão, como no quadro 10.

As questões não ficam limitadas apenas à “norma-padrão”, mas sim para o que está longe dela, como podemos verificar na atividade sobre o “dialeto caipira”.

Quadro 12: Grupos (ii) e (iii) exercício de adequação; exercício de fenômenos de variação Exercícios

a) O texto constrói seu efeito de humor com base em elementos relacionados à variação linguística. Quais dialetos são colocados em oposição na construção?

Resposta: O dialeto caipira, típico do interior, também falado em contextos urbanos não escolarizados, e o dialeto urbano, falado por pessoas com mais nível de escolaridade.

b) No final do texto, o alfaiate explica o mal-entendido e mostra que o cliente é que não havia compreendido o texto da placa. Levante hipóteses: a explicação do alfaiate resolve o questionamento do cliente?

Resposta: Não resolve, pois a grafia da palavra continua em desacordo com a norma-padrão, principal questionamento feito pelo cliente.

c) Qual personagem do texto revela ter uma visão permeada pelo preconceito linguístico? Justifique sua resposta.

Resposta: O cliente, pelo fato de não confiar em “alguém que escrevia errado o nome do próprio negócio”. Tal visão é preconceituasa, uma vez que desconhecer ou ignorar a ortografia padrão de uma

palavra não é referência para que se considere um alfaiate confiável ou não profissionalmente.

Fonte: (CEREJA; MAGALHÃES, 2013a, p. 82-83).

Na anedota, o foco da questão é verificar, por meio da forma de variação “agúia de ouro”, a diferença entre “agulha” e “agúia”. O exercício reforça a postura dos autores quanto às dicotomias da linguagem nos polos da norma-padrão e da variação estigmatizada. De um lado o dialeto caipira, informal, dos não escolarizados, alvo de preconceito linguístico, enquanto do outro o falante da variedade urbana de prestígio, da norma culta, como destacado na proposta de atividade da letra “a”.

As letras “b” e “c” são desdobramentos da atividade que enfocam o fato de que não é um erro de acento apenas que existe na sentença, mas um “erro” de representação fonética da palavra “agulha”, pelo falante menos escolarizado. Desse modo, a grafia “aguia” está longe do que determina a ortografia padrão, reforçando o preconceito linguístico do falante urbano que considera o alfaiate incompetente, porque esse comete erros ortográficos, mas esses “erros” são próprios da variedade que o alfaiate usa, refletindo seu “falar errado”, reforçando o estereótipo que se tem sobre o falante caipira.

A análise dos gêneros discursivos no volume 1, da coleção PL evidencia que ora as atividades destacam a variedade linguística em comparação com a norma-padrão, esquecendo-se de diferenciar norma-padrão de “variedades urbanas de prestígio” ou “norma culta”, como afirma ser necessário, pois a modalidade oral não se refere à norma-padrão, mas à norma culta. E norma-padrão não se refere à variedade, mas à idealização dos gramáticos da língua.