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2.1 O lugar da variação linguística nas políticas institucionais

2.1.2 Os PCNEM+ e a variação linguística

As Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 2002. PCNEM+) trazem um direcionamento mais pontual acerca do estudo de variação linguística. Inclusive, tais documentos afirmam que as orientações não têm pretensão normativa, e sim a finalidade de contribuir para a implementação das reformas educacionais definidas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996. LDBEN), regulamentadas por Diretrizes do Conselho Nacional de Educação.

As novas orientações dos PCNEM (BRASIL, 2002. PCNEM+) tem como um dos objetivos “facilitar a organização do trabalho escolar na área de Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias”, além de procurar, dentro desta organização, a temática da variação linguística no contexto social.

A reformulação dos PCNEM (BRASIL, 2002. PCN+) pondera a necessidade de transformação do Ensino Médio que antes era organizado em função de duas principais tradições formativas: a pré-universitária e a profissionalizante que, por sua vez, se limitavam à divisão disciplinar do aprendizado, agora são parâmetros que requerem um ensino preparatório do estudante para a vida na sociedade. Assim,

o novo ensino médio, nos termos da Lei, de sua regulamentação e encaminhamento, deixa portanto de ser apenas preparatório para o ensino superior ou estritamente profissionalizante, para assumir a responsabilidade de completar a educação básica. Em qualquer de suas modalidades, isso significa preparar para a vida [...] (BRASIL, 2002, p. 8. PCNEM +).

Destaca-se, na reformulação dos PCNEM (BRASIL, 2002, p. 8. PCNEM +), a ideia de transmitir um conhecimento para a formação desse aluno que, como cidadão, ficará apto a saber se informar, comunicar, compreender, argumentar, dentre outras ações apontadas nas orientações. Uma palavra chave apontada nos novos documentos é “agir”, que evoca a participação social ativa de um cidadão crítico e com “atitude permanente de aprendizagem” correspondendo ao ideal do “aprender a aprender” previsto como objetivo principal da educação (BRASIL, 2002, p. 8-9. PCNEM +).

Assim, nessa nova proposta são colocados três conjuntos de competências, que relacionarão as diferentes áreas de conhecimento. Essas competências são: comunicar e representar; investigar e compreender; contextualizar social ou historicamente o conhecimento, sendo avaliadas por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

De fato, tais competências se tornam abrangentes, mantendo a preocupação de ampliar o conhecimento linguístico do aluno na comunidade linguística em que faz uso de uma língua adquirida como resultado da própria história e convívio social. Além disso, surge uma inquietação contínua em estabelecer coesão entre as disciplinas e as áreas. Muitas temáticas passam a ser reconhecidas nas suas interdisciplinaridades, então, as divisões tradicionais das disciplinas ultrapassam continuamente as bordas dos limites temáticos.

Sendo assim, Língua Portuguesa, Língua estrangeira moderna, arte, educação física e informática compõem a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, porque têm como convergências das competências gerais o eixo da representação e comunicação. Outros dois eixos explorados nas novas orientações são o de “investigação e compreensão” e de “contextualização sociocultural”. Com os novos eixos, a área de Linguagens ultrapassa as

bordas das suas disciplinas e converge com área de Ciências da Natureza e Matemática devido à característica de investigação científica, além de se ligar à área de Ciências Humanas, por meio da contextualização sociocultural, pois os processos simbólicos são construções humanas e históricas.

Como resultado dos eixos e a convergência das diversas áreas é apresentada uma leitura ampla do ensino de língua materna. Diante de tanta diversidade, seria impossível continuar com a ideia tradicional de ensinar nomenclaturas e regras como Língua Portuguesa. As regras de concordância verbal ou de regência verbo-nominal apresentadas isoladamente, por exemplo, não dão conta da produção de significação que um texto em diferentes contextos produz. Por isso, linguagem, língua, fala, identidade e cultura se intercruzam como conceitos importantes na aquisição da concepção Sociolinguística do ensino de português.

Comparar linguagens, compreender a língua materna como geradora de significação para a realidade, de uma organização de mundo e da própria identidade são competências do eito Representação e Comunicação que exigem estudo metalinguístico, estudo que não é possível sem o domínio de conceitos como linguagem, língua, fala, identidade, cultura (BRASIL, 2002, p. 26. PCNEM +).

Para as novas orientações, a competência gramatical deve ser vista, mais como um “mecanismo para a mobilização de recursos úteis à implementação de outras competências, como a interativa e a textual” (BRASIL, 2002, p. 81. PCNEM +). Assim, a escola deve se preocupar em articular as prescrições da abordagem tradicional da gramática com a prática de leitura e produção textual tanto oral como escrita, modificando a crença de que o aluno não entende o porquê de se aprender tantas regras, sem uma aplicação prática delas na realidade.

Desse modo, o aluno poderá perceber que existe mais de uma gramática: àquela que se refere ao “conjunto de regras” e àquela observada na fala, cuja referência é ao grupo social, obedecendo regras próprias, ou seja, apresentando a gramática internalizada, diferente da ensinada nas escolas.

Como acima exposto, existe uma nova orientação e uma nova tendência em “como ensinar a homogeneidade (idealizada)”, ou seja, a competência gramatical não está mais pautada na tradição de memorização de regras fora de um contexto, apesar de que o ensino tradicional de língua materna ainda possa persistir com a ideia purista de ideal linguístico. Contudo, as novas orientações marcam as mudanças, evidenciando que esse ensino de língua materna é realizado a partir do “como ensinar heterogeneidade”, pois os PCNEM+ (BRASIL,

2002, p. 81) consideram que é fato a convivência com uma enorme diversidade linguística, bem como as noções de certo ou errado na língua, cedendo lugar às noções de adequação ou inadequação em virtude de situações comunicativas.

Com isso, verificamos a posição do documento oficial com relação à heterogeneidade, pois cita que “é papel da escola lidar de forma produtiva com a variedade linguística de sua clientela, sem perder de vista a valorização da variante linguística que cada aluno traz consigo para a escola e a importância de se oferecer a esse aluno o acesso à norma padrão” (BRASIL, 2002, p. 82. PCNEM +). O documento mostra a evidente preocupação com a valorização das variedades linguísticas, no entanto, a norma não é abandonada, e sim legitimada enquanto “aquela que é prestigiada quando se testam suas habilidades para ingressar no mundo de trabalho”, por isso é importante “o acesso à norma padrão” (Idem).

Mesmo com a valorização da variação linguística nos PCNEM+ (2002) e a manutenção da ideia de norma como lugar de prestígio linguístico, os LDP permanecem selecionando os tópicos gramaticas, por meio de transposição apenas das regras e nomenclaturas, com pouca ou nenhuma introdução de discussões de variação nesses tópicos, como ocorre com o ensino dos pronomes pessoais. O pronome “nós” está na tabela de pronomes, mas o pronome “a gente” muitas vezes não é citada, como observado por Goulart (2014) na análise dos LDP do ensino fundamental.

Ademais, os LDP acrescentam uma ou outra unidade sobre variação linguística, na tentativa de corresponder aos novos parâmetros curriculares para o ensino de LP e às exigências de editais públicos para publicação, como pontuado por Coelho (2007) e Bagno (2013) em diferentes análises e períodos.

A análise do documento oficinal PCNEM+ mostrou que as orientações contemplam o objetivo do ensino de variação linguística. Isso se cumpre, por meio dos requisitos do documento para o desenvolvimento da competência gramatical, a saber: a) adequação ou inadequação de registros; b) compreensão dos valores sociais, ou ainda, o preconceito contra falares populares em oposição às formas faladas pelos socialmente favorecidos; c) diferença entre oralidade e escrita na produção textual; d) diferença de sentido com o uso de marcas típicas de mudança da língua num texto como uso de arcaísmo, neologismo, polissemia, empréstimo linguístico como apresentado pelos PCNEM+ (BRASIL, 2002, p. 82).