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2.2 Estudos sobre variação linguística e norma nas pesquisas sociolinguísticas

2.2.4 Lima (2014)

Lima (2014), diferentemente de Goulart (2014) e Bagno (2013), retoma três pesquisas que também analisam os LDP sobre a inserção da variação linguística: Coelho (2007)15

citada na presente pesquisa – Manini (2009)16 e Rodrigues (2010)17, mas afirma que procura

formular uma proposta diferente dessas pesquisas para o tratamento do tema variação linguística no LDP.

O autor revisa essas três análises com o objetivo de investigar a relação da questão de inserção da variação linguística nas pesquisas ou quanto aos critérios definidos pelo PNLD. Para Lima (2014), o trabalho de Coelho (2007) divulga uma análise de nove livros didáticos do ensino médio. A autora se baseia em seis perguntas e tem como objetivo a abordagem da variação linguística ao longo dos capítulos. Uma das conclusões a que a autora chega é que algumas das obras não consideram, de fato, a realidade sociolinguística do país, além de perceber uma mistura de critérios e conceitos em uma obra que não permite se falar em linguagem culta x linguagem coloquial, pois não acredita na oposição delas.

Outra pesquisa analisada por Lima (2014) foi a de Manini (2009), cujo objetivo é investigar as orientações teórico-metodológicas adotadas em materiais didáticos em uma época de renovação das políticas públicas de avaliação e distribuição dos LDP. A autora analisou três LDP, de 5ª e 7ª séries. Tal pesquisa mostra que os LDP analisados desenvolvem a proposta partindo dos PCN e da avaliação do PNLD, mas apresenta excessos metalinguísticos nas obras, desse modo, verifica-se que a autora não concorda com tantas nomenclaturas para as séries às quais os LDP são destinados.

Para Lima (2014), a pesquisa de Rodrigues (2010) quer mostrar como os LDP estão de acordo com o que os documentos oficiais regulamentam por meio do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM). São analisadas duas obras que levaram a pesquisadora a concluir que os LDP vinculam um ensino tradicional da língua materna, colocando, inclusive, o falar e escrever bem como um fator de progressão na carreira e ascensão social, o que vai contra a proposta dos documentos oficiais.

15 COELHO. P. O tratamento da variação linguística no livro didático de Português. Brasília, 2007, Dissertação

(mestrado) - Universidade de Brasília.

16 MANINI, D. A gramática e os conhecimentos linguísticos em livros didáticos de língua portuguesa para o ensino fundamental II (5ª a 8ª séries). Campinas, 2009. Dissertação (mestrado) – UNICAMP.

17 RODRIGUES, S. O português não padrão no universo dos livros didáticos do ensino médio: posições

Diferente das pesquisas citadas por Lima (2014), esse autor considera que as análises realizadas por ele, sobre os LDP, são “de uma ótica distinta das realizadas anteriormente” (LIMA, 2014, p. 115), pois o autor, depois dessas análises, parte de questões motivadoras para analisar um livro do 6º ano e um livro do ensino médio do mesmo autor, com edições diferentes, a fim de verificar se a nova edição foi reformulada para atender às determinações do PNLD. A diferença das edições é de onze anos.

Diante da revisão das pesquisas em LDP e do roteiro de análise proposto por Bagno (2007), Lima (2014, p. 123) propõe quatro questões motivadoras que afirmou não encontrar em nenhuma das fontes citadas, a saber:

i. a variação linguística é uma constante na obra ou aparece de forma pontual, isolada?

ii. a terminologia utilizada pelo livro se adéqua aos padrões específicos ao mesmo tempo em que é acessível ao aluno?

iii. há utilização de gêneros textuais que sejam representativos das variantes linguísticas abordadas em situações reais de uso?

iv. os fenômenos abordados estão coerentes com a realidade linguística do PB?

As perguntas de pesquisa perpassam a análise e permitem a verificação de diferentes fatores nos LDP. Um dos livros analisados é do 6º ano, de William Cereja e Thereza Cochar Magalhães. O capítulo sobre as variedades linguísticas é abordado conforme a sociolinguística, com termos relacionados à variação: dialeto, gíria, norma culta, e outros. Além da referência à história da língua portuguesa e à mudança do latim ao PB. Para Lima (2014), os temas são transmitidos de forma didática: quadros explicativos, informações adicionais, desenhos, além de o capítulo ter indícios da teoria linguística, atendendo à exigência oficial (PNLD), mas não há referência à variação linguística em nenhuma outra seção do LDP.

Quanto à terminologia, como mencionado, há uma abordagem adequada da sociolinguística, consequentemente que resulta em termos utilizados em consonância com a área. Quando utilizados termos que pudessem gerar dúvidas como: norma culta, língua padrão e língua não padrão, os autores os explicavam. Para ele, cabe ao professor destacar as implicações sociais de se falar a norma culta (variedade linguística de maior prestígio social), bem como a norma popular.

Diferentemente do que propomos, Lima (2014) mostra que os gêneros discursivos presentes nos LDP não representam as variantes em situação real de uso, mas o objetivo é

aproximar-se da variação linguística em questão, como o falar rural e a HQ do Chico Bento, que é estereotipada, mas é recorrente nos capítulos que tratam da variedade linguística, além da utilização da música chopis centis, dos Mamonas Assassinas, que se aproxima do português considerado como não padrão.

Uma ressalva de Lima (2014) é o fato de a seção destinada à variação linguística não tratar especificamente dos fenômenos sociolinguísticos nas atividades selecionadas, mas voltarem-se para a gramática tradicional com abordagem de nomenclaturas e regras memorizadas o que atrapalha o exercício reflexivo sobre a língua.

Quanto à edição do ensino médio, com onze anos de diferença, o autor identificou que a 1ª edição do material não fazia referência às questões de variação, o que muda numa 2ª edição, com uma seção destinada ao assunto o que mostra “uma pressão, por parte de órgãos oficiais, para se abordar a questão das variações linguísticas nos livros didáticos [...]. No entanto, [...] elaborar um capítulo sobre o assunto ‘basta’ para torná-lo aceito oficialmente, o que não deveria acontecer” (LIMA, 2014, p. 127).

No caso dos gêneros, o livro do ensino médio, analisado por Lima (2014), contempla gêneros textuais que almejam representar determinadas variedades. O autor do LDP de 2011 ainda traz uma entrevista retirada do projeto NURC com a utilização de uma variedade linguística em situação real de uso, bem como utiliza jargões retirados de uma entrevista de jornal mostrando o uso real do código linguístico.

Diante da análise, verificamos a recorrência da superficialidade com que os LDP cumprem a exigência de incluir a variação linguística em seu conteúdo, mesmo na pesquisa de Lima (2014) – que afirma partir de perguntas motivadas e inovadoras, para alcançar seu objetivo de análise – não há nenhuma amostra de proposta tão diferente das outras. O que temos são diferentes pesquisadores, abordando diferentes fenômenos, mas concluindo que o tratamento da variação linguística é superficial e não corresponde à realidade das pesquisas sociolinguísticas.

O tratamento da variação linguística é dado pelo autor a partir da comparação de edições diferentes, mas de mesmos autores, mostrando que pouco se alterou no tratamento de variação, mesmo em onze anos de edição. De fato, Lima (2014) parte de uma perspectiva diferente de Bagno (2013) e Goulart (2014), mas todos esses autores, além dos citados na pesquisa de Lima (2014) consideram que a variação não tem um lugar de destaque no ensino de língua materna, seja no ensino fundamental, seja no ensino médio.

Além disso, tais análises aqui apresentadas revelam uma preocupação que os LDP, nos últimos anos, têm em trabalhar com o tema variação linguística, mas que algumas coleções

reservam o tema a poucos volumes, ou somente aos volumes das séries iniciais. Muitos LDP, independentemente do ano de pesquisa, mostraram inconsistência de terminologia, o que prejudica a abordagem do tema variação na sala de aula.

Independentemente das incoerências nas atividades analisadas por Coelho (2007); das inconsistências teóricas e terminológicas apontadas por Bagno (2013); dos tipos de atividades de reescrita e atividades estruturais apresentados por Goulart (2014); da necessidade de fazer com que os LDP sejam preenchidos de uma teoria linguística que mostre a realidade linguística para o aluno, não somente na seção de variação, como mostra Lima (2014); dentre tudo isso, há um fato que deve ser considerado: os LDP estão incorporando o tratamento da variação linguística, mas esta incorporação ocorre paulatinamente, conforme constatado nessas pesquisas.

Concordando com Martins, Vieira e Tavares (2014, p. 34) ao afirmarem que a prática pedagógica e os conhecimentos científicos adquiridos por meio de pesquisa sociolinguística podem sim colaborar com o alcance dos objetivos postulados nos documentos oficiais, que, em suma, querem preparar o aluno para a realidade sociolinguística que já é presente em sala de aula, e exigida nas demais situações de comunicação na sociedade. Assim, podemos chegar a uma política linguística coerente e vigente para o ensino de língua materna, objetivo geral desta pesquisa.

3 PERCURSO METODOLÓGICO

Neste capítulo, descrevemos os procedimentos utilizados para análise de dados, explicitando o critério de seleção do corpus e os critérios para sistematização e análise dos dados que constituem a amostra linguística.

Ressaltamos que este capítulo é baseado na perspectiva do modelo teórico- metodológico sociolinguístico, o que implica a organização e quantificação de um grande número de dados, para alcançar uma clara discussão e chegar aos resultados. No caso desta pesquisa, propomos observar, na perspectiva da sociolinguística variacionista, o tratamento da variação linguística, nos instrumentos de ensino de língua materna, conforme as políticas linguísticas que a regulamentam.

Para tanto, apresentaremos as questões que motivaram a escolha do tema, as hipóteses e os objetivos da tese. Em seguida, apresentaremos os critérios de seleção do corpus e os tópicos para a análise da amostra linguística selecionada, além do modo como ocorrerá a descrição, seleção, catalogação e análise dos fenômenos (socio)linguísticos nas coleções didáticas de Língua Portuguesa.