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5. PERCEPÇÕES DO CAMPO: O PROGRAMA MULHERES MIL NA VOZ DAS EGRESSAS DO IFCE/CAMPUS LIMOEIRO DO NORTE

5.4. Programa Mulheres Mil: um propulsor para o empoderamento, emancipação e protagonismo feminino?

Os resultados apresentados até este momento são oriundos das entrevistas realizadas com oito egressas dos cursos oferecidos pelo IFCE Campus de Limoeiro do Norte através do Programa Nacional Mulheres Mil.

Contudo, também foi realizado um grupo focal com outras três egressas. Essa atividade aconteceu após observado o ponto de saturação das entrevistas e procurou-se abordar questões mais abertas, em busca de fechar algumas lacunas que pudessem ter sido deixadas pelas entrevistas, em prol de avaliar melhor a interação dessas mulheres em grupo e com a esperança de que pudéssemos adentrar em assuntos que algumas entrevistadas não abriram espaço.

Antes de prosseguirmos, cabe registrar algumas percepções do campo que não puderam ser traduzidas em gráficos, dados estatísticos ou em falas. São os relatos sobre as feições, a timidez, o incômodo, e, até a alegria com que as entrevistadas iam respondendo os questionamentos a elas direcionados.

A fim de exemplificar, foi percebido que todas as oito entrevistadas esboçaram curiosidade em saber quando haverá mais cursos do Programa Mulheres Mil. Relataram que a interação com as outras mulheres foi o fator mais marcante dessa experiência e o diferencial não esperado, por se tratar de um curso técnico. Não houve, entre elas, quem não se emocionasse em pelo menos um momento de cada entrevista. A maioria quando relembrava o momento de construção do Mapa da Vida. E expuseram que retornar às carteiras estudantis trouxe um sentimento revigorador, o qual veio acompanhado de estímulos antes não experimentados, embora nem todas tenham tido oportunidade de dar continuidade a esses estímulos a fim de aumentar a escolaridade.

Os laços de amizade iniciados entre algumas das alunas ainda permanecem, e todas, absolutamente todas, afirmaram que se sentiram melhores consigo mesmas, principalmente por se perceberem sujeitos de direito e aptas a pertencerem a outro espaço, que não apenas ao doméstico.

Os momentos e locais em que se deram as entrevistas também foram muito significativos, embora alguns, totalmente ao acaso. A última entrevista aconteceu na

Rodoviária da cidade de Limoeiro do Norte, pois enquanto essa pesquisadora adquiria passagem para retornar à cidade de Acaraú e telefonava para antecipar a última entrevista, eis que a mesma estava ao meu lado. Talvez eu não a teria entrevistado, não fosse aquele acaso. E esta pesquisa não contaria com a enriquecedora contribuição que a oitava entrevistada transferiu. Uma mulher que, embora apresente muita dor experimentada em poucos anos de vida, também demonstra a garra de uma grande mulher, amadurecida. Era visível a sua satisfação em narrar a sua história, a sua experiência no curso e as suas esperanças de futuro. Foi a entrevista que mais se delongou, mas uma das mais impactantes em termos de identificar numa única mulher a dor de várias outras: a gravidez na adolescência que a fez abrir mão de seus sonhos acadêmicos e profissionais; o filho recém-nascido à beira da morte por negligência do Estado (que lhe arranca lágrimas); a necessidade de atuar em várias “profissões” a fim de oferecer melhores condições a sua família; e, até um pouco de apropriação e reprodução do discurso machista. Todavia e acima de tudo, esta carrega consigo a esperança de dias melhores, para ela e sua família, a partir da educação e do trabalho duro – infelizmente, em nossa sociedade, a meritocracia ainda está longe de ser elemento essencial para a mobilidade social.

A primeira entrevistada, traz consigo um sorriso aberto, mas sua vida tem sido de luta. Depois de concluído o curso do Programa Mulheres Mil, conseguiu uma posição no mercado de trabalho formal, que lhe trouxe muitas oportunidades. Promovida ao cargo de gerente de uma grande rede de supermercados, mas sofrendo o escárnio da dura realidade do mercado explorador, vê como única opção de vida digna: o empreendedorismo. Hoje é sócia de seu cunhado numa ótica que fundaram na garagem da própria casa, e, utilizam-se da experiência proporcionada pelo curso, pelo emprego anterior e pela vida, a fim de que consigam atrair clientes a um empreendimento de bairro. Não demonstra tristeza ou pesar, apenas alegria e felicidade de ter ciência de que é capaz. Acolhe com muito carinho e orgulho a experiência vivenciada durante o curso e a história de vida que dividiu com as mulheres, suas colegas de classe, que depois se tornaram amigas de uma vida. Foi durante o curso que ela teve a iniciativa de se separar, por ter finalmente enxergado que ela merecia mais.

A segunda entrevistada, um pouco mais velha e bem mais castigada pela vida, apresenta como cartão de visitas um ar de felicidade, apesar de todas as dores

que carrega consigo. Inicia sua fala afirmando que nunca imaginou que um dia voltaria a uma sala de aula, e muito menos em uma instituição de renome como o IFCE. Foi algo surpreendente para ela, visto que, desde a infância o único destino que conhecia era o do cabo da enxada, na roça, vida à qual foi levada pelo seu pai. E, mesmo qualificada em outra área (culinária), e, apesar dos seguidos anos de seca, insiste na agricultura – talvez seja o tal espírito brasileiro de nunca desistir ou o costume com a vida de privação e sofrimento – mas o fato é que foi a entrevistada que se mostrou mais feliz em fazer parte dessa pesquisa. Apenas durante o curso esta percebeu que vivenciava uma relação abusiva com seu falecido marido, com quem esteve casada desde os 18 anos, e de quem apanhou calada por saber que não teria apoio da família. Não conseguiu conter as lágrimas ao relatar que foi durante as aulas sobre os direitos da mulher que compreendeu que aquela violência não era natural. Exibe com orgulho as histórias das colegas, as quais já ajudou a partir do que aprendeu no programa. Contudo, apesar daquele sorriso frouxo e do acolhimento caloroso identifiquei se tratar da egressa que se encontra em maior vulnerabilidade social, sobrevivendo apenas da ajuda dos filhos e parentes. Talvez já esteja acostumada a este Estado que não provém. Mas quem é acostumado a andar pelo interior, bem entende que o agricultor, em especial, o sertanejo tem disso: uma esperança que constrói alegria.

A terceira entrevistada esboça uma feição mais fechada, o que me levou a supor que a entrevista não teria muito a ser partilhado, mas talvez seja apenas a forma que ela encontrou de enfrentar a sua frustração. É possível vislumbrar um resquício de esperança, mas, no todo, só enxergamos um rio de desesperança. Mãe de 03 filhos, ela frisa, em que os 2 primeiros nasceram mortos, num claro aceno ao não esquecimento dos filhos que não vingaram. De imediato, fala e reitera, sempre que possível: “eu gosto de estudar”. Foi o que a levou a participar do curso, mesmo tratando-se de um curso de Culinária e a mesma afirmando que não gosta de nada relacionado às tarefas que envolvam fazer comida. Pesou a vontade de voltar a estudar e agarrou a oportunidade. Demonstra surpresa por ter tido acesso a conhecimentos diversos, como os dos direitos das mulheres, de ter assistido a palestras de advogados, e, até brinca: ” isso era bom era para os homens. ” (E3). Demonstra alegria pura e límpida ao relatar que está prestes a se graduar como Pedagoga, entretanto, os olhos marejam ao relatar que seu marido, que antes a apoiava, começou a impor obstáculos no já duro caminho que tem trilhado em busca

do seu sonho de ser professora. Ele utiliza o argumento de que o diploma não trará melhores oportunidades de emprego – fato que não está tão longe da verdade pelo que vimos até aqui – no entanto, ela afirma que se trata de ciúmes. A alegria só volta ao seu semblante ao lembrar o apoio que recebe de sua mãe e de seu irmão, que inclusive a ajuda no pagamento da mensalidade. Importante pontuar que, imediatamente após esse relato, seu marido chega e logo ela muda seu semblante, esta pesquisadora ao perceber seu desconforto e estando já na última pergunta, procura ser ágil a fim de não prolongar o desconforto demonstrado pela entrevistada. O campo veio enriquecedor e oportuno, certamente as percepções teriam sido outras se o marido estivesse presente durante toda a entrevista.

Já na residência da quarta entrevistada daquela manhã, no início ela se apresenta um pouco tímida, o marido fica ali por perto, curioso, até ajuda nas primeiras perguntas - referentes ao perfil socioeconômico. Seu verdadeiro Eu: alegre, otimista e feliz, só se mostra quando iniciam as indagações sobre o curso: ela menciona as colegas e é visivelmente revisitada pelas lembranças de uma época em que, como ela mesmo disse: “eu me sentia assim uma aluna adolescente. ” (E4), apesar de à época já ser mãe de dois adolescentes. Daí em diante, seguem-se sorrisos atrás de sorrisos, sua forma de interagir contagia até a esta pesquisadora. Suas histórias de como se comportava em sala, de como ficava feliz no dia que tinha aula prática, não apenas porque iriam aprender uma nova receita, mas porque iriam comer algo que talvez ela nunca tivesse provado. Sua forma de contar, me faz a observar e sou levada a pensar: realmente, nesse curso, ela se deixou viver como uma adolescente, que talvez anteriormente não lhe tenha sido permitido viver. Indica o desejo que tinha de ter seu próprio empreendimento, até tentou junto com a filha vender alguns doces em seu bairro, mas impressiona ao informar que já sabia que não daria certo, e cita as condições de renda dos seus vizinhos. Este conhecimento, segundo a mesma, ela desenvolveu no curso. Foi a primeira vez que foi mencionado esse tipo de entendimento, chamou a minha atenção porque todas as outras 3 entrevistadas antes desta não mencionaram ter absorvido esta visão de mercado que ela destacou. Daí em diante, passei a questionar as outras quatro entrevistadas sobre essa consciência. A tarde se inicia na casa da entrevista número 5, uma casa simples, uma egressa um pouco tímida e talvez até desconfiada. Explico do que se trata a pesquisa, começo a interagir com os pássaros que a mesma cria soltos pela casa, e, logo ela

começa a se sentir mais à vontade em responder e ir além das perguntas. Mais uma egressa que afirma com orgulho que gosta de estudar, tanto que já cursava um curso técnico subsequente no campus de Limoeiro do Norte do IFCE quando iniciou a participação no curso do programa Mulheres Mil. Talvez por sua personalidade um pouco mais reservada e distante, não se emociona a ponto de marejar os olhos, mas esboça alguns sorrisos que faz com que enxerguemos alegria em seus olhos, genuínas fagulhas de emoção. Embora já certificada em várias áreas, está em busca de iniciar um curso de nível superior, já chegou a ser aprovada, mas em instituições privadas. E, assim segue, estudando e fazendo ENEM em busca de conseguir sua vaga no nível superior gratuito. Diz ter dois sonhos quanto ao mundo do trabalho, o primeiro: ser frentista. Questionada sobre porque ainda não conseguiu oportunidade na área, acrescenta que é preciso fazer um curso específico que ela tentou, mas ainda não conseguiu. O segundo é abrir uma lanchonete ao lado de sua casa, participa que até já tentou vender salgados em sua calçada, mas por falta de capital, só conseguiu se manter na empreitada por uma semana. Também impressiona sua capacidade analítica de mercado, traz dados sobre seu bairro e acredita que teria sucesso - por estar distante do centro da cidade e ter poucas opções de lanches para quem pode e quer comer algo diferente recorreria ao comércio de bairro – situação já identificada e com grandes investimentos nas grandes capitais. Contudo, o não acesso ao crédito e a baixa renda da família, impõem que seus sonhos de trabalho e estudos sejam adiados.

Em seguida, retorno ao centro da cidade de Limoeiro do Norte, mais precisamente ao campus do IFCE, para realizar a sexta entrevista daquele dia. Confesso que a primeira impressão foi a de que não teria muito a acrescentar, por sua postura mais séria. Ledo engano, logo que nos acomodamos e iniciamos a conversa, ela vai deixando transparecer seu perfil escrupuloso. Somente se inscreveu no curso porque há muito tempo havia ouvido falar da instituição e tinha interesse de estudar lá, contudo, não tinha conseguido ingressar em cursos até aquele momento. Então, abraçou a oportunidade e se encantou com a instituição. Não por acaso, após o curso do Programa Mulheres Mil, fez um curso técnico subsequente e está na metade de um curso de nível superior no IFCE de Limoeiro do Norte. Traz uma informação até então desconhecida, da repercussão na cidade sobre o curso do programa Mulheres Mil ao informar que era reiteradamente questionada por amigos e parentes a respeito

do que se tratava o curso e o porquê do nome Mulheres Mil. E, à medida que ela relatava sua experiência, as pessoas apresentavam interesse em participar, infelizmente ela participou da última turma do programa na cidade. Atribui ao Programa Mulheres Mil todo o desenvolvimento acadêmico que vem trilhando porque foi o que a motivou, e, ao se perceber capaz aflorou em si a necessidade de mais. Embora em uma união estável desde cedo, demonstrou consciência dos seus direitos, e pelos relatos, seu companheiro é um grande incentivador de seu crescimento pessoal, acadêmico e profissional, acreditando nela antes dela mesma. Uma egressa que, embora residente da zona rural, mas talvez por sua idade e pelo contato acadêmico, apresenta o perfil social mais cosmopolita dentre as demais. Sua forma serena ao responder cada pergunta, seu sorriso discreto, sua certeza no que é e no que quer, deixou, em mim, um pouco de fé e esperança de que dias melhores podem estar próximos para nós mulheres, e estão nas mãos dessas garotas mulheres, jovens e conscientemente donas de si.

A tarde se despede com a sétima entrevistada daquele dia, uma egressa indicada por outra, que não possuía telefone para contato e de quem eu apenas sabia o nome e o endereço. Não sei se chamo de sorte, de destino ou se simplesmente chamo de sede de conhecer. Apenas fui, na cara e na coragem, na esperança de que ela me concederia uma entrevista sem agendamento. Encontrei minha entrevistada na calçada e já fui recebida com um sorrido largo no rosto e convidada de imediato a entrar e se acomodar em sua residência. Uma casa simples, escura, mas recheada de vida: 4 filhos. Os vizinhos entram e saem, as crianças se misturam com as dos vizinhos e enquanto conversamos, ela vai interagindo com seus filhos: o olho sempre na menorzinha; conselhos ao mais velho; ajuda o outro antes do treino de futebol. Entre uma resposta e outra, vamos conversando sobre a vida de mãe e ela sempre relata com orgulho os motivos de felicidades que tem em seus filhos e em suas conquistas. Mãe ainda na adolescência, afirma e realmente demonstra que nunca teve problemas com autoestima. Seu sorriso sempre é mais sincero e cintilante quando fala dos seus filhos e do seu amor pela cozinha, por cozinhar. Seu sonho? Trabalhar com chocolates, mas indica que precisa se especializar, porque trata-se de uma arte muito delicada a de trabalhar com chocolates. Embora informe não ser boa em matemática, tem expertise adquirida no curso para calcular custos e lucro e demonstra consciência do básico para se iniciar um empreendimento, mais uma vez seu sonho