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4. PROPOSTA METODOLÓGICA

4.2. O Programa Mulheres Mil avaliado sobre o tripé: conteúdo, contexto e trajetória institucional.

4.2.2. Programa Mulheres Mil e a clivagem política, econômica e social.

O Programa Mulheres Mil, localizado no conjunto de prioridades das políticas públicas do Governo Federal do Brasil, disponibiliza especial atenção aos eixos da promoção da equidade, igualdade entre sexos, combate à violência contra mulher e acesso à educação. Também se configura como responsável para o alcance das Metas do Milênio, promulgada pela ONU em 2000 e aprovada por 191 países. Entre as metas estabelecidas, podemos identificar a erradicação da extrema pobreza e da fome, a promoção da igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres e garantia da sustentabilidade ambiental (ONU, 2000).

Aqui, é importante situar que esta política é gestada no berço de um momento político, social e democrático ímpar para nosso país, no início do segundo mandato do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Este período carrega consigo importante significado, pois a eleição de um ex operário para o mais alto cargo do executivo nacional, no ano de 2002, trouxe muitas expectativas quanto à instauração de políticas públicas de caráter social que fossem capazes de reverter o quadro de profundas desigualdades sociais a que estava submetido este país. E esta transformação de cenário político foi possível devido à crise do neoliberalismo, na década de 1990, que permitiu a ascensão da esquerda, como inferimos da citação a seguir:

A rigor, a grave crise do neoliberalismo, no contexto latino-americano, entre 1998 e 2003, com o aumento da desigualdade, pobreza e desemprego, a esgarçarem o tecido social, propiciou um novo ciclo de acumulação política

de forças progressistas e de esquerda, encarnadas em Movimentos Sociais e Governos democraticamente eleitos, com distintos níveis de tensionamento com os centros de poder hegemônico. É um movimento de virada à esquerda, fundado em experiências insurrecionais e organizativas, abrindo caminho para a onda democrática a varrer a região, com governos progressistas, que derrotaram oligarquias tradicionais, limitaram a influência dos EUA na região, promoveram programas sociais que reduziram a pobreza em seus países.[...] (CARVALHO; GUERRA, 2016, p. 270).

Logo, em 1º de janeiro de 2003, foi criada a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR), com status de ministério. O nascedouro de um novo momento da história do Brasil no que se refere à formulação, coordenação e articulação de políticas que promovam a igualdade entre mulheres e homens. (BRASIL, 2006)

E, em julho de 2004, o Governo Federal dá mais um importante passo em busca de avanços na temática, com a realização da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (I CNPM). A Conferência foi vista como um marco na afirmação dos direitos da mulher e mobilizou, por todo o Brasil, cerca de 120 mil mulheres que participaram, diretamente, dos debates e apresentaram as propostas para a elaboração do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (BRASIL, 2006). Já na II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2007, foi construída de forma mais participativa e envolveu diretamente cerca de 200 mil mulheres brasileiras em conferências municipais e estaduais realizadas em todas as Unidades da Federação do país(BRASIL, 2008).

Estas conferências se propunham a aprovar o I e II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), respectivamente. E, esses planos orientavam-se pelos seguintes pontos fundamentais: igualdade e respeito à diversidade; equidade; autonomia das mulheres; laicidade do Estado; universalidade das políticas; justiça social; transparência dos atos públicos; participação e controle social (BRASIL, 2006). Assim,

[...] O governo de Luiz Inácio Lula da Silva assumia o compromisso de incorporar a perspectiva de gênero nas políticas públicas reconhecendo e enfrentando as desigualdades entre homens e mulheres nas várias instâncias políticas de gestão governamental, configurando-se enquanto políticas de Estado. O Plano se estruturava em torno de quatro áreas estratégicas de atuação: uma primeira voltada para a autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; a segunda consistia em fomentar uma educação

inclusiva e não sexista; a terceira focava na saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; e a quarta, incidindo no enfrentamento à violência contra as mulheres. Essas quatro áreas vislumbravam contemplar as políticas e ações a serem desenvolvidas ou aprofundadas por meio da transversalidade de gênero para que as mudanças qualitativas e quantitativas se efetivassem na vida das mulheres brasileiras.(ABREU;GONÇALVES, 2018, p.754)

Essa política chamou atenção para uma problemática até então pouco visível, ou discutida: a relação entre gênero e pobreza e a consequente necessidade de medidas próprias para atender à especificidade da condição social das mulheres na pobreza. Havia aumentado desproporcionalmente o número de mulheres vivendo na pobreza quando comparado ao número de homens, principalmente nos países do Terceiro Mundo. E, para erradicar a pobreza seria necessário mais do que programas específicos, exigiria a participação democrática e mudanças na estrutura social, econômica e no âmbito dos Governos, de forma a assegurar a todas as mulheres acesso aos recursos, oportunidades e serviços públicos. Por essa razão, os objetivos do PNPM refletiram um compromisso dos governos em adotar a transversalidade de gênero no combate à pobreza(ABREU;GONÇALVES, 2018).

Contudo, o que assistiremos, nos governos petistas, será a implementação de políticas públicas sociais destinadas à superação da extrema pobreza, acesso à educação, equidade de gênero e combate à violência contra as mulheres que, até certo ponto, beneficiam a população mais empobrecida, inclusive com a redução da pobreza, mas que não serão suficientemente capazes de romper com as situações que essencialmente causam estas desigualdades. Isto porque, para conseguir ascender ao poder, o Partido dos Trabalhadores (PT) transmuta sua essência e transforma-se em um partido pró-capital, dando sequência à implementação de um governo de ajustes para atender às demandas neoliberais do capitalismo. Fenômeno debatido por Carvalho e Castro (2013, p.91):

Na discussão, é importante salientar o que analistas denominam o paradoxo brasileiro da redução da pobreza: o próprio desenvolvimento do segundo mandato do governo Lula e do governo Dilma [...] impulsiona novos processos de produção e reprodução da miséria e da pobreza. [...].

Apesar disso, é possível identificar um certo nível de coerência no desenvolvimento das políticas públicas, agindo em várias frentes com o mesmo objetivo. Podemos pontuar que, em busca do combate à pobreza e à violência contra as mulheres, além do Programa Mulheres Mil, foi durante os governos petistas que a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha67 foi sancionada. Além disso, assim como o programa em análise, o Programa Bolsa Família foi implementado com maior força nas regiões Norte e Nordeste, por haver a consciência e compreensão da situação de descaso a que estas regiões foram submetidas pelos governos anteriores.

Os mandatos da presidenta Dilma representaram um período de grandes mudanças para as mulheres, não apenas pela representatividade, através da eleição que levou a primeira mulher a ocupar o cargo máximo do executivo nacional, mas por esta governante constantemente demonstrar ser consciente do lugar da mulher no mundo e das desigualdades de gênero ainda existentes - e por ter investido esforços em lutar contra isso.

Esses esforços tiveram como focos principais, o combate à violência doméstica, representatividade na política e a independência financeira. Neste contexto, é que o Programa Mulheres Mil foi instituído nacionalmente, ampliando seu poder de abrangência. E, foi também neste momento, que o país teve sua maior representatividade de mulheres comandando ministérios, estando elas à frente de 18 ministérios, número nunca antes alcançado nesta nação.

No combate à violência, o governo de Dilma engendrou energia, tempo e recursos em colocar em prática todas as ações previstas na Lei Maria da Penha, como a inauguração dos Centros de Acolhimento de Vítima de violência e as Casas da Mulher Brasileira. Ainda em sua gestão foi sancionada a Lei Nº 13.104, de 09 de março de 2015, que alterou o Código Penal e tipificou o crime de feminicídio (homicídios cuja motivação seja o fato da vítima ser mulher) como crime hediondo, aumentando as penas previstas.

Além disso, destaca-se a política de aplicação de taxas de juros diferenciadas às mulheres ao participarem do Programa Minha Casa Minha Vida68. E,

67 Visa proteger a mulher da violência doméstica e familiar. A lei ganhou este nome devido à luta da farmacêutica Maria da Penha para ver seu agressor condenado. Disponível em: < https://www.todamateria.com.br/lei-maria-da-penha/>. Acesso em: 26/05/2019.

68 É uma iniciativa do Governo Federal que oferece condições atrativas para o financiamento de moradias nas áreas urbanas para famílias de baixa renda. Disponível em: <

ressalte-se ainda, a conquista de direitos para as mulheres mais vulneráveis, através da aprovação da Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, a “PEC69 das Domésticas”, que regulamenta as atividades dos empregados domésticos, em sua maioria representado por mulheres.

Na tentativa de aumentar esta ofensiva contra a pobreza, o Programa Mulheres Mil é absorvido pelo Pronatec em 2013, visto que ambas as políticas se propunham a capacitar cidadãos excluídos do mercado formal de trabalho em busca de uma inclusão produtiva dessas massas. Tão significativa foi esta ação em conjunto que a partir daí o Programa Mulheres Mil teve sua maior adesão, oferecendo mais de 60 mil bolsas entre os anos de 2014 e 2016, e, alcançando assim um total de mais 100 mil mulheres capacitadas pelo programa até o ano de 2016, segundo dados da SETEC (MEC, 2019).

No entanto, em 12 de maio de 2016, em meio a uma das maiores crises políticas do Brasil que levou a um golpe institucional transmutado de impeachment, assume interinamente a Presidência da República, o vice presidente, Michel Temer, que como primeiro ato deu posse a um verdadeiro “machistério monocromático” (ABREU;GONÇALVES, 2018).

[...] Antes mesmo de qualquer pronunciamento, um fato chamou a atenção: todos os 24 novos ministros eram homens e brancos. Michel Temer extinguia de uma só vez o Ministério da Cultura e as Secretarias de Direitos Humanos, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres. Tratava-se do primeiro ministério sem mulheres desde 1979, quando findava a gestão ditatorial de Ernesto Geisel. O governo Temer acenava a ruptura com um processo em curso que, embora lento e por vezes invisíveis,[...] (ABREU;GONÇALVES, 2018, p.754)

Não por acaso, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016, o Pronatec foi modificado e passou a custear outros programas instituídos pelo então presidente Michel Temer, entre eles, o médio técnico concomitante (MedioTec), que se configura como oferta de cursos técnicos oferecidos concomitantemente a alunos devidamente matriculadas em escolas públicas de ensino médio. Reduzindo

http://www.caixa.gov.br/voce/habitacao/minha-casa-minha-vida/urbana/Paginas/default.aspx>. Acesso em: 26/05/2019.

os investimentos destinados ao Programa Mulheres Mil e tendo como consequência a descontinuidade do programa em muitas instituições ofertantes.

Situação que se agravou com as políticas implementadas e abandonadas pelo atual governo, que renegou a questão de gênero à sua própria sorte. Nessa conjuntura, temos vivenciado longos e intermináveis dias em que as mulheres são massacradas politicamente e têm usurpado o seu espaço nas políticas públicas para, quase que exclusivamente, ocupar as capas das páginas policiais.