• Nenhum resultado encontrado

4 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA DA PESQUISA

4.7 ANÁLISE DOS DADOS

Uma vez manipulados os dados obtidos, o passo seguinte foi analisá-los e interpreta- los, constituindo-se ambos no núcleo central da pesquisa. Para Marconi e Lakatos (2003), a análise dos dados tem por finalidade tentar evidenciar as relações existentes entre o fenômeno estudado e outros fatores, neste caso, fatores associados ao abastecimento de alimentos em Belém. Essas relações podem ser estabelecidas em função de suas propriedades relacionais de causa-efeito, produtor-produto, de correlações, de análise de conteúdo etc. A análise desta pesquisa é marcada pela utilização de diferentes métodos, ou variações de métodos, sendo eles principalmente associados aos dos regimes agroalimentares para analisar o contexto institucional em que as lojas de Belém atuam, do gerenciamento de impressões que ampliam

as operações analíticas e adequam-se à abordagem teórica do neoinstitucionalismo sociológico e a análise de conteúdo, que complementarmente às outras perspectivas de análise, enriquece o resultado deste trabalho e aumenta sua validade, aspirando uma interpretação final fundamentada que segue o que Trivinos (1987) chama de técnica de triangulação.

Para analisar o contexto institucional que envolve os estabelecimentos varejistas de alimentos do mercado de Belém realizou-se pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, registros fotográficos e observação direta, com o intuito de compreender os sistemas sociais e produtivos envolvidos com abastecimento da cidade de Belém em quatro fases distintas da cidade que coincidem com o surgimento e as mudanças dos regimes agroalimentares, contemplando além do varejo na cidade os tipos de alimentos consumidos, a origem dos alimentos, atividades produtivas, relação organizacional, o nível tecnológico e relação com os mercados. Como já foi tratado na seção anterior, as análises seguirão a abordagem dos regimes agroalimentares visando compreender a estruturação do contexto institucional através da análise dos processos históricos que constituíram o ambiente favorável para a construção das instituições que autorizam o funcionamento de lojas de alimentos orgânicos.

Como o intuito desta pesquisa foi o de investigar o que leva à institucionalização da loja através dos mecanismos regulativos (sistema de regras apoiado por sanções para recompensar a conformidade e penalizar a não conformidade) e normativos (sanções, tabus, costumes, tradições e códigos de conduta) que constituem os pilares institucionais, assim como a influência dos sentidos contidos nos símbolos adotados pelas lojas em seu processo de comunicação no campo organizacional visando se legitimar, a análise dos dados coletados foi realizada utilizando-se um “conjunto de apetrechos” (BARDIN, 1977) metodológicos proposto na análise de conteúdo e GI. Para tanto, as bases para a análise dos dados desta pesquisa foram as transcrições do conteúdo das entrevistas, das anotações colhidas no diário de campo e do material encontrado por intermédio da pesquisa documental, fotografias da lojas e observações realizadas.

As entrevistas foram realizadas com informantes-chave, já descritos na seção anterior, que constituem os atores relevantes que compõem o campo organizacional, assim como os donos ou gerentes das lojas. No sentido de explorar a metáfora dramatúrgica adotada nesta tese, buscou-se apresentar os dados, sempre que possível, seguindo a estrutura de um texto teatral. Assim, os donos e gerentes de lojas foram considerados algumas vezes respectivamente diretor geral (proprietário), diretor executivo (gerente), ou seja, aqueles que se envolvem no processo criativo e iniciais do trabalho e na escolha do “texto”, geralmente

feita por alguma afinidade dos diretores com o tema, sendo também responsáveis pela “falas” dos personagens mais importantes deste espetáculo: as lojas que comercializam orgânicos, sendo as demais organizações que compõem o campo organizacional que se relacionam com a loja os coadjuvantes, ou seja, importantes atores, mas não os personagens centrais deste enredo. Já os concorrentes oligopólios do varejo, que geram imperfeições no mercado, representam os anti-heróis desta estória, uma vez que não são os personagens principais por não corresponderem às características ou aos valores atribuídos ao herói.

Feitas as transcrições e o tratamento inicial dos materiais coletados em campo, fez-se uma pré-exploração do material coletado. O intuito foi de apreender e organizar de forma não estruturada aspectos importantes para as próximas fases da análise. Para Bardin (1977), a leitura efetuada pelo analista, pelo conteúdo da comunicação, não trata apenas de textos ou falas, mas de todo cenário, personagens, bastidores e encenação onde os fenômenos ou na linguagem dramaturga, onde o “espetáculo” se processa, não é unicamente uma leitura “ao pé letra”, mas um realçar de um sentido que se encontra em segundo plano.

Essas leituras iniciais promoveram uma visão “descolada”, a qual permitiu transcender a mensagem explícita e de uma forma menos estruturada, conseguindo visualizar, mesmo que primariamente, pistas e indícios não óbvios que levaram à decisão quanto à seleção das unidades de análise. Nos estudos qualitativos, orientou-se pela questão de pesquisa que necessita ser respondida, neste caso singular, “como se constrói e se desenvolve o aparato institucional que promove, produz e sustenta as lojas que comercializam produtos orgânicos em Belém?”.

Por isso, após analisar através da abordagem teórica dos regimes agroalimentares as mudanças institucionais na trajetória da diversificação do mercado varejista de alimentos em Belém, que permitiu explicitar o contexto institucional atual do varejo de alimentos na cidade, as análises se direcionaram de forma complementar para o campo organizacional. O capítulo sobre esse nível mais microssociológico de análise é iniciado com a apresentação dos dados gerais e arguições sobre cada tipo de loja que comercializa alimentos orgânicos na cidade e sobre as relações entre elas e outras organizações que compõem o arranjo interorganizacional. Essas análises sobre as relações da loja com outras organizações são importantes para definir quem eram os coadjuvantes que compõem a trama de relação e os diferentes protagonistas (tipos de lojas), visando entender como as lojas ou seus membros agem no intuito de influenciá-los. Como já foi tratado na seção anterior, os dados para essa análise foram obtidos através de entrevistas com os gerentes ou proprietários das lojas, além dos dados obtidos em fontes secundárias, como imprensa geral e redes sociais.

Em seguida, fez-se necessário acompanhar a próxima etapa do processo proposto pela metodologia de análise de conteúdo elaborada por Bardin (1977), que diz respeito ao tratamento dado aos materiais coletados, que, como já foi mencionado, não se limita ao seu conteúdo, mas também aos seus significados e simbolismos. Antes, porém, convém esclarecer que a análise de conteúdo tem por particularidade, segundo Trivinos (1987), ser um conjunto de técnicas de análise. Sendo assim, a classificação dos conceitos e a categorização são procedimentos indispensáveis na utilização. Além do mais, todos os suportes dos “materiais” (dados) seriam fracamente inúteis no emprego da análise de conteúdo se não possuíssem amplo campo de clareza teórica alimentando o conteúdo das mensagens.

Diante do exposto, apresenta-se os critérios de categorização, ou seja, a escolha de categorias (classificação e agregação) como uma operação de classificação constitutiva de um conjunto de elementos (unidades de registros, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado por razão dos caracteres comuns destes elementos. Ainda segundo Bardin (1977), o critério de categorização pode ser semântico (por representar categorias temáticas), sintático (verbos e adjetivos), lexical (classificação das palavras de acordo com o seu sentido, com emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próximos) ou expressivo (categorias que expressam as diversas perturbações da linguagem).

Em virtude do apresentado, após o aprofundamento teórico e o exame inicial das entrevistas, neste trabalho, a categorização se deu a partir do critério semântico, tendo como categorias relacionadas ao processo de institucionalização os pilares regulativos, normativos e cultural-cognitivos, pelos quais cada tipo de loja se legitimam. Além disso, considerou-se que as lojas, para cada pilar institucional, adotaram critérios externos de aceitação.

As bases da legitimidade associadas aos três pilares institucionais são distintas, portanto, os tipos de indicadores empregados, são decididamente diferentes, conforme demonstra o Quadro 6 de indicadores. Desta maneira, considerando que os próprios autores institucionalistas ressaltam, que a teoria institucional fornece uma visão útil, mas incompleta, de como as organizações adquirem e protegem a legitimidade, para analisar os mecanismos de institucionalização nos diferentes pilares institucionais (regulativo, normativo e cultural- cognitivo), recorreu-se à teoria da legitimação organizacional e de Gerenciamento de Impressões (GI).

Quadro 6 – Indicadores de legitimidade associados aos mecanismos de institucionalização organizacional Categoria Estratégias adotadas pelos tipos de lojas visando a legitimidade

Categoria Estratégias adotadas pelos tipos de lojas visando a legitimidade

Adaptar-se as leis Monitorar cumprimento de leis Ajustar as condutas as normas.

Acomodar-se as leis e todas normas exigidas para o funcionamento de lojas de alimentos orgânicos

Monitorar as exigências de leis e normas de funcionamento evitando desadequados

Obter de licenças, inscrições, atestados, certificados e alvarás diversos

Ter transparência com licenças, inscrições, atestados, certificados e alvarás diversos

Compensar

prejuízos a terceiros.

Aproveitar-se de Instrumentos de políticas

Manter-se apito a beneficiar- se de Instrumentos de

políticas

Atender requisitos de instrumentos políticas públicas.

Demonstra cumpri os requisitos de acesso a políticas públicas.

Pilar Normativo Ganho Manutenção Reparação

Adaptar-se aos ideais Monitorar ética Desculpar/ justificar Produzir resultados adequados Consultar as categorias

profissionais

Incorporar-se a instituições Monitorar a responsabilidade Oferecer demonstrações

simbólicas

Comunicar-se oficialmente

Selecionar o domínio Favorecer a boa conduta Desassociar

Definir metas Monitorar a responsabilidade Reconfigurar Comunicar-se oficialmente Substituir pessoal Estocar opiniões favoráveis Rever as práticas

Persuadir

Demonstrar sucesso

Fazer proselitismo (indivíduo convertido a uma doutrina ou ideia)

Pilar Cognitivo Ganho Manutenção Reparação

Estratégia Estratégia Estratégia

Exemplificação Suplicação Promoção organizacional

Intimidação Insinuação

Táticas Táticas Táticas

Handicapping organizacional Explicações Retratação Comportamento pró-social Desculpas Restituição Comportamento pró-social Fonte: Adaptado de Suchman (1995).

A questão da legitimidade organizacional tem sido estudada especialmente na teoria institucional, que trata do inter-relacionamento entre indivíduo, organização e ambiente. Mark Suchman escreveu em 1995 o artigo intitulado “Gerenciando Legitimidade: Abordagens Estratégica e Institucional”, no qual forneceu elementos conceituais importantes para o desenvolvimento da Teoria da Legitimidade. Para Suchman (1995), a legitimidade é uma percepção ou suposição generalizada de que as ações de uma entidade são desejáveis, adequadas ou apropriadas em algum sistema socialmente construído de normas, valores, crenças e definições.

Dentro desse contexto, o uso de estratégias e táticas parece demonstrar indícios de um processo de gerenciamento de impressões, desenvolvido pelas lojas para serem reconhecidas como legítimas em seu ambiente, cognitivamente. Desta maneira, o processo de comunicação das lojas, dentro da perspectiva do gerenciamento de impressões, reflete as estratégias e táticas organizacionais de ajustamento ao ambiente, coincidindo com o pilar institucional cultural-cognitivo proposto por Scott (2014). Por isso, outras categorias analíticas foram adotadas nesta pesquisa para explicar a legitimação cognitiva, que está na base do processo de legitimação, sendo elas a insinuação, a autopromoção, a exemplificação, a intimidação, a suplicação e outras associadas às táticas e estratégias de GI, já apontadas na revisão teórica.

Nesta investigação buscou-se maior profundidade na análise dessas três bases de legitimidade, à medida que foram investigadas as muitas fontes influentes de legitimidade, sendo elas próprias presentes nas organizações. Cada uma com seus próprios tomadores de decisão individuais, processos internos e ambientes externos.

Este trabalho se baseia na combinação de orientações de fontes de dados apontados por Scott (1995, 2014), assim como de Suchman (1995), no que diz respeito aos pilares regulativo e normativo. Já a teoria de Gerenciamento de Impressões demonstra ser a abordagem mais adequada para analisar legitimidade, no que diz respeito ao pilar cultural- cognitivo.

O pilar cognitivo (ampliado por Scott para cultural-cognitivo), segundo Suchman (1995), decorre principalmente da disponibilidade de modelos culturais que fornecem explicações plausíveis para a organização e seus esforços. No paradigma cognitivo, o que uma organização faz é, em grande parte, uma função da representação interna da organização no contexto institucional. Quando se usa o rótulo cognitivo-cultural se enfatiza que os processos interpretativos internos são moldados por estruturas culturais externas, sendo que os elementos cognitivo-culturais das instituições chamam a atenção para essas formas culturais

mais incorporadas pelas lojas e adotadas em suas estratégias e táticas de gerenciamento de impressões, sendo as organizações as próprias fontes de dados para a análise de legitimação.

Para identificar os mecanismos de institucionalização ligados ao pilar cultural- cognitivo foram adotados indicadores desenvolvidos para analisar as táticas e estratégias de legitimação apontadas pela abordagem de GI. Como as estratégias, segundo Mendonça e Amantino-de-Andrade (2003), procuram prioritariamente estabelecer a imagem e a reputação da organização, os indicadores desenvolvidos por Mohamed, Gardner e Paolillo (1999) para investigar as estratégias de legitimação das organizações que estão mais vinculadas ao ganho e manutenção da legitimidade, enquanto os indicadores de táticas que visam enfrentar, ou prevenir, possíveis problemas de imagem que poderiam comprometer a legitimidade da organização em seu espaço social, estão mais vinculadas à reparação e manutenção.

Como se trata de uma pesquisa qualitativa que gera muitos dados de pesquisa, já que todas as entrevistas foram transcritas de forma integral, bem como as observações registradas no diário de campo, formando arquivos em textos digitais, fez-se necessário o uso de ferramentas digitais de sistematização dos dados que se sobressaíram, para serem codificados e classificados para posterior inferência. Para isso, optou-se pelo uso do software MAXQDA versão 1218. Esse software facilitou que as frases registradas na coleta de dados fossem organizadas nas categorias semânticas definidas.

A análise sobre a institucionalidade se centrou nas respostas obtidas por meio dos dados coletados sobre as lojas nas entrevistas e análises de seu espaço físico, que serão chamados nesta tese de palco, local no qual os espetáculos de comercialização de alimentos orgânicos acontecem, assim como a performance dos atores em atuação com a plateia (neste caso os consumidores) e com outros atores no campo organizacional. Os dados da pesquisa visam investigar os mecanismos de institucionalização a partir das respostas dadas pelas lojas, no intuito de se legitimarem no varejo de alimentos na cidade conforme demonstra o modelo teórico na Figura 5.

18 O MAXQDA é um software profissional para análise de dados qualitativos e métodos mistos de pesquisa. O

uso do MAXQDA é reconhecido pela comunidade científica internacional e atualmente ele é utilizado por milhares de acadêmicos ao redor do mundo. Para mais informações acessar < http://www.maxqda.com/>.

Figura 5 – Processo de legitimação através do Gerenciamento de Impressões Organizacional

Fonte: Adaptado de Mendonça (2003).

Segundo o modelo teórico, cada tipo de loja utiliza diferentes maneiras de legitimação que foram classificadas nas categorias de institucionalização:

a) regulativa; b) normativa e c) cultural-cognitiva.

Essas maneiras de legitimação foram analisadas a partir da metáfora teatral e dos dados sobre a interação dos personagens que atuam na loja e no campo organizacional. Elsbach e Sutton (1992) argumentam que um maior entendimento de como as organizações adquirem e protegem a legitimidade pode ser obtido através da combinação entre as perspectivas institucional e de gerenciamento de impressões.

Como já foi abordado, o gerenciamento de impressões não trata apenas de estratégias e táticas, mas pode também ser entendido como um processo de comunicação onde são criadas e enviadas mensagens para uma audiência com o objetivo de transmitir determinada imagem ou impressão. Tendo como referência o GI, optou-se por incorporar desta teoria também um modelo de análise dramatúrgica das interações humanas. Para isso, fez-se em alguns momentos, quando necessária, a utilização de conceitos teatrais tais como: roteiro, palco, diálogo, direção, fantasias e adereços, confronto entre os protagonistas e os antagonistas, lealdade dramatúrgica entre outros. Os elementos dramatúrgicos utilizados durante a análise da pesquisa foram: ator coprotagonista (vendedor), diretor geral (proprietário), diretor executivo (o gerente, quando há), a loja (protagonista por um lado por ter atributos humanos e palco ao mesmo tempo), ator coadjuvante (outras organizações), plateia, audiência ou público (cliente), palco (loja), cenário, script, performance, adereços e espetáculo (interação vendedor/cliente).

Talvez a contribuição mais ambiciosa desta proposta de análise seja de combinar criticamente essas diferentes abordagens de legitimação com o objetivo de integrá-las e consolidá-las para criar conhecimento cumulativo em vez de manter a autonomia teórica, tendo como fonte de dados a própria organização. Ressalta-se o que Deephouse e Suchman (2008) concluem ao tratar sobre as fontes de dados em pesquisa sobre legitimação organizacional, que o desenvolvimento de uma teoria abrangente de legitimação permanece inacabados. Mais de duas décadas depois do artigo de Suchman (1995), os autores ainda acham que a maioria dos tratamentos cobre apenas um aspecto limitado deste tema. Os autores notam, no entanto, que o desenvolvimento de uma teoria exigiria esforços de muitas pessoas e muitos anos, que passa pela combinação de teorias com dimensões e fontes particulares de legitimação.

Após a explicação da forma pela qual a análise dos dados foi dirigida, serão apresentados os capítulos desta tese que tratam das análises desta pesquisa, iniciando pelo

capítulo que explica o contexto institucional e apresenta os elementos institucionais mais amplos que funcionam como um roteiro social, em que os atores usam mais para se orientarem do que desempenhar seu papel. Todos os atores do espetáculo se encontram vulneráveis às determinações do roteiro do varejo de alimentos de Belém, no entanto, há um problema fundamental que o capítulo sobre a análise do campo organizacional analisa, que é o fato de que mesmo com roteiro, há espaço no cenário do varejo de alimentos para coadjuvantes se apresentarem como heróis e assim se legitimarem como protagonistas.

5 TRANSFORMAÇÃO DOS REGIMES AGROALIMENTARES NA CIDADE E AS