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3 AS ABORDAGENS INSTITUCIONALISTAS

3.1 PRIMEIROS INSTITUCIONALISTAS

Segundo Carvalho, Vieira e Goulart (2012), o pensamento institucionalista teve origem no final do século XIX, como herdeiro de uma tradição clássica da economia política que deu origem à escola institucionalista, tendo como grande fundador Tosten Veblen e John Commons, e com menor participação de Wesley Mitchell. A teoria econômica desenvolvida por esses autores tentou demonstrar que grande parte do comportamento humano são atualizações, refinamentos, ajustamentos institucionais ou evoluções dos comportamentos

relevantes das instituições instalados previamente a partir de inflexões históricas. O conceito de instituições para Veblen (1983) é tido como hábitos de pensamento e comportamento das pessoas (em um sentido abrangente) que, por sua vez, são influenciados pelo contexto que exerce efeitos sobre o comportamento dos indivíduos, gerando, assim, a partir das interações entre os indivíduos, novas instituições que acabam produzindo uma trajetória de transformação permanente chamada de causação cumulativa. Uma instituição é, portanto, o resultado de uma ação coletiva que controla, libera ou amplia a ação individual; em que ocorre interação entre instituições e indivíduos, bem como entre indivíduos através das instituições e destas entre si.

Veblen (1983) chama a atenção para o fato de que tais instituições não são estruturas rígidas e imutáveis, pelo contrário, considera que a vida do homem assim como a vida de outras espécies é uma luta pela existência, ou seja, é um processo de seleção adaptativa. Assim, o autor usa os conceitos da ecologia como variação ou variabilidade, seleção e herança para explicar que em determinados contextos as instituições herdadas podem mudar (variabilidade) através de um processo de seleção que não tem como princípio a eficiência competitiva utilitarista (obtenção de uma rentabilidade igual ou superior aos rivais no mercado), e sim a eficiência adaptativa, tendo como desafio principal a inserção no ambiente institucional. Tal mudança (mutação), assim como na genética, seria irreversível, cumulativa e ajudaria explicar trajetórias econômicas no futuro sobre o passado, sendo que o vice e versa não é verdadeiro.

Veblen parece também influenciado por preocupações dos intelectuais do período em que viveu (final do século XIX e início do século XX), o que o leva a externar opinião quanto à direção das mudanças na sociedade, considerando necessárias transformações no capitalismo como condição para trazer igualdade entre os homens, e que tal igualdade somente ocorreria em um sistema fundamentado no controle comunitário da economia e baseado na produção comum ao invés de fundada no lucro privado (CONCEIÇÃO, 2007). Ao tratar de mudanças econômicas, Veblen se aproxima menos de Marx e mais do movimento que surge no século XVIII, e que defende o cooperativismo como alternativa ao capitalismo, por julgar que a história “evolui” enquanto processo “absurd” (sem sentido), com uma trajetória cega, inexistindo qualquer movimento dialético que leve a rupturas pré- estabelecidas ou “redentoras”, muito menos a qualquer processo determinístico de progresso (DUGGER, 1988).

Para Veblen, involuntariamente e sem a possibilidade de planejamento humano eficaz, certas instituições e padrões de comportamento tornam-se mais efetivos em determinados

contextos ambientais. Assim, Veblen (1983) discorda dos economistas neoclássicos ortodoxos de sua época (sistema de liberdade natural) e dos marxistas (progresso dialético), no sentido de que não vê no desenvolvimento da economia um resultado/fim positivo (benevolente). Dada a sua visão existencialista da história, não há como imputar à economia um fim inevitavelmente bom, já que a história é cotidianamente interpretada pelos próprios atores. Para Conceição (2007), o pensamento econômico institucionalista está mais próximo do campo analítico heterodoxo do que no mainstrean neoclássico, visto que seus princípios teóricos originaram-se da oposição aos fundamentos de equilíbrio, otimalidade e racionalidade substantiva.

Nesse sentido, a adversidade, a adaptação e a seleção são elementos tidos como fundamentais para a definição de estratégias das organizações econômicas, assim como para explicar as trajetórias de crescimento econômico, sendo que as mudanças provocadas pela seleção criam expectativas de confirmação incerta impossível de ser matematizada por modelos econométricos. Independentemente do fato de Veblen, Commons e Mitchell estarem corretos em suas análises e afirmações, suas ideias não prevaleceram no âmbito da disciplina de economia no início do século XX: a teoria neoclássica foi vitoriosa como pensamento econômico dominante e continua o seu domínio acadêmico até o presente momento.

Críticos do pensamento dos primeiros institucionalistas, apontam que os autores desenvolveram uma linha analítica demasiadamente descritiva, deixando para um segundo plano questões teóricas não resolvidas (DIMAGGIO; POWELL, 1991). Alguns simpatizantes, como Gunnar Myrdal (1953), qualificam esse institucionalismo americano de “empiricismo ingênuo”. Já Hodgson (1993) considera que as principais razões para o insucesso do institucionalismo são outras. Em especial, os primeiros institucionalismos foram parcialmente atingidos pelo resultado combinado de mudanças profundas nas ciências sociais no período de 1910 a 1940, tais como o crescimento de um estilo matemático da economia neoclássica na década de 1930, período assolado pela depressão econômica. A psicologia comportamental e a filosofia positivista destituíram a psicologia do instinto e a filosofia pragmática, sobre as quais o institucionalismo original tinha sido construído.

Por essas e outras razões, segundo Scott (2014), a teoria institucionalista foi ofuscada ao longo das primeiras décadas do século XX, apenas para ser redescoberta e renovada na segunda metade do século, sendo poucos os economistas que tentaram levar adiante a agenda dos institucionalistas. Entre eles, os mais conhecidos foram Schumpeter, Karl Polanyi, John Kenneth Galbraith, e Gunnar Myrdal. A partir da década de 1960 até o presente momento a

teoria institucional não apenas cresceu, mas floresceu para se tornar uma abordagem teórica que orienta estudos organizacionais e de gestão.

Ainda se tratando dos primeiros institucionalistas, mas especificamente os de orientação sociológica, considera-se que a gênese do pensamento no institucionalismo sociológico foi contemplado pelos autores clássicos da sociologia, de modo mais geral, segundo Scott (2014, p. 26 ), Karl Marx foi o primeiro grande teórico a “destacar as forças sociais mais amplas que atuam sobre e através das organizações, destacando a forma como o ambiente mais amplo e a organização são estruturadas por relações de classe e de conflitos.

Outros autores relevantes envolvidos na criação de teorias sociológicas coincidentes com o pensamento institucionalista, segundo Scott (2014), foram Durkheim e Weber. Durkheim se aproximou das proposições básicas do institucionalismo ao tratar da passagem de uma solidariedade mecânica à solidariedade orgânica e do papel das normas e instituições para a coesão social. Para Durkheim (1978), os fatos sociais, conceito central de sua teoria, são as próprias instituições em si, ou seja, ele considera que as instituições se constituem de crenças, das tendências e práticas de grupo tomadas coletivamente.

Weber, apesar de não adotar o conceito de instituição em sua teoria sociológica, destaca também aspectos significativos em sua análise sobre a sociedade moderna que são também preocupações do institucionalismo sociológico, como a dimensão cultural e ética na construção histórica das estruturas econômicas e sociais. Suas ideias abriram caminho para a construção de formulações que reconhecem que a sociedade contém subgrupos que atuam com características similares e permitem uma margem de previsibilidade de seus atos. Para esse autor, o Estado moderno tem papel relevante no que define como dominação, que apresenta caráter institucional e que procura (com êxito) monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de autoridade e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigentes os meios materiais da gestão.

Segundo Scott (2014 p. 33), influenciado pelo trabalho de George Herbert Mead, assim como pelo de Alfred Schultz, Berger e Luckmann (2003), redirecionaram a sociologia do conhecimento para longe de suas preocupações anteriores com questões epistemológicas que insistem que “a sociologia deve preocupar-se com tudo o que se passa “entorno do conhecimento na sociedade”. Os autores afirmam que a centralidade dos sistemas cognitivos constitui a base para a versão sociológica de um novo institucionalismo em organizações. Berger e Luckmann (2004) argumentaram que a realidade social é construção humana e ressaltam esta posição em sua atenção à linguagem (sistemas de símbolos) e cognição mediada por processos sociais, como cruciais para as formas em que as ações são produzidas

e repetidas para evocar significados estáveis. A pretensão teórica dos autores é de demonstrar como seria possível combinar a posições de Weber e Durkheim para desenvolver uma teoria da ação, sem perder a lógica interior de ambas (BERGER; LUCKMANN, 2004).

Além desses autores acima mencionados, Scott (2014) destaca atenção especial, entre os precoces institucionalistas dentro da teoria sociológica, os trabalhos desenvolvidos por George Herbert Mead, por colocar em evidência o papel desempenhado pelos sistemas simbólicos na criação tanto do humano quanto do social. Berger e Luckmann (2004) também reconhecem a influência de Mead ao afirmarem que a ligação por eles estabelecidas entre o seu pensamento e teorias sociológicas sugere uma interessante possibilidade para o que poderia se chamar de psicologia sociológica.

Certamente outros cientistas sociais contemporâneos continuaram a perseguir e refinar as ideias de seus predecessores institucionais, criando abordagens teóricas nem sempre convergentes e que definem instituições de maneira heterogênea. Os trabalhos iniciais que são reconhecidos como precoces institucionalistas por Scott (2014) compartilham algumas limitações superadas por outros autores que retomam o interesse pela abordagem a partir da segunda metade do século XX, como, por exemplo, a pouca atenção concedida às organizações (SCOTT, 2014); ser profundamente narrativos e com poucas análises comparativas compostas principalmente de descrições sobrepostas de várias configurações institucionais em diferentes países (DIMAGGIO; POWELL, 1991).

A partir de críticas, complementos e rupturas o institucionalismo ganhou novas subdivisões para fins didáticos, que agruparam abordagens desenvolvidas por distintos autores. Apesar das divergências conceituais, conforme Conceição (2002), todos os autores conservam como princípios teóricos:

a) o reconhecimento do conceito de path dependence, ou seja, de que a história importa e que o legado do passado condiciona o futuro;

b) o caráter irreversivelmente diferenciado do processo de desenvolvimento social; e c) a pressuposição que o ambiente social envolve disputas, antagonismos, conflitos e incerteza. Para Conceição (2002), as contribuições teóricas de cada abordagem, ao invés de invalidarem a ideia original, a reforçam, constituindo a própria fonte de riqueza do pensamento institucionalista.

Esta seção teve como o objetivo fazer uma breve introdução e apresentar a trajetória de desenvolvimento do estudo institucional que deu origem ou influenciou o que é hoje classificado como neoinstitucionalismo. Em seguida, será apresentado como o novo pensamento institucionalista se desenvolveu dentro de diferentes áreas do conhecimento,

sendo as principais, na perspectiva de Carvalho, Vieira e Goulart (2012) e a assumida neste trabalho, a econômica, política e a sociológica, oferecendo importantes subsídios para o entendimento de fenômenos sociais em seus respectivos âmbitos do conhecimento. Para cada uma destas três áreas do conhecimento será apresentada a influência do institucionalismo para o surgimento de novas abordagens, classificadas como novas e/ou neoinstitucionalistas. Por fim, é apresentada uma discussão justificando os motivos da escolha desta abordagem como referencial teórico desta tese, demonstrando a convergência do conceito de campo organizacional para a interpretação de ambientes institucionais, os quais agentes se legitimam e continuam existindo mesmo diante de contingências estruturais, o que coincidente ao caso pesquisado nesta tese em que as lojas que comercializam alimentos orgânicos são em certa medida alternativas resistentes à concentração e ao poder exercido no varejo pelos supermercados, assim como, em parte, assumem a “lógica alimentar dominante”, conforme será tratado ao longo da tese.