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2 A MODERNA COMERCIALIZAÇÃO CAPITALISTA DE ALIMENTOS

2.1 CRÍTICAS AO REGIME

Enquanto escrevia esta seção acompanho as notícias sobre a operação da polícia federal nomeada de “a carne é fraca”, deflagrada em março de 2017, que escandalizou o país ao revelar que as maiores indústrias processadoras de carnes do mundo, donas de diversas marcas consumidas pelos brasileiros e até patrocinadora da seleção de futebol do país, comercializavam carne estragada e produtos adulterados supostamente até com papelão.

O escândalo ganhou repercussão não apenas por revelar os riscos do consumo de alimentos industrializados com certificados sanitários obtidos sem qualquer fiscalização, vendidos por grandes corporações que passaram dominar o comércio de alimentos no mundo, em especial, neste caso, as cadeias de proteína animal, como também por demonstrar o poder que grandes corporações agroalimentares exercem sobre o Estado brasileiro, principalmente através de mecanismos de financiamento de campanhas eleitorais, que geram influências em diversos ministérios, empresas, através de lobbys agrícolas, lobbys de consumo e outros, além de pagamento de propina à funcionários públicos responsáveis por fiscalizações, o que amplia o poder de concorrência dessas empresas e de determinação de consumo, tornando-as extremamente poderosas.

Em seu livro amplamente elogiado, Nestle (2013) demonstra como o lobby, nas relações públicas e manobras políticas, favorecem a indústria alimentícia. A autora demonstra, com suas pesquisas, que a maioria dos funcionários das agências federais de agricultura e de saúde dos EUA entende que suas unidades são chefiadas por políticos nomeados cujas preocupações refletem as do partido político no poder e cujas ações devem ser aceitáveis para o congresso. Segundo a autora, os membros do congresso, por sua vez, devem ser sensíveis às preocupações das corporações que ajudam a financiar suas campanhas, como parte de um sistema político que confere às grandes corporações poder para comercializar produtos de qualidade adulterada de formas completamente legais.

Essa relação entre Estado e empresas com interesse exclusivamente orientados pelo lucro já era alvo de críticas no capítulo do livro sobre a jornada de trabalho “O Capital”, escrito por Karl Marx, que trata da adulteração do pão revelada pelo relatório do comitê da Câmara dos Comuns elaborado nos anos de 1855 e 1856 em Londres. Muito embora tenha reconhecido a irregularidade na produção de pães, o comitê aprovou uma lei ineficaz para impedir a adulteração de artigos alimentares e bebidas (MARX, 2014). Apesar de muito antiga a questão dos riscos alimentares nas sociedades modernas e suas consequências, ela parece ter recebido uma quantidade crescente de atenção, tanto da mídia e da academia, à

medida que os riscos de contaminação dos alimentos tornaram-se mais globalizados (NESTLE, 2003) e ao passo que ocorre uma crescente concentração da indústria de alimentos (NESTLE, 2013).

As críticas ao RAI atuais não se resumem às desconfianças em relação aos alimentos industrializados por grandes corporações com grande poder econômico (facilmente convertido em poder político para satisfazer seus interesses), mas também aos prejuízos à saúde pública, ao meio ambiente (principalmente de cadeias agroalimentares longas) e à agricultura. Nesse caso, além de gerarem injustiças sociais à agricultores familiares e camponeses em todo mundo, ampliam os conflitos pelo acesso à terra, insegurança alimentar, perda de qualidades sensoriais dos alimentos, entre outros problemas que serão abordados nesta seção.

Um dos principais problemas apontados como efeito das atividades agroalimentares são aqueles tratados pela questão ambiental. O livro “Primavera Silenciosa”, escrito por Rachel Carson em 1962, que documentou os efeitos danosos dos pesticidas no ambiente, particularmente em aves, deu uma importante projeção aos efeitos sobre a fauna do uso de produtos químicos na agricultura. No entanto, a questão ambiental de fato conquistou contornos globais com a realização da primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em Estocolmo, em 1972, e a segunda realizada em 1992 no Rio de Janeiro que ajudou a divulgar o conteúdo do relatório das Nações Unidas elaborado em 1987, intitulado “Nosso Futuro Comum”6

, como resultado da inquietação que parece ter atingido todo o planeta.

Evidentemente, ao longo de mais de 40 anos de discussões da questão ambiental em fóruns internacionais, muitos acordos foram criados e assinados por chefes de Estado de diversos países no intuito de reduzir os impactos ambientais causados pelas atividades agroalimentares. No entanto, existem muitos fatores inerentes aos sistemas políticos e econômicos, dificultando que a orientação de ações baseadas na preocupação de que o “futuro comum” possa se impor no momento das negociações de ações concretas, como também na fase da implantação das estratégias de políticas públicas. Um exemplo dessas dificuldades são as iniciativas de empresas multinacionais que, muitas vezes, sob um discurso de sustentabilidade e responsabilidade corporativa, segundo Bravo e Bravo (2011), pressionam para que os Estados criem regulamentos permitindo agricultores encherem vastas regiões de

6 Em 1987 ocorreu a divulgação do Relatório Brundtland, intitulado “Nosso futuro comum”, pela Comissão

Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, que popularizou a expressão “desenvolvimento sustentável” e sua definição, considerada a mais próxima do consenso oficial.

culturas geneticamente modificadas, pesticidas, com misturas cada vez mais concentradas, promovendo um modelo de produção baseado na monocultura, que favorece a perda da agrobiodiversidade e polui diversos ecossistemas.

Atualmente, segundo Friedmann (2005), as grandes empresas transnacionais são os principais agentes que tentam regular as condições agroalimentares, isto é, que tentam organizar condições estáveis de produção e consumo que lhes permitam planejar investimentos e abastecimento de matérias-primas agrícolas, em detrimento de um custo ambiental enorme. Bravo e Bravo (2011) afirmam que, na América Latina, as políticas nacionais e internacionais têm dado cada vez mais poderes a grandes corporações que compõem o RAI que priorizam a produção agrícola em forma de monocultivo, essencial à indústria, e que são responsáveis por transformações gerais no ambiente.

Para Guzmán et al. (2002), a modernização global da gestão dos recursos naturais, desenvolvida através da implementação da Revolução Verde, generalizou a hegemonia da agricultura industrializada, que substitui de forma definitiva os ciclos fechados de energia e materiais pelo uso massivo de insumos externos de energia não renovável. Isso causa efeitos negativos sobre os recursos naturais abióticos e sobre os próprios seres vivos, incluindo os humanos. A magnitude dos efeitos das atividades industriais da agricultura, que incorporou tecnologias altamente poluentes (pesticidas, fertilizantes químicos etc.), já foi objeto de investigação de diversos autores que têm posto em evidência as práticas prejudiciais ao ambiente.

O Quadro 1 sintetiza de forma didática os problemas ambientais, em uma concepção construtivista7, tratados em trabalhos acadêmicos que associam os impactos desses problemas ao ambiente às práticas agrícolas integradas ao RAI. Certamente existem diversas outras pesquisas que tiveram como objeto os efeitos da agricultura industrializada sobre o ambiente, contudo, o quadro mostra exemplos sem esgotar a discussão sobre o assunto.

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Nas ciências sociais, a emergente área da sociologia ambiental tem contribuído bastante para essa discussão a partir dos debates travados entre realistas e construtivistas sociais. Enquanto na primeira corrente destacam- se as contribuições de autores como Catton e Dunlap com a sua proposição de um Novo Paradigma Ambiental, na segunda são de fundamental relevância as contribuições de John Hannigan, Ulrick Beck e Anthony Giddens. Na perspectiva de procurar superar o dualismo entre estrutura e ação, ou o dualismo entre objetivismo e subjetivismo, como tem sido chamado, esses dois últimos autores têm se destacado por centrarem seus trabalhos sobre a questão dos riscos gerados pelas sociedades altamente modernas, fundamentando-se sobre a noção da ação reflexiva dos seres humanos: ao mesmo tempo em que as sociedades humanas agem sobre o ambiente, este age sobre as sociedades humanas (FLORIT, 1998; GUIVANT, 2002; MATTEDI, 2003).

Quadro 1 – Principais problemas, apontados em trabalhos científicos, que têm como causa a agricultura industrializada

Delimitação do ambiente

Mudanças provocadas Algumas consequências Exemplo de resultado de pesquisa

Ecossistemas de Solos Erosão  Perda de camadas mais férteis;  Perda de Matéria Orgânica;  Desertificação;  Mudança da estrutura do solo; Tolerância de perdas de solo na bacia do Rio Itiquira, Mato Grosso, Brasil.1 Degradação química e física  Redução da vegetação;  Salinização;  Contaminação por agrotóxico;  Compactação Contaminação do solo e da água pelo uso de

agrotóxicos.2 Redução da biodiversidade  Perda da macro e microfauna do solo;  Perda da capacidade de regeneração da vegetação Avaliação do impacto de áreas agrícolas de Bom Repouso (MG) por meio de ensaios

ecotoxicológicos.3 Ecossistemas Aquáticos Contaminação e

esgotamento de cursos d’água.

 Contaminação de lençóis freáticos e cursos d’água e recursos marinhos;  Eutrofização  Uso excessivo de água; Resíduos de agrotóxicos na água de rios da Depressão Central do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.4 Florestas Perda da sociobiodiversidade  Redução de diversidade genética;  Redução das populações e povos tradicionais;  Extinção de espécies;  Introdução de espécies exógena

Moment of truth for the Cerrado hotspot.5

Atmosfera Poluição  Deriva na aplicação de agrotóxicos;

 Emissão de gazes tóxicos pelo uso de produtos químicos e queimadas

Avaliação dos impactos ambientais na aplicação dos agrotóxicos.6 Alteração de sua composição  Emissão de gazes de efeito estufa;  Redução da camada ozônio.

Brazilian greenhouse gas emissions: the importance of agriculture and livestock.7

Fonte: 1 Oka-Fiori, Fiori e Hasu (2004); 2 Lima (2010); 3 Marchesan et al. (2010); 4 Strassburg et al. (2017); 5 Leite e Valdés (2013); 6 Cerri et al. (2009).

Os trabalhos citados no quadro tratam das consequências ambientais no Brasil de atividades agrícolas integradas à cadeias alimentares globais que alteram o funcionamento dos ecossistemas que prejudicam a manutenção da vida (incluído a humana em certos contextos) e causam riscos de grandes proporções, como os apontados por Strassburg et al. (2017), que prevê que neste cenário de combinação de proteção limitada e pressão marcada pela expansão agrícola da cadeia da soja e cana-de-açúcar, cerca de que 31 a 34% do Cerrado remanescente deverá desaparecer até 2050.

Os riscos provocados pela agricultura industrializada, que é parte integrante das cadeias agroalimentares globais, dão suporte empírico para o que Beck (2010) chamou de sociedade de risco. Ulrick Beck substitui a ideia de ordem social na modernidade pela de risco sistêmico. Sua tese central da sociedade de risco sustenta que a produção e distribuição social de riquezas (trabalho, bens, bem-estar social) se veem hoje acompanhadas da produção e distribuição social de riscos (poluição, crises econômicas, terrorismo etc.). Para o autor, os perigos hoje são fabricados de forma industrial, exteriorizados economicamente, individualizados no plano jurídico, legitimados no plano das ciências exatas e minimizados no plano político (BECK, 2010.

Beck (2010) alerta que os perigos gerados pela sociedade globalizada e controlada por grandes corporações econômicas são sistêmicos e que o caso dos atuais RAI não são provocados apenas no processo produtivo agrícola, mas também por grandes indústrias de processamento, empresas comerciais e cadeias de supermercados – consideradas por Ploeg (2008, p. 20) como de fato “impérios alimentares”, que exercem seus “poderes de monopólio sobre toda a cadeia de abastecimento alimentar”.

Pretty et al. (2005) demonstram os efeitos sistêmicos de diferentes formas de obtenção de alimentos e afirma que a maioria dessas abordagens sobre os impactos ambientais tem se centrado sobre reflexões até o portão da fazenda, e não avaliaram os efeitos ambientais adicionais do transporte de gêneros alimentícios desde o processamento, passando pelo atacado até chegar ao varejo. Esses custos de transporte, ou “food miles”, podem ser significativos, a depender da forma de obtenção dos alimentos. Os autores realizaram um trabalho que investigou o custo total da cesta alimentar semanal do Reino Unido, contemplando os custos ambientais desde a saída das principais commodities alimentares, passando pelo transporte para os estabelecimentos do varejo e depois para os lares dos consumidores, além daqueles para a eliminação de resíduos.

Os resultados mostraram que os custos ambientais com as externalidades agrícolas (que para os autores tratam da quantidade de insumos agrícolas usados, emissão de poluentes,

perdas da biodiversidade e valores paisagístico, e efeitos adversos para a saúde humana), o transporte rodoviário doméstico para lojas de varejo, o transporte doméstico de compras e os subsídios são os principais contribuintes para a obtenção dos alimentos. Segundo os autores, alguns desses custos poderiam ser evitados com a adoção de sistemas agrícolas e de distribuição de alimentos mais sustentáveis.

Em um sentido amplo, o risco do atual RAI não é apenas o ambiental, mas envolve outros contextos diversos e complexos, o que provoca o surgimento do que Beck, (2010) chama de “comunidades cosmopolitas de risco”. A sociedade está cada vez mais preocupada com as procedências, segurança, autenticidades e com a indústria de alimentos que originou uma nova categoria de risco que ganhou expressão na Europa com o advento da

Encefalopatia Espongiforme Bovina (comumente conhecida como a “doença das vacas

loucas”), assim como estimulada, entre outras coisas, pela utilização das biotecnologias transgênicas e, no Brasil, pelos já constantes escândalos alimentares, a exemplo do caso da operação da Polícia Federal “A carne é fraca”.

Buchler, Smith e Lawrence (2010) atribuem que os riscos provocados pelos alimentos pertencem a duas dimensões, uma relacionada a regulação e outra à contaminação, sendo a primeira um risco “moderno” e o segundo “tradicional”. A pesquisa dos autores na Austrália demonstra o quanto os consumidores estão preocupados com os “riscos modernos” dos alimentos. As pesquisas realizadas no país constataram que 54% dos entrevistados afirmaram que os supermercados não são confiáveis para vender alimentos seguros para os consumidores, assim como 49% expressaram insatisfação com a forma como a indústria de alimentos é regulada no país. Esses estudos sugerem que a regulamentação da indústria de alimentos pelo Estado é algo sujeito a desconfianças, a influência de agentes que representam apenas os interesses econômicos das indústrias, por exemplo, através de lobbies, e que a adulteração e a contaminação dos alimentos são um risco expressivo para o consumidor.

A falta de confiança dos consumidores na regulação de alimentos também está presente no Brasil e se justifica pelos inúmeros escândalos envolvendo irregularidades nos vegetais envenenados com quantidades excessivas de agrotóxicos (ANVISA, 2013), no leite contaminado, por exemplo, como o constatado em análises realizadas pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP) e o Ministério da Agricultura, em 2013, nos produtos lácteos comercializados pelas empresas Italac, Líder, Mu-Mu e Latvida, em doces com larvas da empresa Lacta no Rio de Janeiro, que foi obrigada a pagar uma indenização de R$ 30 mil a uma consumidora, entre outros escândalos envolvendo a indústria alimentícia. A falta de clareza das informações de composição dos alimentos em seus rótulos reforça a insegurança

com o consumo de alimentos ultraprocessados e ajudam explicar de alguma forma o porquê de as questões de segurança alimentar darem elevada importância para os riscos modernos, já que a indústria alimentícia dificulta aos consumidores o acesso a conhecimento e informações sobre o que está sendo consumido.

Essa falta de clareza sobre os alimentos, associada às mudanças provocadas pela urbanização rápida e os padrões de trabalho principalmente em grandes cidades, estabelecem uma redefinição dos hábitos culturais de se alimentar alterando o que, quando e como se come. Exemplos disso, segundo Lang (2005), estão na substituição da água por refrigerantes açucarados, na construção de praças de alimentação de grandes proporções em centros comerciais, com lanches de tamanhos gigantes e no que ele chama de “supermercadização” do consumo de alimentos.

Em termos de nutrição, essa mudança na dieta e nos hábitos alimentares tem provocado desiquilíbrio no consumo de nutrientes nos alimentos, fazendo com que cada vez mais pessoas optem por industrializados, muitas vezes com excesso de consumo de gorduras, sal e açúcares e, ao mesmo tempo, o subconsumo de frutas e legumes. Lang (2005) ilustra essa mudança de hábito no Reino Unido com dados sobre o consumo de refrigerante, produto que tem entre os principais ingredientes o açúcar. Segundo o autor, o consumo de refrigerantes cresceu de 100g por pessoa por semana em 1975 para mais de 500g em 2001. Esse desiquilíbrio nutricional provocado pelas mudanças de hábitos alimentares tem sido associado a uma série de problemas de saúde.

Obesidade e sobrepeso leves não tem sido apenas um problema crescente em países mais ricos economicamente, como também em alguns países em desenvolvimento. Segundo Lang (2005), países como a Índia, a China e o Brasil, para citar apenas três dos países mais populosos e influentes entre os em desenvolvimento, acompanham um rápido crescimento de doenças previamente associadas a uma alimentação desequilibrada, rica em sal, gordura e açúcares, com o agravante de não terem a mesma infraestrutura de saúde e políticas de estímulo a mudança de hábitos alimentares que os países mais ricos. Em países como o Estados Unidos, os problemas de saúde associados à obesidade já são responsáveis por gastos expressivos. Segundo Buchler, Smith e Lawrence (2010), os custos apenas com operações de estômago nos EUA são equivalentes a todo o orçamento da saúde do Vietnã, um país com mais de 90 milhões de pessoas.

Outros problemas de saúde atribuídos ao atual RAI, que pôs no centro o fornecimento de alimentos pelas indústrias, estão associados aos níveis elevados de colesterol, pressão alta, diabetes e câncer. Exemplo disso são os crescentes casos da obesidade infantil, que resulta de

interações complexas de mudanças sociais, econômicas, demográficas e ambientais que não apenas encorajam as pessoas a comerem mais alimentos do que o necessário para atender às suas necessidades energéticas, mas também incentivam as pessoas a fazer escolhas alimentares menos saudáveis e a criar barreiras à atividade física. Nestle (2013), em pesquisa realizada com crianças no EUA, constatou que em 1997, elas obtiveram 50% das suas calorias com adição de gordura e açúcar (35% e 15%, respectivamente), e apenas 1% delas consumiam dietas que se assemelhavam às proporções da pirâmide alimentar8.

As pessoas parecem cada vez mais confusas sobre o que devem comer, e muito se deve às estratégias da indústria alimentícia, que acreditam ter poder para influenciar, com o uso do seu poderio econômico, as decisões do Estado que tratam da regulação e fiscalização, a ponto de serem capazes de venderem qualquer coisa como alimento independentemente do seu valor nutricional ou do seu efeito sobre a saúde. No entanto, não basta apenas conseguir inserir no mercado qualquer produto como se fosse alimento, é preciso convencer o consumidor a compra-lo e, para isso, as empresas do setor de alimentos empregam uma variedade de métodos, todos muito bem-sucedidos, que combinam publicidade na televisão e na internet apenas como a parte mais visível, pois as empresas de alimentos também investem na adesão de novos consumidores aos seus produtos até por meios menos óbvios, como dentro das escolas.

Segundo Nestle (2013), a quantia gasta em marketing dirigida a crianças nos EUA aumentou de US$ 6,9 bilhões em 1992 para US$ 12,7 bilhões em 1997. No Brasil, segundo Media (2014), os investimentos em marketing de 2013 para 2014 da indústria alimentícia brasileira subiu 17%. Indústrias como a JBS - Friboi, uma das maiores indústrias de carnes do mundo, gastaram R$ 150 milhões em publicidade em 2013, segundo seu presidente, com propagandas até mesmo com conteúdo falso, como no caso de um filme publicitário estrelado pelo famoso ator brasileiro Tony Ramos em que uma nutricionista afirma que carne é essencial à nutrição humana, informação essa contestada por diversas pesquisas e pelo Conselho de Nutrição Brasileiro (SCARAMUZZO, 2014).

8 A pirâmide alimentar é um instrumento, sob a forma gráfica, que tem como objetivo orientar as pessoas para

uma dieta mais saudável. É um guia alimentar geral que demonstra como deve ser a alimentação diária para uma população saudável, acima de 2 anos de idade. Cada parte da pirâmide representa um grupo de alimentos e o número de porções recomendadas diariamente. Na alimentação diária devemos incluir sempre todos os grupos recomendados para garantir os nutrientes que o nosso organismo necessita. Os alimentos que precisam ser consumidos numa quantidade maior estão na base da pirâmide e os que precisam ser consumidos em menor quantidade estão no topo da pirâmide.

Numa época em que a maior parte da população vive em cidades, a segurança