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5 TRANSFORMAÇÃO DOS REGIMES AGROALIMENTARES NA CIDADE E

5.1 BELÉM ANTES DO INGRESSO NOS REGIMES AGROALIMENTARES

5.1.1 Antes dos europeus: sistema agroalimentar exclusivamente nativo

Antes da integração econômica com a chegada dos colonizadores europeus, o que veio ser batizado como a cidade de Belém e seu entorno, no que é chamado de nordeste paraense, ilha do Marajó e a parte baixa das bacias dos rios Amazonas e Tocantins, através de vestígios e registros deixados pelos primeiros colonizados, estudos apontam a existência antes da chegada dos colonizados de milhões de nativos vivendo na Amazônia hoje brasileira, organizados em diversas tribos, sendo que algumas deixaram como legado agroalimentar dezenas de plantas domesticadas que se tornaram quase que universais, tais como a mandioca, o cacau, o fumo, o guaraná, pimentas, o abacaxi, o mamão, a abóbora, o feijão, entre outras de grande consumo em Belém como o cupuaçu, açaí, taperebá, maracujá, goiaba, miriti, ingá, anajá, cará e bacuri, resultante de um processo longo de identificação e seleção de centenas de frutas nativas, plantas medicinais, técnicas de caça e pesca, corantes, oleaginosas, aromáticos, tóxicas etc.. Parte permanecem incorporadas aos hábitos agroalimentares mesmo após a chegada de colonizadores brancos, que estimularam mudanças que resultaram por um lado na importação de práticas agroalimentares tidas como mais adequadas e lucrativas, e por outra desvalorização e até mesmo perda de muito conhecimento e hábitos alimentares sobre a biodiversidade amazônica, principalmente através do genocídios dos nativos e seus hábitos agroalimentares promovidos pelo colonizadores europeus.

Esse fato torna-se evidente, quando se lê os livros de D'Abbeville (1975), que no capítulo XXXVIII descreve sobre as arvores frutíferas ordinárias que se encontram em ilhas do bioma amazônico onde hoje é o Maranhão, onde descreve a presença nas aldeias dos tupinambás, mesmos nativos citados pelos colonizadores como uma das tribos existentes onde hoje é Belém, de uma grande diversidade de frutas, sendo descritas apenas aquelas que

considerou como as “melhores arvores fructifera ali tão communs”, sendo algumas delas maracujá, bacuri, cupuaçu e palmeiras como o miriti e tucumã.

Os vestígios dos sistemas agroalimentares anteriores à chegada dos europeus ainda podem ser detectados hoje. Pesquisa realizadas por Levis et al. (2017) cobrindo sítios arqueológicos conhecidos na Amazônia concluíram que a abundância de espécies domésticas aumentam nas florestas e em torno de tais sítios. Essa informação revela que nos sítios arqueológicos, locais onde a população nativa da Amazônia se estabeleceram até a chegada dos europeus durante milhares de anos, as populações amazônicas constituíram um sistema de abastecimento composto não apenas de coleta, pesca e caça, mas de uma rica e diversificada prática agrícola. Segundo os autores da pesquisa na Amazônia, a domesticação de plantas começou há 8.000 anos, principalmente na periferia da bacia, onde populações de plantas domesticadas foram identificadas com análises genética e morfológica.

Um exemplo da evidências das práticas agrícolas e de domesticação de plantas realizada pela população nativa da Amazônia em diferentes pontos da floresta e sob diferentes condições ambientais, que transformam a composição da floresta, foi a associação de espécies encontradas em um talhão durante a pesquisa de Levis et al. (2017), (Inajá [Attalea maripa], murumuru [Astrocaryum murumuru], castanha-do-pará [Bertholletia excelsa], bacuri [Garcinia macrophylla], seringueira [Hevea brasiliensis], bacaba [Oenocarpus bacaba] e cacau [Theobroma spp.]), que provavelmente não ocorreriam ao acaso devido à localização dos seus nichos ecológicos distintos.

Dentre os índios tupi-guarani que habitavam a região onde hoje é Belém, os mais citados pelos historiadores são os Tupinambás, que viviam em aldeias pequenas, de menos de dez malocas, e segundo estudos de fontes documentais de viajantes europeus que mantiveram contato com tais grupos durante o primeiro século de colonização, os alimentos eram oriundos de atividades agrícolas e extrativistas, além do canibalismo, que segundo o relato de viajantes, não era motivado pela falta do mantimento, mas pelo desejo de vingança.

Relatos de D'Abbeville (2008), ao realizar vistas as ilhas no bioma amazônico no ano de 1614, reforçam as conclusões de que a agricultura dos povos nativos era formada por vários elementos e aspectos, que não incluíam apenas culturas alimentícias de ciclo curto, mas principalmente espécies perenes para a produção de frutas:

Em quanto na principal aldeia, e alguns velhos conversavam comnosco, cuidavam as mulheres em trazer-nos farinha, frutas, carne i peixe assado (isto é, tostado), e outras cousinha, apenas sabiam da nossa chegada. Os homens, armados de arco e flecha, iam caçar porcos do mato, tatus, e pacas, e outras qualidades de animaes proprios

para comida, de que lá existiam em grande quantidade, e que pilhavam facil e prontamente (D'ABBEVILLE, 2008).

Sobre os indígenas do Pará, Alexandre de Moura conta brevemente em seus relatórios de 1616 que estão em quase todas as diversas ilhas do litoral e plantam abundante mantimento. Ele não chega a explicitar os tipos de mantimentos, só afirma serem abundantes em diversas partes do texto como a seguir:

E entreguei ao Governador Gaspar de Sousa desde o Pereya primeira boca dele até o Rio das Amazonas, e é tudo um mar coalhado de ilhas de número infinito a que os mesmos naturais não sabem dar conhecimento. Algumas delas povoadas de infinito gentio e abundantes de todo o mantimento que plantam.

O trecho da narrativa acima, coincide com os estudos dos arqueólogos e demonstra que próximo as aldeias, os nativos ao receber visita estrangeira algumas vezes providenciavam alimentos não apenas oriundos de coleta e caça, mais também alimentos processados de ingredientes agrícolas como a mandioca, o que certamente era obtido predominantemente de locais próximos às aldeias. A complementariedade do trabalho de arqueólogos como o de Levis et al. (2017), com os relatos de viajantes que tiveram os primeiros contatos com indígenas na região onde hoje é Belém, se estabelece ao revelar que cada sítio arqueológico apresenta a diversidade e eficácia dos sistemas agrícolas, compostos principalmente de espécies de açaí, seringueira, cacau, taperebá, cupuaçu, castanha-do-pará e murumuru. Além disso, demonstra a existência de um sistema agroalimentar marcado por ser periférico à aldeia, completamente autônomo e altamente diversificado em termos de plantas cultivadas.

Relatos dos viajantes revelam uma autonomia completa nas práticas agrícolas dos nativos tupinambás, que processavam seus alimentos, produzindo bebidas fermentadas a base de milho e mandioca usada em rituais e festas, além de diversos outros preparos como a farinha. Para a realização da agricultura, estabeleciam uma divisão do trabalho dentro da própria aldeia, cabendo aos homens adultos e jovens o preparo do terreno, através da supressão da vegetação com cortes e queimada, prática ainda muito comum hoje e que contribui para a fertilização do solo pelas cinzas. Entre o plantio, destaca-se mandioca, mas também batatas, ervilhas, favas, diversas raízes, legumes e ervas semeadas pelas mulheres, segundo relados de D'Abbeville (2008). Havia uso de ferramentas para realização do semeio do milho e corte da mata desenvolvidos com materiais obtidos facilmente no ecossistema,

assim como utensílios como panelas para processar os alimentos feitos de materiais como madeira, fibras e barro.

Os estudos de arqueólogos demonstram que a população que habitava a hoje chamada Amazônia brasileira produziam sistemas agrícolas diversificados e descentralizados, conforme demonstram os numerosos sítios arqueológicos encontrados em todas as regiões do bioma. Além disso, constatam que população nativa é detentora de conhecimentos capazes de criar novas paisagens para plantas domesticadas sob diferentes condições ambientais, o que comprova a importância dos conhecimentos indígenas e das sociedades locais herdeiras destes conhecimentos para a conservação da biodiversidade, reconhecidas pelos colonizadores já nos primeiros contatos com os nativos ainda no século XVII, quando da tentativa de explorar comercialmente as plantas domésticas pelos indígenas através do estímulo à produção de cacaueiros na Amazônia.

Os resultados de pesquisas arqueológicas na Amazônia têm contribuído para refutar a ideia difundida pelos colonizadores de suposta superioridade técnica sobre agricultura por parte dos europeus, uma vez que revela o esforço das antigas sociedades amazônicas em identificar, domesticar espécies florestais úteis e elaborar ferramentas de importância crítica para a segurança alimentar moderna. Também refutam fortemente as ideias de florestas amazônicas intocadas pelo homem antes da chegada dos colonizadores.

Nesta subseção não foi possível tratar especificamente de povos que viviam onde hoje é Belém, uma vez que os registros históricos da ação dos colonizadores não detalham os sistemas agroalimentares dos que habitava o local quando da colonização, assim como os estudos arqueológicos sobre Belém impossibilita uma compreensão mais completa dos processos que ocorriam antes da chegada dos europeus.

5.1.2 Pré-história dos regimes agroalimentares: a desestruturação dos sistemas alimentares locais e implantação do monopólio do modelo agroextrativista para exportação

Na barra de Separará, como era chamado pelos nativos a região onde hoje é Belém segundo o viajante D'Abbeville (2008), sobre a ótica do colonizador, as primeiras iniciativas de instalação de um sistema agroalimentar na Amazônia distintos aos dos nativos em termos de objetivos e práticas agrícolas ocorrem quando da efetivação da colonização portuguesa iniciada na região, através da expedição comandada por Francisco Caldeira Castelo Branco,

composta por 200 pessoas com o objetivo de afastar do litoral norte colonizadores de outras nacionalidades, o que deu origem em 1616 a um forte associado à fundação da cidade de Belém. Essa decisão de Portugal, diferente de visitas de viajantes de outras nacionalidades, ocasionou mudanças bruscas de orientação em determinados pontos essenciais do funcionamento da sociedade indígena, entre elas a que visava, prioritariamente, a diminuição da organização social dos nativos, assim como a desestruturação tecnológica da atividade produtiva.

Antes de Francisco Caldeira Castelo Branco, segundo Góes (1999), europeus como como Américo Vespúcio (1499-1500), Alonso Ojeda (1499-1500) e Vicente Yáñez Pinzón (1499) já tinham conhecimentos in loco sobre a região amazônica antes mesmo da chegada dos portugueses. No entanto, a importância histórica sobre as mudanças na região é atribuída aos portugueses que em 1616 efetivaram a posse da terra incorporando-a ao império português e fundando a cidade de Belém, o que historicamente gerou consequências na organização social dos nativos.

Inicialmente, as mudanças ocorridas nas primeiras décadas na Amazônia após a efetivação da colonização portuguesa apresentam diferenças das ocorridas na região nordeste, caracterizada por instalar um sistema produtivo, fundamentada na grande propriedade basicamente monocultora, na utilização da mão de obra escrava africana e na comercialização voltada para o mercado externo. De acordo com Oliveira (2001), os processos social e produtivo amazônicos caracterizaram-se pela inteiração, exploração e extermínio dos grupos nativos locais. O fato de o ecossistema amazônico ser bastante distinto e complexo impôs limites à ocupação mercantil portuguesa, que preferiu a escravidão indígena como possibilidade mais viável e prática aos projetos de exploração econômica do lugar.

Dessa maneira, os sistemas agroalimentares amazônicos descritos na subseção anterior, caracterizado pela autonomia, diversidade e para o abastecimento interno das aldeias tupinambás, gradativamente foi sendo decomposto pelas iniciativas dos colonizadores portugueses que seguia um projeto homogeneização cultural da própria região, sendo as principais formas não apenas ligadas à catequização de várias ordem religiosas católicas que se instalaram em Belém, mas também pela redução sistemática dos aldeamentos e extermínio indígena, sendo que aqueles que eram aprisionados em parte eram incorporados à comunidade como escravos domésticos e uma grande parcela eram usados como escravos nas atividades agroalimentares.

Segundo Oliveira (2001), a princípio, até certo ponto a ocupação portuguesa na Amazônia fez-se através dos prenúncio de uma conjuntura na qual a coroa portuguesa se

encontrava no início do século XVII às voltas com a perda do precioso mercado oriental pelos holandeses e a ameaça que pairava sobre as zonas açucareiras brasileiras. Por isso, assim que se estabeleceram na Amazônia, em 1616, com a fundação de Belém, o primeiro propósito dos portugueses foi de defender uma das entradas rio Amazonas e para isso contaram com uma curta aliança entre os Tupinambá locais, conforme revela trecho do padre e historiador jesuíta José de Morais em 1759:

Aproveitando-se, portanto, das boas graças e afeições dos índios que com tanta habilidade soubera conquistar, e ajuda deles, mandou levantar terra com que se formou um bom parapeito em que fez cavalgar os pequenos canhões que levara do Maranhão. A esta ligeira fortificação, considerada então mais que suficiente para resistir às invasões daquele gentio, caso tentasse este qualquer golpe ou surpresa contra o novo presídio, deu o capitão português o nome de forte de Santo Cristo (MORAES apud AMARAL, 2004, p. 78)

No entanto, o tratamento oferecido pelos colonizadores aos indígenas logo em seguida aos primeiros contatos foi um completo desastre, sendo que já em 1617 as primeiras revoltas acontecem, que teriam se iniciado, segundo Silva (2006), quando um Tupinambá de nome cristão Amaro, que sabia ler e escrever por ter estudado com os padres capuchos, espalhou a notícia de que possuía uma carta enviada por Castelo Branco a Jerônimo de Albuquerque e que nesta dizia que fossem escravizadas todas as aldeias entre as vilas do Pará. O autor não sabe ao certo a extensão dessas revoltas, nem se todas as aldeias Tupinambás participaram dela, no entanto, o trabalho publicado por Oliveira (2001) revela que a escravidão indígena na Amazônia foi uma prática integrante e indispensável à dinâmica do sistema colonial.

O resultado dessas primeiras revoltas nos anos iniciais de colonização portuguesa para os nativos derivou em um saldo pouco favorável, com muitos sendo massacrados e outros cativados, com consequentemente desorganização das formas sociais de produção e abastecimento alimentar dos nativos, em parte substituídas por sistemas de plantações de cana para engenho, inclusive com construção de fornos de cal próximos ao forte, que foram constatados nos trabalhos arqueológicos realizados (MARQUES, 2003).

Assim, o domínio português sobre o território foi se impondo e firmaram relações escravistas, durante o século XVII, ajustando a população indígena numa nova realidade social. Do núcleo constituído em Belém irradiara-se a colonização, de onde haveriam de partir as primeiras “tropas de resgate” de nativos, de onde sairiam as primeiras expedições à em busca das “drogas do sertão” e onde teria início a catequese.

O sistema de abastecimento da cidade em seus primeiros anos, segundo Meira (1976) era composto de maneira significativa pelo extrativismo das intermediações da instalação da

fortaleza. Na realização da colheita ou caça os colonos expandiam sua penetração no território, fixando aos poucos as primeiras vias da cidade que além de serem formados por militares era formado por migrantes que começaram a chegar ao Grão-Pará, segundo Meira (1976), em 1621 vindo do Açores, instalando-se no interior da colônia como sesmeiros. Em 1637, a população de origem europeia no Grão-Pará era formada por 50 soldados e 80 colonos, boa parte estimulados a se jogarem no sertão amazônico em busca de um “El dourado”, e depois de frustrados por não 154

encontra-lo, abraçam outras formas de obtenção de riquezas.

O período entre os meados dos séculos XVII e XVIII aconteceu em Belém e no seu entorno acontecimentos que estão muito mais relacionados ao extermínio dos indígenas e das suas forma de organização agrícola, assim como ao desenvolvimento da economia da Amazônia portuguesa, do que à expansão territorial, tendo como atividades importantes as excursões de reconhecimento que tão somente obtinha aquilo que o padre Vieira21 veio a chamar de “ouro vermelho”, menção ao sangue dos índios tomados pelos colonos, rentável também ao fornecimento de escravos índios amazônicos ao litoral açucareiro pernambucano, assim como às colônias espanholas.

Quando de sua chegada à Amazônia, na década de 1650, padre Vieira denunciara a extensão do mau tratamento dado pelos portugueses aos nativos da região, tendo como resultado, nos 36 anos anteriores, a morte de cerca de 2 milhões deles, perfazendo em média 55.555 pessoas por ano. Dos nativos capturados, no entanto, muitos também eram utilizados em atividades agroextrativistas monopolizadas por Portugal, conhecidas popularmente por “drogas do sertão”, que, segundo Meira (1976), deu origem ao comércio entre o Pará e Lisboa de salsaparrilha, sassafrás, cacau, canafístula, pita, urucum, canela, algodão, carajuru, cravo fino e grosso, baunilha, quina, puxuri, casca preciosa, madeiras etc. Meira (1976) chama tais elementos da biodiversidade de produtos que representavam um “conjunto selvagem de novidades” que rendia bons preços e convidavam ao negócio. Nota-se aqui que o consumo de alimentos exóticos já era valorizado pela elite na Europa que poderia pagar por suplementos alimentares de luxo (MCMICHAEL, 2016), fenômeno semelhante associado ao que se chama aqui neste trabalho de alternativas agroalimentares, no qual produtos com adjetivos de orgânicos, sustentáveis, ou saudáveis, muitas vezes são valorizados por uma porção da

sociedade que pode pagar preços mais elevados, não se constituindo geralmente em alternativa, mas elemento de distinção social.

Economicamente, para Portugal e para os colonos, as atividades desenvolvidas no comércio de Belém e nas colônias do interior representou o ciclo inicial da inserção da agricultura amazônica a outras partes do mundo, construída com base da desestruturação da agricultura nativa e exploração de mão-de-obra escrava. No entanto, segundo McMichael (2016), o colonialismo, por mais que contribuísse com o abastecimento do Estado metropolitano, não pode ser visto como um regime alimentar, sendo na melhor das hipóteses, seu predecessor, uma vez que não estabeleceu um preço mundial de gêneros de primeira necessidade, o que surgiu somente no último terço do século XIX.

Por isso, esse precursor dos regimes agroalimentares teria sido uma etapa que introduziu novas relações que, para Guimarães (1963), representou um estágio inferior da produção agrícola, “peculiar às condições históricas pré-capitalistas”, caracterizado pela implementação do esquema das capitanias e das sesmarias, do extermínio de populações locais e da apropriação ilegítima, a qual consolidou (posteriormente) a propriedade privada da terra no país. Já o contemporâneo de Guimarães, Caio Prado Júnior (1987), ao analisar essa fase de mudanças provocadas pela colonização portuguesa no que é hoje Brasil, recusa qualquer interpretação que considere de caráter feudal. Segundo o autor, esse tipo de interpretação constitui um erro, na medida em que camufla o cerne da questão agrária brasileira, deixando de considerar fenômenos próprios do capitalismo. Independente das interpretações sobre as mudanças provocadas pelos colonizadores serem de natureza feudal ou capitalista, seu resultado instituiu na região amazônica um novo sistema agroalimentar que desestruturou o anterior autônomo e localizado e estabeleceu um dependente de mão de obra escrava e voltado a exportação principalmente de produtos exóticos, representando um período de prosperidade (MEIRA, 1976) para colonos, comerciantes e para Coroa portuguesa, tudo isso em meio a genocídios e ao declínio da práticas culturais dos nativos, o que envolve a alimentação daqueles que habitavam a região onde hoje se encontra a cidade de Belém.

Ainda no primeiro século de fundação da cidade, às margens do igarapé Piri, hoje aterrado, foi se estabelecendo como ponto de posto fiscal e entreposto comercial entre os produtos agroextrativistas e os comerciantes exportadores portugueses, sendo que, segundo Meira (1976), em 18 de junho de 1687, a câmara de Belém encaminhou uma carta pleiteando a Coroa a concessão do tributo do Ver-o-Peso. Assim, em 21 de março de 1688 o Rei atende a solicitação e concede à Belém a fonte de receita que seria aplicada nas obras públicas e centraliza como ponto oficial de entreposto comercial a foz do Piri, ordenando que “não

embarque sem despacho drogas que sahem daquela Conquista; e de conceder aos Officiaes da Camara da Cidade de Belém do Pará, o rendimento do dito Ver-o-peso na forma que tem as mais rendas que administra” (CRUZ apud MEIRA, 1976, p.41). Desta maneira, originou-se ainda no século XVII, inicialmente como entreposto comercial dos produtos agroextrativistas o Ver-o-Peso, hoje um dos mais importantes espaços varejistas de alimentos da Amazônia e de Belém.

Resumidamente até o período nomeado por historiadores como “pombalino”, o sistema agroalimentar dominante em Belém e no seu entorno estava constituído na obtenção, via extrativismo principalmente, mas também via agricultura, de produtos exportáveis. O setor agrícola subsidiário, segundo Ribeiro (1983), consistia em: certo número de fazendas grandes que empregavam índios escravos, eventualmente libertos e, contra a lei, índios