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5 TRANSFORMAÇÃO DOS REGIMES AGROALIMENTARES NA CIDADE E

5.4 O TERCEIRO REGIME INTERNACIONAL E A CHEGADA DE OLIGOPÓLIOS

A existência de terceiro regime alimentar é tema de diversas discussões entre os atores que adotam esse conceito para análise, que teria como característica, para Friedmann (2005), formas diferenciadas de organizar cadeias de suprimento de alimentos sobre a hegemonia internacional, pelo qual um Estado dominante representa seus interesses com os de Estados rivais subordinados. Isso instala dúvidas quanto à existência de um terceiro regime, tendo em vista que não há evidências de superação da hegemonia dos EUA, que continua usufruindo do seu poderoso sistema financeiro.

Para McMichael (2016), embora se mantenha o legado dos regimes agroalimentares anteriores, um terceiro regime agroalimentar corporativo expressa um novo momento político do capital que pode ser conceituado como o “projeto de globalização”, considerando que o conceito de regime alimentar surgiu como um conhecimento centrado no papel do Estado. O autor considera que as mudanças do sistema estatal e a incorporação das relações agroalimentares constitui critério para definir as diferentes fases dos RAI ao longo do tempo, sendo a marca do primeiro a integração do capitalismo industrial europeu (britânico, em especial) às cadeias de suprimento alimentar; o segundo marcado pelas alianças políticas entre os Estados que criaram mercados para os excedentes agrícolas norte-americanos; e a marca de um terceiro regime estaria na reversão do papel do Estado em reger mercados, para servir aos mercados através do estabelecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do

Acordo sobre Agricultura (AoA), que institucionaliza a liberalização dos mercados nacionais e restringe os direitos dos Estados de regular a agricultura e a alimentação.

Para Schneider, Schubert e Escher (2016), sob a ideologia neoliberal da globalização e do estado mínimo e a crescente financeirização da riqueza, as grandes corporações transnacionais passaram a dominar não só as indústrias a montante e a jusante da agricultura, mas principalmente os grandes canais de distribuição do comércio varejista, o que representou uma verdadeira “revolução dos supermercados”. Aqui se destaca o papel do varejo supermercadista nesse novo regime, que sem dúvida é a marca mais expressiva no sistema de abastecimento de Belém, uma vez que no processo de formação dos complexos- agroindustriais brasileiros pouca foi a inserção da Amazônia na produção de alimentos considerados de necessidade básica, sendo uma exceção a agroindústria da farinha e do açaí que constituem alimentos básicos da alimentação belenense.

Transnacionais a montante da agricultura (como misturadoras de adubos, indústrias de máquinas e de agrotóxicos) e a jusante são praticamente inexistentes no Pará, sendo a indústria alimentícia paraense composta, em número de unidades locais de empresas com cinco ou mais pessoas ocupadas, segundo as divisões de atividades (CNAE 2.0/IBGE), de 599 unidades em 2016, representando apenas 2% das agroindústrias do país e volume de receita de apenas 1% do total brasileiro, que se concentram em número de unidades nos Estados de São Paulo (20%), Minas Gerais (15%), Rio Grande do Sul (9%) e Paraná (9%), totalizando 53% das unidades e 60% do total de receitas líquidas de vendas (SIDRA/IBGE, 2008). Além disso, a agroindústria paraense tem um perfil exportador, que contribui pouco para o abastecimento da cidade de Belém, destacando a agroindústria de polpas de frutas regionais e tropicais e os frigoríficos (HOMMA, 2001).

Pelo pífio número de indústrias do agronegócio no Pará, praticamente excluído do processo de formação dos complexos agroindustriais brasileiro, as mudanças decorrentes do regime agroalimentar corporativo no abastecimento de Belém são mais perceptíveis no setor de varejo, uma vez que a composição da economia da cidade se pauta nas atividades comerciais e de serviço. Os supermercados representam o setor varejista de alimentos que mais se desenvolveu em Belém nas décadas de 1990 e 2000, ampliando sua importância no abastecimento de alimentos e reduzindo, consequentemente, o papel de feiras, açougues e principalmente das tabernas.

As primeiras redes de supermercados que surgiram na cidade de Belém na década de 1960 e já na década de 1970, segundo Gonçalves (2006), tiveram que se deparar com a entrada no mercado varejista de supermercados nacionais, como o grupo Pão de Açúcar de

São Paulo e o Bom Preço de Pernambuco. No segundo momento, com a facilidade de entradas de capitais internacionais nos maiores grupos nacionais, ocorreu a compra de algumas redes nacionais, como do grupo Bom Preço pela holandesa Royal Ahold, em 1996, e a associação da francesa Casino com o grupo Pão de Açúcar. De acordo com Gonçalves (2006), consequentemente esses grupos fecharam alguns empreendimentos de menor rendimento e saíram de Belém, deixando os imóveis e o mercado para as redes locais na década de 1990, que se fortaleceram e quatro redes passaram a concentrar o mercado varejista na cidade.

A pesquisa realizada por Pontes (2009) demonstrou que no Pará, como um todo, os supermercados concentram boa parte do faturamento do varejo de alimentos, sendo que os dados existentes sobre o setor, apontam que em 2006 foram arrecadados apenas pelas quatro maiores redes do Estado o equivalente a 65,7% da arrecadação do setor supermercadista paraense. Os dois primeiros lugares no ranking somam juntos mais da metade desse faturamento: o Grupo Yamada com 26,95% e o Grupo Líder com 25,12%, totalizando 52,07%. A citada pesquisa realizada por Pontes (2009) agrega dados de todo o Estado do Pará, e seu desmembramento aponta que aproximadamente 70% das três principais redes de supermercados que atuam no Estado se localizam em Belém, o que demonstra uma maior concentração das três redes sobre o varejo de alimentos na cidade do que no Estado como um todo, uma vez que as três maiores redes não possuem capilaridade, atuando em apenas 10 dos 144 municípios.

Segundo Gonçalves (2006), não há estudos detalhados sobre as razões dessa hegemonia por parte do grupo das quatro redes de supermercado, uma vez que as empresas resistem em abrir suas portas para pesquisadores. No entanto, observa-se que a hegemonia do grupo de quatro redes de supermercados começa ser ameaçada pela mudança de estratégias dos oligopólios internacionais do varejo, que passaram disputar o mercado varejista de alimentos na cidade, instalando atacadões ao invés de supermercados.

A taxa de crescimento econômico brasileiro, que desde o início da década de 1990 registrava valores positivos e chegaram a apresentar taxa de 7,5% em 2010, a partir de 2014 obteve valores negativos acentuados de -3,8, e em 2015 -3,6, que geraram grande dificuldades em todos os setores da economia brasileira, inclusive no varejo supermercadista. Associado a isso, no caso de uma das redes, o proprietário morreu e os oligopólios do varejo decidiram disputar o mercado de Belém, através de suas empresas de atacado de autosserviços, o popularmente conhecido “atacarejos”, nos anos 2000. O Grupo Makro, do grupo pertencente ao grupo holandês SHV (Steenkolen Handels Vereeniging), e o Atacadão, pertencente desde

2007 ao grupo francês Carrefour. O Atacadão Carrefour e a Makro na década de 2010 ampliaram sua presença na cidade, cada um inaugurando um segundo “Atacarejo” na cidade, e o grupo Pão de Açúcar decidiu voltar ao mercado de Belém 25 anos depois de sua saída, desta vez com o “atacarejo” Assaí.

A instabilidade econômica brasileira, a morte de um proprietário e, segundo o jornal Diário do Pará (2016), a “invasão de grandes grupos supermercadistas através do “atacarejo” atingiu em cheio a rede de supermercado Y. Yamada, maior grupo de varejo de Belém e da região norte. O faturamento da rede caiu de 1,3 bilhão de reais em 2015 para R$ 551 milhões em 2016. O balanço da empresa em 2016 atribui “forte crise no comércio varejista” à “queda na lucratividade das operações da companhia com o incremento do endividamento operacional e financeiro”. Em 2018, o grupo que chegou ter 42 lojas espalhadas pelo Pará, tenta se reerguer com 2 supermercados.

Os supermercados, no terceiro regime alimentar aparece como o principal coordenador dos sistemas de abastecimentos em grandes cidades, adotando no comércio tecnologia da informação computacional ao longo da cadeia de produção e de abastecimento, que ajudam a influenciar o padrão de consumo em todo mundo, incluindo Belém. O resultado da entrada dos oligopólios dos alimentos em Belém é uma redução ainda maior da agricultura do entorno da cidade, que até meados do século XX era responsável pelo seu abastecimento por produtos industrializados, principalmente no sudeste do país, e até mesmo de marca própria.

Tudo indica que nas próximas décadas o setor varejista de Belém se torne ainda mais dominado por oligopólios estrangeiros do varejo, de acordo com Reardon e Hopkins (2006), impulsionados principalmente por investimentos financeiros estrangeiros desencadeados pela liberalização de mercados aos quais a rede local da cidade não tem a mesma facilidade de acesso. Além disso, há um conjunto adicional de fatores institucionais e políticos nos mercados domésticos que favorecem setores varejistas de grandes portes, como isenções fiscais por parte do governo do Estado Pará e tarifas de energia elétrica mais barata. Com isso, o sistema de abastecimento da local, onde hoje é a cidade de Belém, cada vez mais se distancia de um sistema de abastecimento composto por alimentos in natura e com proximidade da cidade, por outro, mediado cada vez mais pelos supermercados, que oferecem muitos produtos alimentícios processados e não alimentícios e semiprocessados, como laticínios de longas distâncias, algumas até mesmo impossíveis de rastrear.

É nesse contexto que alternativas agroalimentares foram surgindo em Belém, num contexto marcado pela contribuição de alimentos de qualidade questionada compondo sobremaneira o abastecimento alimentar da cidade. Além das feiras de alimentos orgânicos,

que surgiu na cidade em 2006, outras organizações do varejo começaram a incluir em seu sortimento alimentos orgânicos e agroecológicos, inclusive os próprios supermercados, como também organizações menores como as lojas. Essa mudança de qualidade na demanda por alimentos pode representar uma grande oportunidade para a periferia (que não foi convidada para participar da modernização conservadora da agricultura) de ingressar nos mercados de Belém através dos alimentos agroextrativistas.

No entanto, a tendência indica haver dificuldades impostas pelas corporações internacionais – que, de acordo com Friedmann (2005), organizaram um consórcio de varejistas privados, fabricantes, órgãos privados de certificação, e outros que representam os interesses percebidos do consumidor – que não parecem dispostas a abrirem mão de instituir barreiras privadas combinadas com as públicas já existentes para controlar o setor de alimentos orgânicos. Desta forma, diante da falta de pesquisas sobre o varejo de alimentos orgânicos de Belém, aparentemente, observa-se que restaria aos agricultores da proximidade da cidade a comercialização de seus alimentos em feiras e mercados: as quatro feiras de alimentos orgânicos, que são sazonais, e as pequenas organizações varejistas como as lojas de orgânicos menos integradas a cadeias de abastecimento globalizadas.

Para se certificarem quanto às possibilidades das lojas de comporem estruturas descentralizadas de abastecimento de alimentos, como as tabernas representaram háa cinquenta anos atrás, desta vez como fornecedoras de alimentos orgânicos, o próximo capítulo analisa o seu processo de institucionalização no campo organizacional do varejo, coincidindo com as “linhas gerais” do contexto organizacional vistas neste capítulo.